Cidades

R$ 60 milhões destinado às vítimas da Braskem estão parados há 1 ano

Valor faz parte do montante destinado em acordo para beneficiar população atingida pela mineração

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 13/07/2022 06h19 - Atualizado em 13/07/2022 15h39
R$ 60 milhões destinado às vítimas da Braskem estão parados há 1 ano
‘Maceió Afunda em Lágrimas’, como está escrito em uma rua inteira no bairro do Pinheiro, o primeiro afetado - Foto: Edilson Omena

Um montante de R$ 60 milhões que deveria ser destinado para projetos em benefício das vítimas da mineração está parado sem perspectiva de uso. O valor foi determinado após acordo socioambiental firmado pelo Ministério Público Federal (MPF) e faz parte de um total de R$ 150 milhões que pode chegar a R$ 300 milhões que serão depositados judicialmente pela Braskem em cinco anos para mitigar os impactos da desocupação de cinco bairros de Maceió.

A Tribuna Independente ouviu membro do Comitê Gestor de Danos Extrapatrimoniais, dispositivo criado a partir do acordo, pela Força-tarefa do Caso Pinheiro e adjacências, para mapear as vulnerabilidades e planejar ações e projetos para emprego do recurso. O comitê foi criado há pouco mais de um ano. Segundo o presidente do comitê, Diego Freitas Rodrigues, doutor em Ciência Política e especialista em Bioética no início deste ano, um relatório foi entregue ao MPF, mas desde então os projetos seguem parados e o recurso sem destinação.

“Fizemos um processo de escuta para saber quais as principais demandas da comunidade atingida e quais propostas resultariam vindas dessas pessoas. Nós encaminhamos ao MPF uma seleção de ações e projetos que vão desde iniciativas de empreendedorismo até projetos envolvendo saúde mental, proteção de animais, cultura popular, manifestações culturais. Foi um leque muito grande e encaminhamos no início do ano para o MPF, porque a função do comitê é fazer essa seleção, indicar quais ações e projetos considera pertinentes e fazer o encaminhamento ao MPF. Infelizmente nesse momento o comitê já fez esse primeiro relatório, o que ocorre é que esse recurso – até agora há em torno de R$ 60 milhões depositados judicialmente, está parado. Fizemos um primeiro encaminhamento, mas não vimos sinalização de como esse recurso chegará a essas pessoas, e isso gera uma frustração muito grande, porque as pessoas tem perguntado e aí? E os resultados?”, pontua o presidente do comitê.

O acordo prevê que anualmente, durante cinco anos, a Braskem faça depósitos em conta judicial de R$ 30 milhões. Atualmente, já foram depositadas duas parcelas, mas segundo os membros do comitê tem esbarrado na negativa do Poder Judiciário. Segundo Diego, há uma discussão envolvendo a execução desse recurso: se o dinheiro deve ser alocado num Fundo sob responsabilidade do município de Maceió ou, como o Comitê Gestor recomendou, por meio da licitação de uma Fundação que seria responsável pela execução desses recursos e a auditoria das ações e projetos aprovados pelo Comitê Gestor de Danos Extrapatrimoniais.

“Queremos que essas ações e projetos saiam do papel e que se tornem uma forma de amparo mínimo para essas pessoas que foram atingidas pela mineração da Braskem. É algo que ultrapassa a competência do MPF. É o poder judiciário que autoriza a destinação desses recursos do Acordo para contratar a Fundação, por exemplo. A liberação desse recurso, mesmo solicitado pelo MPF, depende da autorização da Justiça. E a sinalização que o Comitê Gestor recebeu, em reunião envolvendo o poder judiciário, o MPF, o GGI e o Comitê Gestor, é que esse recurso deve ser destinado e executado por meio de um Fundo Municipal que deverá ser criado por meio de projeto de lei”.

Morosidade pode ser entendida como negligência ou conivência

Para os membros do comitê que representam a comunidade afetada, existe a preocupação de que a morosidade seja entendida pelos moradores como negligência ou conivência. É o caso do integrante do comitê gestor, o pastor da Igreja Batista do Pinheiro, Wellington Santos.

“Estamos angustiados porque a sociedade teve uma expectativa muito grande, que o comitê era o último ponto de esperança e de repente o comitê silencia e não consegue aplicar um real do recurso que está debitado para ser investido. Não depende da gente, lamentavelmente, estamos de pés e mão amarrados. Teremos reunião esses dias para definir a continuidade ou não nossa fazendo parte do comitê. Porque o fato é de que estamos preocupados de que se construa uma ideia que a Braskem, como silenciou e comprou muita gente, que exista de que o comitê foi cooptado pela Braskem. É um momento delicado e muito angustiante e estamos tentando resistir, para tentar vencer a barreira da burocracia ou o que quer que seja, porque não estou aqui para julgamentos e juízo de valor ácido, mas essa é a leitura rápida que faço”, afirma o líder religioso.

A integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) e integrante do comitê, Neirevane Nunes destaca que o trabalho tem esbarrado na burocracia.

“Tudo o que estava ao nosso alcance de fazer foi feito e agora infelizmente nos encontramos paralisados devido a questões burocráticas que nos impedem de avançar para o lançamento dos Editais, que já deveriam ter sido publicados. É importante que a sociedade entenda que estamos fazendo a nossa parte quanto Comitê e que não fomos corrompidos pela influência da Braskem. Essa morosidade na utilização dos recursos é algo que nos causa angústia e preocupação em um momento em que as vítimas da Braskem mais necessitam de serem atendidas através desses recursos”, diz Neirevane.

MPF diz que projetos estão em fase de avaliação para uso dos recursos

Procurado pela reportagem, o MPF esclareceu que os projetos que foram apresentados pelo Comitê Gestor estão sendo avaliados bem como as alternativas para uso dos recursos.

“O Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais é responsável por eleger projetos para a alocação dos recursos destinados ao pagamento dos danos sociais e morais coletivos causados à comunidade, direta e/ou indiretamente, em decorrência da extração de sal-gema pela Braskem, em Maceió. A primeira ação dos membros foi a entrega do protocolo de atuação, em que são detalhadas as diretrizes do grupo, como periodicidade das reuniões, tempo de mandato, forma e periodicidade da auditoria das atividades e dos recursos. Atualmente estão sendo estudadas alternativas para a execução dos recursos e, tão logo isso seja viabilizado, os projetos eleitos pelo comitê serão executados. Vale ressaltar que a formação do comitê foi prevista no termo de acordo socioambiental firmado na ação civil pública nº 0806577-74.2019.4.05.8000”, pontua.

Ainda de acordo com o órgão ministerial os valores empregados pela Braskem para execução das ações podem chegar até R$ 300 milhões.

“O acordo prevê o pagamento, por parte da Braskem, de indenização por danos sociais e danos morais coletivos decorrentes do fenômeno de subsidência no valor mínimo de R$ 150 milhões, podendo chegar a R$ 300 milhões. Entre as atribuições do Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais estão: analisar e eleger projetos ou ações a serem custeados com os recursos decorrentes da indenização por danos sociais e danos morais coletivos em razão fenômeno de subsidência, garantidos por meio do termo de acordo, além de observar a necessária vinculação dos gastos com a reparação de danos sociais e morais coletivos decorrentes do fenômeno da subsidência”, afirma o órgão.