Cidades
Estudo realizado na Ufal analisa percepção de alagoanos sobre a pandemia de Covid-19
Medidas de contenção, isolamento social, democracia e espectros políticos foram pontos de análise da pesquisa realizada pela estudante Byanca Lins
O ano era 2020. O mês, março. Foi lá, mais precisamente no dia 11 daquele mês, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou que a crise do novo coronavírus se configurava como pandemia. Em um dia, todos estavam com suas vidas e comportamentos habituais. No outro, tudo mudou. E o mundo, parou. Ou pelo menos grande parte dele.
Por aqui a situação não foi diferente, pelo contrário. E foi pensando nisso que a estudante Byanca Lins, do curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), elaborou seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado A percepção dos alagoanos sobre a crise de saúde [comunicação] pública no Brasil: o caso da pandemia da covid-19 sob orientação da professora Emanuelle Rodrigues.
O estudo investigou percepção dos alagoanos sobre a crise sanitária e como a população reagiu a partir das medidas de contenção que foram implantadas: “O estudo foi realizado em dois estágios: o primeiro analisou as páginas das redes sociais do Governo de Alagoas a fim de identificar as estratégias de comunicação usadas a partir do surgimento do vírus; no segundo momento foi realizada, então, uma pesquisa com a população alagoana”, explicou Byanca.
Os resultados mostraram que, de maneira geral, quem respondeu à pesquisa convergia com a opinião de que a covid-19 era, sim, uma emergência de saúde pública, sendo esse um total de 80% dos entrevistados, o que os levou a concordar também com as medidas implementadas para conter a transmissão do vírus.
A quarentena aplicada para todos os públicos, inclusive, foi aprovada por 73% dos entrevistados; enquanto que 20% disseram que ela seria um meio válido apenas para pessoas consideradas como “grupo de risco”; 4% apontaram que deveria ser para quem estivesse infectado e 3% dos entrevistados disseram não ter opinião formada sobre o tema.
Além disso, o estudo também investigou o nível de concordância ou não com as medidas de isolamento social implantadas pelo Governo de Alagoas em março de 2020. No total, 43% dos alagoanos que concordaram totalmente, enquanto que 3% disseram discordar. Já o discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pouco depois do início da pandemia, sobre “voltar à normalidade”, foi reprovado por 67% dos entrevistados; cerca de 30% disseram concordar.
Mais detalhes da pesquisa
Para o estudo foram entrevistadas 550 pessoas, todas exclusivamente do estado de Alagoas. A pesquisa se deu a partir de um questionário e foi distribuída on-line, para que fosse possível viabilizá-la durante a pandemia, especialmente no momento em que o isolamento social estava vigente.
No total, 68% dos entrevistados identificaram-se como sendo do sexo feminino, ante 32% do masculino. Dentro desse espectro, os que mais responderam ao questionário têm de 25 a 34 anos de idade (41%) e a maioria dos respondentes têm ensino superior completo (53%). Ao observar os dados de faixa etária e escolaridade, a pesquisa mostrou que quase 70% se caracterizam como adultos jovens e 80% têm nível superior completo ou incompleto.
“É possível atribuir esta característica a dois fatores: primeiro ao fato da pesquisa ter sido feita na internet, tornando-a mais provável de atingir às novas gerações que são mais ativas nas redes sociais digitais, e segundo é preciso considerar que o questionário foi primariamente compartilhado por pessoas próximas que concluíram ou cursam o ensino superior, por isso se pode correlacionar a alta taxa de escolaridade”, diz Byanca em seu estudo.
Alagoanos conectados
O estudo mostrou que 97% dos entrevistados se conectam várias vezes ao dia e, dentro desse recorte, 32% utilizam mais o WhatsApp e 28%, o Instagram. Quando questionados se utilizavam a Internet como fonte de informação sobre o coronavírus, 81% dos alagoanos responderam que sim, enquanto que 19% disseram não. E se formos pensar que quem lê, compartilha, 60% disseram fazê-lo apenas depois de verificar se a informação é verdadeira.
O WhatsApp, inclusive, foi citado na pesquisa como rede social onde mais os alagoanos compartilhavam as informações com os demais, sendo que 61% deles só o fazem também depois de verificar se o conteúdo é verdadeiro, enquanto que 25% disseram não compartilhar. Além disso, o estudo mostrou que a televisão e os sites de notícias, com 26%, foram marcados pelos entrevistados como as principais fontes de informação sobre a covid-19.
