Cidades
Direitos humanos: escolas em Alagoas negam vagas para alunos autistas
Pais e responsáveis reclamam da dificuldade na hora de fazer matrícula escolar; segundo eles, unidades de ensino colocam empecilhos, mesmo sendo um direito garantido por lei

Recusar ou dificultar matrículas de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é crime. Conforme a lei, quem desobedecer pode pagar multa, mas, em Alagoas, pais e responsáveis reclamam das dificuldades na hora de encontrar vagas nas escolas e afirmam que lei não é seguida.
“Meu filho sempre estudou em escola particular, no começo a gente não sabia do autismo. Quando começou a suspeita e a gente descobriu, eu precisei tirar ele da escola onde ele estudava, porque a minha irmã era professora e ele não podia ter esse vínculo, colocamos em outra escola que não tinha estrutura nenhuma. As escolas particulares não podem negar vaga, apesar de que muitas negam, dizem que não tem vaga, que não vai abrir turma, quando não é verdade. O meu filho fez até o 5º ano em uma escola que não tinha estrutura, mas que aos poucos foi se adequando, hoje eles têm sala de recurso, psicopedagoga. Quando eu precisei mudar ele do quinto ano para o sexto em outra escola foi terrível, terrível... cheguei a ligar para escolas onde o coordenador falou assim: ‘se quiser trazer ele, traga, mas a gente não tem estrutura’. Ou seja, isso já é um não. Como é que você vai deixar uma criança autista em uma sala de aula sem recursos e sem uma psicopedagoga?”, comenta Adriana Oliveira da Paixão, pedagoga e mãe de um adolescente de 12 anos com autismo.
Ainda segundo Adriana, as dificuldades na hora de encontrar escola acontecem em todos os anos e semestres. “Teve um ano que fui a uma escola, levei o material da matrícula dele. Mas quando cheguei à unidade de ensino a recepcionista disse: ‘a psicóloga da escola quer falar com você’. Fui e me explicaram que o local tinha sala de recurso, psicopedagoga, mas que não abririam turmas. Foi quando eu percebi que não era nada daquilo. Voltei pra casa, chorei muito, fiquei deprimida".
“APRENDI PARA ENSINAR”
Em uma nova tentativa, Adriana, a mãe do adolescente, disse que conseguiu a vaga com menos dificuldades, no entanto em escola sem estrutura. E por isso, ela resolveu estudar para ensinar o filho. “Achei outra escola, que ele já está lá desde o sexto ano, hoje está no sétimo ano, não tinha auxiliar de sala, tem sala de recurso, tem psicopedagoga, mas a escola não tem muita estrutura para crianças especiais, tanto que quando cheguei eles se encantaram com o meu filho, porque ele sabe ler e escrever, é alfabetizado. Faz a leitura devagar, mas faz. Consegue fazer isso porque eu ensinei quando eu vi que a gente não podia contar muito com escola, resolvi estudar. Por isso, cursei pedagogia e hoje estou cursando pós-graduação em psicopedagogia, atendo numa clínica na parte pedagógica, uma unidade que só atende autistas, tenho 10 pacientes por dia.
Eu percebi que essas crianças têm um potencial muito grande, que elas precisam encontrar alguém que acredite nelas. Pai e mãe têm que fazer alguma coisa, porque a gente não tem muito suporte de escolas. Não quero entrar muito na escola pública, porque não tenho conhecimento, o que eu tenho conhecimento são relatos de outros pais, têm pais que os filhos estudam na escola municipal que tem auxiliar de sala e tudo, a escola é maravilhosa, quando a escola é do governo estadual, aí tem uma dificuldade maior né, que não tem acompanhante, uma dificuldade maior em achar acompanhante, entendeu? Eu acho que sempre vai ser difícil, sempre”, lamenta a profissional e mãe de autista.
Assim como Adriana, Sergiana Castelo Branco é mãe de uma criança autista, atualmente com 11 anos de idade, e ela conta que as dificuldades são enormes. “Este ano mesmo tive muita dificuldade em encontrar vaga. Não disseram que não iam matricular, porém colocam vários impedimentos para que você desista. Por exemplo: não dão auxiliar, dizem que é para ele ir sozinho para a cantina comprar o lanche dele. Como assim? Estamos falando de uma criança autista não verbal, que é o caso do meu filho. É difícil. Não sei falar como".
Na prática, inclusão é dificultada
Outra mãe, que prefere manter a identidade em sigilo, tentou frequentar duas escolas particulares em Maceió, mas teve a matrícula do filho recusada no Colégio São Lucas, na Mangabeiras, e também no colégio CPEC, na Jatiúca. Quando finalmente foi aceita no Colégio Adventista, no bairro do Barro Duro, enfrentou uma forte resistência da equipe de ensino. No decorrer dos meses, notou que as demandas e o papel escolar não estavam sendo cumpridos.
