Cidades

Quase 50 pessoas são resgatadas de trabalho análogo à escravidão em AL

Inspeções do MTE em pedreira de Murici e construtora de Marechal registraram números altos não vistos desde 2019

Por Luciana Beder – Colaboradora com Tribuna Independente 15/04/2023 09h00
Quase 50 pessoas são resgatadas de trabalho análogo à escravidão em AL
Trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão durante inspeção do MTE, com participação do MPT, DPU e PF - Foto: Assessoria MTE

Quarenta e nove trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão foram resgatados (afastados do trabalho) após inspeções, coordenadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), realizadas neste mês de abril, em Alagoas. Esse foi o maior resgate de trabalhadores em condições análogas à de escravidão realizado durante inspeções do Trabalho no estado, desde o ano de 2019.

Os trabalhadores estavam sendo submetidos a condições degradantes e jornadas exaustivas, em pedreiras, de responsabilidade da Pedreira Cansanção, no município de Murici, e em uma obra de construção civil, da Construtora Gavama, em Marechal Deodoro.

Em Murici, 44 pessoas realizavam atividades de corte de pedras paralelepípedo de modo rudimentar e artesanal, sem nenhuma medida de Saúde e Segurança do Trabalho e em total informalidade e irregularidade das relações trabalhistas, com jornada exaustiva, ambiente de trabalho degradante, vida e moradia e iminente risco, em pedreiras.

A remuneração dos trabalhadores era baseada pelo número de peças produzidas, sem garantia de um salário-mínimo adequado ou de uma jornada de trabalho limitada, incentivando-os a trabalharem de forma exaustiva, sacrificando a segurança, saúde e bem-estar, sem pausas para descanso e sem o direito a outros benefícios trabalhistas, em atividade considerada penosa e em condições degradantes, insalubres e não-ergonômicas.

Já no município de Marechal Deodoro, cinco trabalhadores da construção civil estavam alojados nas dependências da obra, dormindo sobre colchões ou pedaços de espumas, dispostos no chão, em depósito e cômodo improvisado da obra, sem acesso a instalações sanitárias adequadas e sem local para preparo e tomada das refeições.

Eles eram submetidos a condições degradantes de trabalho, vida e moradia, sem nenhuma medida de Saúde e Segurança do Trabalho e com trabalho em altura em condições de grave e iminente risco de causar acidentes graves ou até fatais. Foi flagrado ainda um menor de idade trabalhando na obra.

Os responsáveis foram notificados a regularizar o vínculo dos trabalhos irregulares encontrados; a quitar as verbas rescisórias dos empregados resgatados e do menor de idade afastado; e a recolher o FGTS e as contribuições sociais previstas de todos os trabalhadores.

Também foram fiscalizadas duas pedreiras no município de Boca da Mata, mas não houve flagrante de irregularidades. O Ministério Público do Trabalho (MPT), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Polícia Federal (PF) também participaram das inspeções.

Trabalho análogo à escravidão é crime, segundo a lei brasileira

Desde a sua criação, em 1940, o Código Penal Brasileiro criminaliza a conduta de reduzir alguém à condição análoga à de escravo. O artigo 149 do Código Penal Brasileiro traz a definição jurídica do que é trabalho análogo à escravidão.

Fogão rústico em que trabalhadores faziam suas refeições; eles eram submetidos a situação degradante I Foto: MTE

“É caracterizado quando você impõe a um trabalhador condições exaustivas de trabalho, jornadas exaustivas, quando a condição é muito precária, quando você limita a liberdade daquele trabalhador de ir e vir, limita a locomoção daquele trabalhador. Então, é todo um conjunto que caracteriza a redução à condição análoga de escravo”, explicou o advogado trabalhista Henrique Messias.

Ainda segundo Henrique Messias, é comum encontrar esse tipo de situação em locais ermos. “Hoje, isso se caracteriza muito em locais distantes, onde o trabalhador está ali prestando o serviço sem qualquer condição de saúde, por exemplo, quando o trabalhador não tem também acesso a água potável é um outro exemplo que o Ministério Público considera muito para fim de enquadramento como trabalho análogo à escravidão. Então, tudo isso pode ser considerado trabalho análogo à escravidão e é crime. Não é só uma questão trabalhista, é também um crime previsto no Código Penal”, disse.

Segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), Alagoas não registrou casos de resgate de trabalho escravo no ano passado, mas, em 26 anos – de 1995 a 2021 -, 846 trabalhadores já foram resgatados de situações de escravidão contemporânea no estado.

Os municípios nos quais foram registrados os resgates são Rio Largo, com 401 trabalhadores resgatados; Penedo, com 214 resgates; Feira Grande, com 90 resgates; União dos Palmares, com 52 trabalhadores resgatados; Roteiro, onde foram resgatados 51 trabalhadores; Colônia Leopoldina, que registrou 32 resgates; Flexeiras, com cinco resgates contabilizados; e Joaquim Gomes, com um resgate.

Já os setores econômicos mais envolvidos no trabalho análogo à escravidão no estado são a fabricação de açúcar em bruto, com 81% dos casos; fabricação de farinha de mandioca e derivados, com 11% dos resgates; cultivo de frutas de lavoura permanente (exceto laranja e uva), que representa 6% dos casos; e 1% dos resgates ocorreu em atividades de associações de defesa de direitos sociais.