Cidades
Corredor Vera Arruda: plano para abertura de vias é apresentado
Segundo a Prefeitura, medida reduziria tempo de algumas linhas de ônibus; especialistas e moradores da região são contrários ao projeto
Na manhã de quinta-feira (23), a Prefeitura de Maceió, por meio da Secretaria Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT), apresentou um projeto que prevê a abertura de ruas para o trânsito de veículos através do Corredor Vera Arruda, no bairro da Jatiúca.
O plano da prefeitura é ampliar o número de vias no sentido norte-sul na orla da capital. Para viabilizar os novos corredores de transporte seriam abertas mais quatro ruas cruzando o Vera Arruda, que é o maior parque linear da cidade e atualmente é cortado por duas avenidas.
De acordo com o plano divulgado pela SMTT, sete ruas que hoje são vias sem saída passariam a ser interligadas através do parque. O cruzamento de veículos seria permitido somente entre 7h da manhã e 19h e somente em dias úteis.
De acordo com a prefeitura isso reduziria o número de veículos nos corredores de transporte em até 50% e faria com que algumas linhas de ônibus tivessem o tempo das viagens reduzido pela metade.
ESPECIALISTAS DISCORDAM
Para o urbanista Renan Silva, a medida pode ajudar a diminuir temporariamente os problemas do trânsito na região, mas acredita que os problemas superam os possíveis benefícios.
“É uma medida defasada umas 8 décadas no tempo. Para os moradores das ruas que forem abertas, representará ainda perda de tranquilidade e qualidade de vida, com a perda de estacionamento em via pública para visitantes e aumento do tráfego e suas consequentes externalidades: trânsito, barulho e poluição”, afirma.
O urbanista alerta ainda para a necessidade da prefeitura produzir estudos de impacto com dados mais sólidos e transparentes, o que permitiria um planejamento adequado das mudanças que são necessárias para a melhoria da mobilidade urbana na cidade.
“Para melhorar a mobilidade não é preciso reinventar a roda. Basta seguir a mesma saída que todas as cidades que avançaram nesse tema: bom planejamento urbano e criar, passo a passo, um ambiente em que todos os modos de transporte tenham espaço e investimento proporcionais à sua função pública e impactos na dinâmica urbana. É preciso que o transporte coletivo e o ativo sejam convidativos”, pontua.
“Pra isso é preciso qualidade. Para se ter uma ideia, Maceió tem 15km de faixas voltadas aos ônibus. Fortaleza tem 10 vezes mais, com uma área urbana que não é nem duas vezes maior. A capital cearense construiu só da pandemia pra cá, mais infraestrutura cicloviária que Maceió em toda sua história. Com isso, conseguiu elevar de 3% para 5% os deslocamentos com bicicleta. Transportando pra Maceió, isso representaria mais de 11 mil viagens de carro ou moto a menos todos os dias”, conclui.
Jessica Lima, professora de engenharia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e doutora em engenharia de transporte pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que as medidas propostas pela Prefeitura de Maceió não solucionam o problema, pois a ampliação de vias para automóveis acaba gerando um aumento no número de veículos na cidade e, em consequência, mais congestionamento.
“A literatura científica já demonstrou o fenômeno da indução de demanda há mais de 60 anos. O que não faltam são dados científicos que mostram que abrir infraestrutura viária não é solução para o congestionamento. Na verdade isso tende a piorar o trânsito na região, porque você acaba incentivando mais pessoas a usar o transporte individual motorizado”, diz a professora.
Especialista: solução para congestionamentos é o Plano de Mobilidade
Questionada sobre qual solução deveria ser adotada para solucionar o problema dos congestionamentos em Maceió, a especialista diz que o primeiro passo que deveria ser tomado pela prefeitura é a produção de um Plano de Mobilidade Urbana. A lei federal 12.587, criada em 2012, exige que municípios com mais de 20 mil habitantes devem possuir o documento que planeja a maneira que a cidade deve crescer.
Jessica Lima diz ainda que a cidade de Maceió nem sequer iniciou qualquer processo de produção do plano. “Não é nem algo que dá pra culpar simplesmente essa última gestão, porque a lei é de 2012, então as últimas gestões também têm responsabilidade nisso”, conclui.
MORADORES
Para a jornalista Adriana Cirqueira, moradora de uma das ruas que seriam abertas, a medida acabaria com a tranquilidade de moradores e frequentadores do equipamento público que atrai crianças, jovens e adultos para momentos de esporte e lazer.
“Final de tarde isso aqui é repleto de crianças correndo, jogando bola, andando de patinete e de bicicleta. Imagine como o trânsito vai acabar com isso aqui”, comenta a moradora apontando para rapazes que passavam de bicicleta no local.
Já para o professor José Queiroz, presidente da Associação dos Moradores do Stella Maris, ao invés de abrir vias, a gestão municipal deveria garantir um maior cuidado para o Corredor Vera Arruda para que ele ganhe destaque como um equipamento público de Maceió e possa atrair mais turistas e servir melhor a população da cidade.
Queiroz também se diz incomodado com a falta de diálogo por parte da prefeitura. O representante comunitário afirma que apesar de serem contra o projeto, os moradores da região estão abertos ao diálogo e a discutir propostas que possam afetar a região.
No entanto, o morador acredita que abrir quatro vias dentro do parque iria descaracterizar completamente o Corredor Vera Arruda. “A prefeitura diz que o espaço que seria modificado representa menos de 1% do tamanho do Vera Arruda, mas a verdade é que cortar o corredor com essas vias representa para esse local o mesmo que cortar uma artéria representaria para uma pessoa”, opina.
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