“Uma mãe mandou um áudio para a professora perguntando se meu filho era autista, a professora confirmou e perguntou o porquê. A mãe se propôs a ajudar, ela e o filho ajudar o meu. A professora respondeu que não tinha o que fazer, só que não é essa a realidade, tem sim o que fazer, ajudar na socialização, ajudar no desenvolvimento, porque ele tem apenas cinco anos. Então no meu ponto de vista ela foi desumana”, relata a mãe da criança.
A direção da escola, que fica localizada na parte alta de Maceió, foi procurada pela reportagem para responder sobre o caso, mas preferiu não se manifestar.
Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência recebeu 6 reclamações em 3 meses
A Comissão de Proteção aos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL) atua na defesa dessas crianças e adolescentes. De acordo com a presidente da comissão, Taciana Andrade, algumas denúncias foram recebidas, mas ela explica que os pais têm muitas dificuldades de provar o abuso das unidades escolares.
“Apesar de ser crime a negativa de matrícula de autista em escolas, infelizmente essa conduta ainda é corriqueira. Algumas escolas alegam limite de vaga para autistas e outras, após apresentação do diagnóstico, recusam a matrícula informando que não possuem vagas para mais alunos. É importante que a família esteja atenta e guarde provas de que, anteriormente, aquela vaga existia. Por exemplo: entra em contato com a escola por meio de um canal escrito para receber a resposta da existência ou não de vagas. Se, após isso, com a entrega do diagnóstico, a escola se recusar a matricular, é importante fazer Boletim de Ocorrência e a comunicação aos órgãos de educação. Caso não seja resolvido, a via para solucionar termina sendo a judicial, seja para garantir a vaga e/ou punir a escola pela prática abusiva. Soube através de colegas que também fazem parte de nossa comissão que no final do ano, entre outubro e dezembro, foi recebida em média de quatro a seis reclamações. Pedimos que estas fossem revertidas em denúncias à Semed e ao Ministério Público de Alagoas [MP/AL]. No geral tentamos ajudar de todas as formas’’, pontua Taciana Andrade.
A advogada orienta que se houver discriminação por parte de quem quer seja em relação à pessoa com deficiência, seja autista ou qualquer outra, a família ou quem quiser tem que denunciar ligando para o Disque 100 e fazer um Boletim de Ocorrência.
DENÚNCIAS
Dados do Disque 100, ligado ao Ministério da Mulher, Cidadania e dos Direitos Humanos, apontam que de janeiro a junho deste ano foram 149 denúncias de violações contra os direitos de pessoas com deficiência intelectual/mental. No Brasil foram 12.349 registros. No mesmo período de 2021, o número de casos foi ainda maior, no estado foram 305 denúncias e em todo país 20.990.
AMIGOS DOS AUTISTAS
De acordo com Mônica Ximenes, presidenta da Associação de Amigos do Autista de Alagoas (AMA), na entidade não há relatos dos responsáveis em relação à discriminação nas escolas.
“Graças a Deus as crianças atendidas na AMA têm sido bem acolhidas nas unidades onde estudam. Nenhum caso de discriminação chegou até nós. Existem escolas em Maceió que tratam os autistas com muito amor. O que recomendamos aos pais é que sempre busquem uma escola que já tem experiência com crianças com autismo. E que sejam parceiros da escola. É preciso se sentir acolhido para que a criança possa se desenvolver. A nossa instituição, quando solicitada, indica aos pais escolas que já têm expertise com alunos com autismo. E também, quando solicitada, acompanha as dúvidas e orienta os professores quanto às adaptações e adequações necessárias”, ressalta Ximenes.
Mônica comenta ainda que a associação tem ajudado as escolas com as orientações necessárias. “Inclusive no caso de crianças que estudam em escolas públicas e são atendidas na AMA, temos acolhido e orientado os professores a pedido dos pais. Às vezes é questão de diálogo, informação e orientação. Nem todas as escolas estão prontas. Mas, temos encontrado muito boa vontade dos professores”.
Para Lucivânia Santos, da Associação de Pais e Amigos do Autista (Assista), o assunto educação ainda é muito complexo. “Esse assunto ainda é muito complexo para nós responsáveis de crianças e adolescentes com TEA em fase escolar. Todo início de ano é uma verdadeira maratona à procura de uma vaga nas escolas, seja ela privada ou pública. Quando se fala no CID [Classificação Internacional de Doenças], de imediato, como passe de mágica, a vaga some e em relação às públicas, as vagas até existem, porém a ausência de um mediador impossibilita a presença desse aluno em sala de aula”.
Para além da infância
A discussão sobre o TEA na fase adulta ainda é extremamente limitada, mas isso não significa que as pessoas deixem de fazer parte do espectro com o avançar da idade. Sendo uma condição para a vida toda, compreender seu funcionamento em cada fase da vida é fundamental para garantir qualidade de vida e inclusão social das pessoas que vivem com o transtorno. Os desafios enfrentados pelo adulto no espectro são diferentes dos enfrentados pela criança.
