Cidades

Alagoas registra 424 casos de violação de direitos dos idosos este ano

Dados são do Disque 100 e apontam ainda que entre 2020 e 2021 números de violência e maus tratos passaram de 3 mil no Estado

Por Evellyn Pimentel e Lucas França com Tribuna Independente 19/03/2022 08h46 - Atualizado em 21/09/2022 14h15
Alagoas registra 424 casos de violação de direitos dos idosos este ano
Número de violações quadruplicou no Brasil durante a pandemia - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Dados do Disque 100, órgão do Ministério da Mulher, Cidadania e dos Direitos Humanos, apontam que, do início do ano até agora, foram registrados 424 casos de violação de direitos dos idosos em Alagoas. Em todo o país, foram 71.394 denúncias de violações. Segundo o órgão, desde o início da pandemia os casos quadruplicaram no Brasil.

Quando considerado o período entre julho de 2020 e dezembro de 2021 o número passa de 3 mil e escancara uma crescente estatística de violência e maus tratos contra os idosos. No Brasil o número chega a 444.573.

Conforme explica o Ministério, as violações de direitos humanos incluem fatos que atentem contra as condições básicas, como maus tratos, exploração sexual, entre outros. Cada caso de denúncia pode conter uma ou mais violações.

De acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas (OAB/AL), a pandemia potencializou os casos de violência contra idosos. Fatores como a intensificação da presença dos familiares em casa, aumento de vulnerabilidade contribuíram para o cenário.

Ainda de acordo com a OAB/AL, se por um lado, a quarentena evitou que os idosos, maior grupo de risco, fossem contaminados pela Covid-19, por outro aumentou a exposição deles aos familiares, que costumam ser os principais agressores.

Segundo a Secretaria de Estado de Assistência Desenvolvimento Social (Seades), houve uma explosão de casos relacionados ao isolamento social. Embora ainda haja subnotificação. O órgão afirma que algumas políticas vêm sendo instituídas no sentido de proteger esta minoria.

“A Seades mantém continuamente os serviços de orientação e acompanhamento técnico dos equipamentos de assistência social. Além disso, em dezembro de 2021, o estado de Alagoas, por meio da Seades, aderiu ao Pacto Nacional de Implementação dos Direitos da Pessoa Idosa, documento que prevê ações de prevenção à violência, implantação de Conselhos Municipais de Direitos da Pessoa Idosa - órgão que, entre outras atribuições, tem o papel de fiscalizar as políticas de promoção dos direitos da pessoa idosa -; revitalização dos Conselhos já existentes e criação de fundos municipais. Ademais, foi criado, na Seades, o Núcleo do Idoso, instância que companha e dá suporte técnico ao Conselho Estadual do Idoso, órgão vinculado à Seades. A partir das denúncias, quando os casos de perda de direitos são encaminhados aos equipamentos adequados, as equipes municipais procedem às atribuições previstas na Política de Assistência Social no que se refere à proteção da pessoa idosa”, detalha.

Casos de violência e abandono chamam a atenção dos órgãos de proteção


No dia 8 de fevereiro deste ano, o Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL), por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Porto Calvo, acionou a Justiça para requerer medidas de proteção para um idoso de 76 anos, morador do povoado Poços Dantas, em Porto Calvo, no Litoral Norte de Alagoas, que estaria sendo vítima de maus-tratos e de exploração financeira por um suposto cuidador. A denúncia foi feita anonimamente pelo Disque 100 e encaminhada pelo Ministério Público do Trabalho.

Segundo o promotor de Justiça Rodrigo Soares, os relatos anônimos informavam que um homem teria se apropriado indevidamente do valor do benefício previdenciário do idoso que estaria vivendo em condições subumanas.

Inquérito vai apurar responsabilidade por morte de idosa resgatada pelo MP (Foto: MPAL)



Diante do quadro de debilitação no qual o idoso foi encontrado na época, uma equipe médica foi acionada para atendimento emergencial e, após o diagnóstico, decidiu transferi-lo para o Hospital Regional do Norte, onde ficou internado.

Já no dia 9 de março deste ano, uma equipe da Delegacia de Paripueira elucidou um caso de um idoso encontrado morto, no dia anterior (8), no interior de sua residência, com mãos e pés amarrados. De acordo com a delegada titular do município, Maria Tereza Ramos, um menor de 15 anos foi apreendido e um jovem de 19 anos foi preso pela morte do idoso na cidade.

A delegada relatou que os dois envolvidos pularam o muro da casa do idoso e subtraíram notebook, celular e um equipamento DVR (que grava as imagens das câmeras de vigilância do imóvel). A vítima, identificada como Edival Alves de Amorim, tinha 69 anos e foi morto por asfixia e a pauladas no dia 4 do mesmo mês.

“O menor segurou o pescoço da vítima e o outro pegou um travesseiro e asfixiou o senhor Edivaldo”, detalhou a delegada. Ainda de acordo com os relatos policiais, os dois envolvidos ao invadirem o imóvel taparam as câmeras de vigilância. A PC acha que isso foi porque o idoso conhecia, pelo menos um deles.