Essas informações, repassadas por especialistas da área da saúde, se tornam ainda mais críveis de acordo com os resultados do estudo. O resultado supera a informação fornecida por jornalistas, entidades do governo – federal e estadual – e pessoas de confiança.
No entanto, cabe reforçar que também se faz importante saber o perfil de quem duvida. Por isso, o estudo cruzou esta variável com a faixa etária, escolaridade, posicionamento político e quais as principais fontes de informação.
“O maior percentual de quem desconfia são pessoas entre 35 e 44 anos, de ensino médio completo, que consomem mais informações sobre a covid-19 pela televisão e que não se identificam com espectro político nenhum”, explicou Byanca.
Espectro político em discussão
A partir do recorte por espectro político, o estudo encontrou conflitos: “Nesse momento, [a população] diverge sobre o isolamento social e a percepção sobre o regime democrático. Diante disso, torna-se importante pontuar que, ultrapassando os limites do posicionamento político, a disputa de narrativas das autoridades federais e estaduais em torno da crise de saúde pública surtiu efeitos sobre os comportamentos dos indivíduos”, disse Byanca.
Dentre os entrevistados, quem se considera como de direita (68%) e extrema-direita (57%) acreditava que a quarentena deveria ter sido aplicada para os grupos de risco. De todos os entrevistados, os de direita e extrema-direita; já os demais movimentos, como esquerda, centro e extrema-esquerda concentraram o maior percentual afirmando que o isolamento deveria ser aplicado a todos.
A pesquisa também avaliou a percepção do público sobre a democracia. Do total de entrevistados, 73% consideram que este é o melhor regime governamental, independente das circunstâncias, enquanto que 12% afirmaram que, dependendo do momento, a democracia poderia ser substituída por outros regimes intervencionistas. A maioria das pessoas que concordavam com esse ponto se identificam com o viés da extrema-direita, sendo 50% dos entrevistados.
“Ao acompanhar o desenrolar da crise no país e os posicionamentos divergentes entre políticos brasileiros em relação a esse fato, podemos perceber que parte dos alagoanos costumava minimizar a importância do coronavírus. No entanto, com a pesquisa, é possível, além de compreender o contexto social, fazer com que mais pessoas reflitam sobre o seu papel na promoção da saúde pública”, disse Byanca Lins, em seu trabalho de conclusão.
Além disso, ela acredita que o estudo mostrou que os espectros políticos se comportam de maneira diferenciada quando entram em contraste pontos como o nível de confiança nas fontes de informação, quarentena e democracia. “Podemos associar isso ao panorama político nacional extremamente dividido e a descoordenação federativa na adoção de políticas públicas no combate à crise", complementou a estudante.
A comunicação e as necessidades da população
Segundo Byanca, situações de crise, em especial na saúde pública, precisam de mobilização coordenada a nível nacional e orientações claras direcionadas ao público-alvo e, principalmente, com o uso de estratégias diárias de comunicação a partir da chegada de novas informações – o que acontecia com certa frequência no período mais forte da pandemia, ainda que a covid-19 fosse algo novo para o mundo da ciência.
“É importante conhecer as necessidades da população e isso é possível através da investigação sobre a percepção da opinião pública, que no caso deste estudo é dos alagoanos, e, a partir dela, traçar estratégias de incentivo ao conhecimento coletivo”, contou a estudante.
É com base nisso que, para ela, a comunicação não deve ser simplesmente unidirecional e informativa. “A comunicação deve ser um caminho de escuta e diálogo, a fim de preparar a sociedade para enfrentar, coletivamente, os tempos de crise”, refletiu Byanca Lins na conclusão de seu trabalho.
A fala da estudante é reforçada pela professora Emanuelle Rodrigues. Para ela, os resultados do estudo revelam uma necessidade de se pensar a comunicação como uma dimensão indispensável das relações entre organizações e sociedade civil. "O que requer uma gestão estratégica pautada em valores democráticos, na diversidade e nos direitos humanos", complementou.
A orientadora do trabalho apontou ainda que esse deve ser o caminho que os profissionais de relações públicas devem guiar suas práticas cotidianas.
"O trabalho de Byanca direciona nosso olhar justamente para o tipo de comunicação e relações públicas que a sociedade necessita, isto é, orientadas para o interesse público e o bem estar social", concluiu Emanuelle Rodrigues.
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