“Nós também temos crises assim como crianças, a questão é que assim como a crise de uma criança é diferente, as nossas manifestações adultas também são, nós temos crise de sobrecarga ou colapso, temos Burnout, acontece muito no meio de trabalho, mas para nós autistas é um Burnout social, e temos o shutdown que a gente desliga, de tanta informação, estímulo sobrecarga” explicou Junny Freitas.
Junny Freitas, 30, é autista nível um de suporte, conhecidamente como Aspeger, analista de produção, ativista pela neuro diversidade, e coordenadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, organização de acolhimento a mães e pessoas com deficiência.
O instituto oferece apoio e redirecionamento, informações para ajudar as famílias, em sua maioria mães com filhos com deficiência ou as próprias pessoas com deficiência e vulnerabilidade a conseguir ajuda, seja psicológica ou jurídica a essas mães através de contatos e conversas, rodas de apoio, troca de contatos e afins. “Por ser uma pessoa que passo e passei por tudo isso, me coloquei a disposição, faço um trabalho voluntário e por não termos muita rede de informação aqui no estado vi uma possibilidade de ajudar aqui onde estou” pontuou a ativista.
POR LEI
Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff aprovou a Política Nacional dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. A lei diz que as pessoas com autismo têm direito a um acompanhante especializado nas escolas, desde que seja comprovada a real necessidade, que pode ser com um laudo médico ou relatório de um pedagogo especialista em educação especial.
AUTISMO
O autismo é um transtorno do desenvolvimento. Um conjunto de alterações que afeta o sistema nervoso central e interfere na comunicação e interação social das crianças.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico aliado à terapia é fundamental para o autoconhecimento e desenvolvimento da independência. O autismo não tem cura. As abordagens realizadas têm o objetivo de guiar o adulto num processo de autoconhecimento e independência.
Como atinge vários aspectos do desenvolvimento, o ideal é no tratamento é que o acompanhamento seja realizado por uma equipe multidisciplinar composta por psicólogo, psiquiatra, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, entre outros. As recomendações são individuais, então todo caso é analisado isolado para que seja montado um plano de intervenção que corresponda às necessidades de cada paciente. As abordagens utilizadas levam o adulto ao processo de autoconhecimento e independência.
Segundo a psicóloga Alana Lins “os profissionais devem atuar de maneira a propiciar o desenvolvimento dessas crianças favorecendo um bom entendimento através do lúdico criando momentos criativos imaginado para que essas crianças vivenciam experiências através da brincadeira me desperta o interesse nas atividades diárias. É necessário que os profissionais se qualifiquem para que obtenha êxito na condução das intervenções.”
Escolas da rede pública municipal e estadual trabalham com educação inclusiva
A Secretaria de Educação de Maceió (Semed) disse que trabalha na perspectiva de uma educação inclusiva e igualitária para todos. Com isso, não há reserva em números de vagas para estudantes com deficiência, mas a criança deve estudar na escola mais próxima de casa. Todas as 144 escolas da rede estão aptas, bem como no sistema de matrículas. Também é pré-requisito do sistema priorizar a matrícula para o estudante com deficiência.
Até o dia 5 de março de 2022, a rede municipal tinha matriculados 2.982 estudantes com deficiência, sendo 215 na Educação Infantil, 2.359 no Ensino Fundamental e 408 na Educação de Jovens, Adultos e Idosos (Ejai).
A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) também afirmou que todas as escolas da Rede Estadual de Ensino de Alagoas são de inclusão e podem receber os estudantes que compõem o público-alvo da educação especial - São classificados como educação especial os alunos com Transtorno do Espectro do Autismo, Deficiências, Síndromes e Altas habilidades/superdotação, Dislexia e TDAH de acordo com a LDBEN 9.394/96 a LBI .13.146/2015.
“A Seduc tem desenvolvido um planejamento com o objetivo de incluir cada vez mais os estudantes público-alvo da educação especial. Assim, conta com profissionais de apoio pedagógico, chamado de Auxiliar de Sala/Profissional de apoio escolar (LBI 13.146/2015), podendo ser solicitado por todas as escolas da Rede Estadual de Ensino. Em outra frente, o Governo de Alagoas, recentemente, em julho de 2022, realizou concurso público para professores efetivos para educação especial, o que trouxe 367 profissionais professores da educação especial para atuarem nas 315 escolas estaduais, ampliando as possibilidades de trabalho nesta modalidade de educação”.
Além disso, a Seduc afirmou que são disponibilizados materiais que orientam os profissionais no tratamento dessas crianças e adolescentes.
A reportagem tentou contato com o Sindicato das Escolas Particulares de Alagoas, mas até o fechamento do material não obteve retorno.
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