Movimentos acreditam que há muitas subnotificações no Estado


Segundo Crismédio Vieira, do Movimento Nacional Vidas Idosas Importam, o número de denúncias de violência e de maus tratos contra os idosos em Alagoas cresceu durante a pandemia. “Também aumento o tipo de maus tratos contra as pessoas idosas, que foram as que mais sofreram na pandemia. A violência não só física, mas psicológica, a falta de respeito e o preconceito. Elas já têm uma fragilidade com o peso da idade e o desamparo do poder público, da sociedade e da própria família muitas vezes acaba levando essa violência para outro patamar. Além disso, as autoridades também não estão preparadas para atender a pessoa idosa, há um despreparo’’, fala Vieira.

Ainda de acordo com ele, em 2030, o Brasil terá a sexta população mais idosa do mundo, no entanto, o maior problema é a ausência de sensibilidade administrativa para conduzir os serviços sociais.

Segundo Vieira, número de violações cresceu durante a pandemia (Foto: Arquivo pessoal)



“O envelhecimento significa o triunfo, é algo positivo, mas há uma preocupação porque não existe, por parte da família e do poder público, políticas públicas e até educativas para valorização da pessoa idosa que deve ser acolhida com dignidade. É preciso ouvir a causa da pessoa idosa, até porque a economia terá um grande impacto pelos longevos e até a questão eleitoral. São elas que precisam de uma política de trabalho e moradia digna. Existem múltiplas formas de envelhecer, a velhice é diversa, são várias comunidades envelhecendo e não há amparo. Nem uma delegacia especializada na causa temos, só uma de referência que não garante os cuidados nesse processo judicial, precisamos de patrulha, mecanismos que iniba a violência, em especial a financeira. Exemplo, retenção de cartão é crime, o desvio ou apropriação indevida do patrimônio é crime e isso acontece e sabemos que são pessoas que criaram laços com esses idosos, não querem ficar desprotegidos e prejudicar o agressor’’.

SOBRE O MOVIMENTO

O Movimento Vidas Idosas Importam foi criado durante a pandemia no dia 10 de dezembro 2020, Dia Internacional dos Direitos Humanos com o objetivo de valorizar a pessoa idosa na defesa de seus direitos e na promoção de sua participação na sociedade.

OBSERVATÓRIO

O professor e gerontólogo Francisco Silvestre, do Observatório do Idoso em Alagoas, afirma que não há garantias de proteção nem na capital e nem no estado. “SSP não tem cadastro de todos os tipos de violência contra a pessoa idosa – atualmente não há uma rede que faça isso, não estão articulados em coletividade os órgãos de garantias. Temos equipes soltas em vários órgãos – e não há um local que agregue as denúncias em um único lugar. Nem plano orçamentário para o idoso existe. Pagamos impostos para garantias e proteção e não temos isso. E com certeza há subnotificações”.

Mais de 80% dos agressores são da família


O titular da Comissão Especial da Pessoa Idosa da OAB/AL, Gilberto Irineu, afirma que familiares foram responsáveis por 83% dos casos. “Os Idosos não costumam denunciar, pois há um medo de que membros da família possam ser presos, o que não é necessariamente verdade. É preciso ampliar a informação sobre os meios e canais de denúncia. Na OAB, temos uma equipe no centro de Maceió, recebendo denúncias, analisando, processando e encaminhando para os órgãos. A depender do caso, do tipo de denúncia, do fato em si, é encaminhado para as delegacias, Defensoria, promotoria civil ou criminal. Ou ainda para abrigos, Instituições de Permanência, e pede apoio ao núcleo do Idoso da Polícia Militar, ao Conselho Estadual da Pessoa Idosa”.

As ocorrências mais comuns que chegam a OAB são crimes contra o patrimônio, crimes financeiros envolvendo a apropriação indevida de bens, pensões, entre outros. “Esse tipo de crime consiste na exploração imprópria ou ilegal, o uso não consentido pela pessoa idosa de seus recursos financeiros e patrimônios. É muito comum os familiares reterem o cartão de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso. Outro crime comum é o de violência psicológica, que corresponde a agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, humilhar, restringir a liberdade ou isolar do convívio social”, aponta Irineu.

MP/AL quer saber responsabilidade sobre abandono


O MP/AL instaurou inquérito civil para apurar a responsabilidade dos familiares da idosa Maria Izabel de Jesus dos Santos, de 101 anos, que estava internada no Hospital Geral do Estado (HGE) e no dia 19 de agosto de 2021 morreu em decorrência de um quadro de derrame pleural.

O inquérito civil para apurar o porquê de aquela senhora estar vivendo sozinha, sem qualquer assistência familiar, está sendo conduzida pela promotora de Justiça Dalva Tenório, titular da 59ª Promotoria de Justiça da capital, que tem atribuição para atuar na área de crimes contra idosos.

No dia agosto, após mobilização do Núcleo de Defesa do Idoso do MP/AL e da rede de proteção à pessoa idosa, Maria Izabel foi resgatada de sua residência, na Jatiúca, em estado de abandono e já apresentava delicado quadro de saúde.

Após ser acionada, a promotora de Justiça Marluce Falcão mobilizou a rede de saúde e de proteção à pessoa idosa para fazer o resgate da Izabel. O Samu foi acionado para levar a senhora para o HGE que, tão logo recebeu a paciente, já adotou todos os cuidados necessários. Inclusive, o MP/AL já havia viabilizado uma vaga na Casa de Ranquines, entidade sem fins lucrativos, para que a idosa ficasse abrigada na instituição, de modo que pudesse receber a assistência devida.