Cidades

Com 30 mil livros, acervo em Bebedouro corre risco de ser inutilizado

Herdeira do patrimônio, Priscila Barros afirma que a Braskem não ofertou indenização compatível com a realidade

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 28/09/2022 06h46 - Atualizado em 28/09/2022 07h38
Com 30 mil livros, acervo em Bebedouro corre risco de ser inutilizado
Priscila Barros mantém viva a memória do pai, o promotor de justiça Wilson da Silva Barros, através do acervo que ele iniciou aos sete anos e que se transformou numa biblioteca particular - Foto: Edilson Omena

Durante sessenta anos, o promotor de justiça Wilson da Silva Barros se dedicou a colecionar livros. O sonho iniciado aos sete anos se transformou numa biblioteca particular construída dentro de sua residência, no bairro de Bebedouro. Mesmo após a sua morte, há cerca de quatro anos, o acervo se mantém intacto e agora corre o risco de ser inutilizado pela necessidade de realocação do imóvel devido ao afundamento de solo causado pela mineração. A filha dele, Priscila Barros, mantêm a memória do pai viva através do acervo e luta desde 2019 para que o patrimônio seja preservado.

“A Braskem não quer reconhecer o espaço como uma biblioteca. Meu pai construiu um sonho para ele, tudo projetado, tudo feito sob medida, madeira, ventilação, tudo para preservar os livros. Foram mais de R$ 350 mil investidos no prédio, tudo de primeira qualidade. Nem a própria Braskem tinha noção do que tinha aqui, ninguém sabia. Eu estimava que teria 15 mil livros, mas eles enviaram um especialista que atestou que são 30 mil obras, colecionadas desde os sete anos pelo meu pai. Quando o MP firmou o acordo eles não pensaram que poderiam existir situações como a minha, nunca imaginaram isso. Querendo ou não é um tesouro cultural que está correndo risco”, diz Priscila.

Ela relembra que, quando o processo de afundamento começou, o pai dela ainda estava vivo. “No dia do tremor eu estava com ele dentro da ambulância indo para o hospital”, recorda.

Desde então, os imóveis vizinhos começaram a ser desocupados e ela permaneceu. Priscila afirma que não consegue mais dormir a noite e que as tentativas de arrombamento no imóvel viraram rotina.

“Eu não me nego a sair, aqui está desumano, eu já passei sete dias sem energia. Todas as vezes que eu tenho reunião com a Braskem eles mandam cortar a energia, eles puxam muita carga atrás da minha casa. Numa das vezes minha vó caiu, ninguém ajudou, ninguém vê nada disso, todo mundo se cala. Já ficamos sem energia, não temos nada perto, totalmente isolados, sei das dificuldades de todos, porém infelizmente aqui está sendo a pior localização, já tentaram invadir minha casa seis vezes e nada se faz. Custa eles reconhecerem algo que é uma realidade, que não é fantasia?”, reclama.

“Braskem age como se essas obras não tivessem significado algum”

A situação tem se arrastado e ela não vem concordando com as propostas que são apresentadas pela empresa.

“Se eu pensasse em dinheiro, não estaria lutando por isso. Muitos poderiam desistir, mas é a memória do meu pai. Quando a Braskem chegou quatro anos atrás para que eu saísse, esse valor do aluguel jamais daria condições. E onde eu colocaria esses trinta mil livros? A Braskem age como se esses livros não tivessem significado algum. Para eles são livros, mas para mim tem valor afetivo. Eu não estaria brigando se eu tivesse a casa e o prédio vazio, eles precisam reconhecer que eu preciso de uma casa com um terreno maior e eles vão precisar me passar o valor para que eu construa o prédio para abrigar o acervo. A Braskem trouxe um bibliotecário, que contou trinta mil obras, a Braskem disse que reconheceria, que iria calcular, saber quanto eu gastaria de forma atualizada. Naquela época meu pai gastou 350 mil para construir o espaço, naquela época o saco de cimento era R$ 10. Quando eles vieram com a proposta da biblioteca eles me ofereceram 170 mil para construir o prédio e isso não paga o que tem aqui, é uma vergonha o estado ver uma coisa dessas e não fazer nada. Eles têm até dezembro para resolver, se até dezembro não resolver judicializam, mas no meu caso eu já disse, não tem problema, o que eu não vou é deixar para trás o que era do meu pai”, diz.

Priscila afirma que procurou ajuda, mas que não teve êxito. “Consegui uma reunião com o MP, promotores amigos do meu pai que disseram que iam abraçar a causa e nada fizeram. Meu pai foi promotor de justiça que honrou o estado e aquilo que era dele vai sendo deixado para trás sem ninguém fazer nada”, desabafa.

Em nota, a Braskem afirmou que o acervo não entra no cálculo da indenização e que aguarda a contraproposta que deve ser apresentada pela herdeira do imóvel.

“No âmbito do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação, a estrutura da biblioteca foi considerada para fins de valoração do imóvel. Já o acervo é um patrimônio que será incluído na mudança e permanecerá com a moradora. Portanto, não compõe a proposta de compensação. Vale ressaltar que o PCF disponibilizou apoio especializado para a devida catalogação, inventário e embalagem adequada para a mudança. Em relação às propostas de compensação financeira, o caso já passou por quatro reanálises e, atualmente, aguarda-se que a moradora apresente os documentos necessários para a análise do Parecer Técnico Independente quanto à valoração do imóvel”, diz a empresa.