Cidades

“Escuta sobre impacto da desocupação de bairros limita participação popular”

Lideranças alegam que empresa contratada para produzir diagnóstico não tem independência e documento traz graves problemas técnicos

Por Lucas Maia - colaborador com Tribuna Independente 25/03/2023 09h13
“Escuta sobre impacto da desocupação de bairros limita participação popular”
Pinheiro (foto), Bebedouro, Mutange, Bom Parto e parte do Farol foram atingidos pelo afundamento do solo e tiveram que ser desocupados - Foto: Edilson Omena / Arquivo

Durante todo o mês de março, a Diagonal, empresa de consultoria e gestão social, tem apresentado seu diagnóstico técnico com estudos do impacto social da desocupação de empresas e residências em cinco bairros de Maceió atingidos pelo afundamento do solo em decorrência da mineração de sal-gema pela Braskem.

Estas apresentações estão sendo chamadas de escutas públicas e têm o objetivo de ouvir os moradores para discutir o resultado do diagnóstico e avançar para a elaboração de um Plano de Ação Sociourbanística. A empresa responsável foi contratada pela Braskem em cumprimento a um termo de acordo firmado junto ao Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL), Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) e Prefeitura de Maceió.

No entanto, representantes de moradores e empresas atingidas pelas ações da mineradora questionam a independência da empresa de consultoria, a qualidade técnica e a maneira como o processo de escuta tem sido conduzido.

De acordo com Alexandre Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores do Pinheiro, o processo deveria contar com a participação popular para elaborar um Plano de Ação, mas na prática o processo tem sido conduzido de modo a desmobilizar o público e limitar a participação popular.

“É uma mera formalidade, que finge escutar a população. Não há réplica, tréplica nem participação de autoridades. É um processo desmobilizador onde as perguntas são vagamente respondidas depois de duas horas”, diz o representante dos empreendedores sobre as escutas públicas.

Sampaio questionou representantes da Diagonal a respeito de diversos aspectos que atingem diretamente a população de Maceió, mas não são citados em nenhum local do diagnóstico, que possui mais de 600 páginas.

Quantas empresas foram afetadas em função do crime da Braskem? Quantas empresas e atividades informais tiveram prejuízo e qual o tamanho desse prejuízo? Quantas empresas fecharam as portas imediatamente e após 5 anos do crime da Braskem? Quantos empregos formais e informais foram encerrados dentro do mapa de risco? Quanto foi perdido em arrecadação de tributos em função da redução da atividade econômica e renúncias fiscais? Esses foram alguns dos questionamentos feitos pela liderança aos representantes da Diagonal no dia 14 de março, durante escuta pública que deveria tratar dos impactos do evento sobre a geração de trabalho e renda na cidade.

De acordo com Alexandre Sampaio nenhum dos tópicos levantados em seus questionamentos está presente no diagnóstico. Sampaio disse ainda que nenhuma de suas perguntas foi respondida objetivamente em nenhum momento da escuta pública.

Para Neirevane Nunes, integrante do Movimento Único Vítimas da Braskem (MUVB), o acordo firmado pela mineradora deixou a empresa muito à vontade para contratar uma consultoria de sua confiança para avaliar os danos causados pela própria Braskem. “É a raposa cuidando do galinheiro”, avalia Nunes.

“O Diagnóstico é um documento que já nasceu viciado, atendendo puramente aos interesses da Braskem, além disso, não tem rigor científico, tem erros graves de metodologia, os dados são escassos e deficientes, utiliza referências inadequadas e algumas delas inexistentes, como o Plano de Mobilidade de Maceió”, relata.

Para Neirevane o documento manipula a linguagem, evitando responsabilizar a mineradora e atuando para encobrir o que ela avalia ser um crime socioambiental da Braskem em Maceió.

MPF/AL

Consultado, o MPF/AL afirmou que após o período de escutas públicas a comunidade ainda terá 15 dias para apresentar proposições e críticas por escrito.

A instituição afirma ainda que apresentou diversas considerações à Diagonal, acompanhadas por 44 questionamentos. De acordo com o MPF/AL tudo será objeto de análise e encaminhamentos após o fim do rito de escuta.

“A capacidade e independência técnica da empresa, estes serão igualmente analisadas, mostrando-se relevante que sejam acompanhados de justificativas/documentação. Até o momento, nenhum questionamento desse tipo foi apresentado ao MPF”, afirma em nota a instituição.

O OUTRO LADO

Procurada, a Braskem informou que “a escolha da consultoria Diagonal para desenvolver o diagnóstico que subsidia o Plano Sócio Urbanístico seguiu cláusula de independência técnica e foi pautada pela reconhecida experiência da empresa e qualidade de atuação”. Para a empresa, os resultados do diagnóstico elaborado pela Diagonal estão sendo debatidos de forma ampla e transparente.

Procurada pela reportagem para falar sobre integridade da Escuta Pública em Maceió, a empresa Diagonal informou por meio de nota que atua de forma independente.

“Todos os procedimentos e atividades realizadas pela Diagonal são pactuados com o Ministério Público Federal por meio do Acordo Socioambiental firmado com a empresa Braskem. A prática da Escuta Pública é um dos momentos de interação com a comunidade, que foi iniciado ainda na elaboração das pesquisas e levantamentos de informações e, neste momento, faz parte do processo que a empresa conduz de apresentação do diagnóstico sociourbanístico com as análises do impacto ambiental, social e econômico na região. Com base no diagnóstico, somado às contribuições da população, a empresa irá apresentar um Plano de Ações Sociourbanísticas, que trará os pontos levantados durante o diagnóstico participativo. Esse plano será novamente debatido em conjunto com a comunidade a fim de chegar ao produto final”, diz a nota.