Cidades

Os bons e velhos ‘bolachões’ estão de volta

Lojas de discos resistem às novas tecnologias; comerciantes garantem que, com volta recente do vinil, público também foi ampliado

Por Lucas França com Tribuna Independente 25/08/2018 10h22
Os bons e velhos ‘bolachões’ estão de volta
Reprodução - Foto: Assessoria
Houve quem dissesse que eles estavam ‘mortos’, que não passavam de peças de museu e que, além disso, se alguns fossem tocados ao contrário dariam para ouvir mensagens nada agradáveis escondidas. Mas, ao que parece, tudo não passou de balela. Os vinis, inclusive, vão muito bem, obrigado. Aliás, por ironia do destino, a internet, que levou a todos ao mundo digital do MP3, também tem mostrado que os Long Plays (LPs) voltaram com tudo. Carinhosamente apelidados de ‘bolachões’, esses discos feitos de acetato de celulose formaram os primeiros modelos de venda de música em massa da história, lá nos idos da década de 1940. Durante as décadas seguintes — a menos que a pessoa pagasse uma banda para tocar em sua casa —, ter uma vitrola e alguns LPs na sala era a única maneira de ouvir música. Daí vieram as fitas K7, o walkman, os CDs e pronto, os discos foram sendo deixados de lado pelo mercado e pelo público. Um pouco de lado, mas nunca esquecidos. Por ainda manter uma gigantesca base de admiradores, os vinis nunca deixaram de ser colecionados e vendidos — algo que ficou ainda mais fácil de fazer com a chegada da web. Mas por que tanta gente continua investindo em LPs? Com tantas qualidades — e um baita valor agregado —, o mercado de vinis, ao contrário do que acontece com o restante das vendas de música, veio crescendo ano após ano no mundo todo. Especialmente em 2014, o segmento teve um aumento significativo, trazendo um número de vendas que não era visto desde 1991. Heróis da resistência atestam volta E são os donos de loja de vinil que garantem que eles estão de volta. Em Maceió, Cicero Antônio, mais conhecido como Kinkas do Vinil, tem uma loja que trabalha especificamente com o vinil e CDs desde 1996. Mas ele conta que desde cinco anos de idade já trabalhava com o pai nesse ramo. “Foi justamente em 1996 que houve a queda dos discos de vinil, mas eu fui um dos que mantiveram a loja (era no Centro). Agora estou aqui no Farol. Estou há 46 anos trabalhando com os LPS, porém, desde cinco anos já acompanhava meu pai na loja. Ele foi um dos pioneiros no Estado a montar uma loja especializada em vinil”, diz Kinkas. O comerciante garante que os vinis voltaram com força. Para ele, nunca saíram do mercado. Apenas, tinha um público específico.  “A venda dos “bolachões” aumentou na última década. Por todo o mundo, existem pessoas dos tempos de ouro da indústria fonográfica, amantes de vinis e LPs, que resistem às novidades tecnológicas e ainda procuram esses produtos”, ressalta. Kinkas disse que a volta do vinil aumentou o público e que atualmente pessoas de todas as idades consomem o produto. “Com a volta, muita gente tem procurado. Para mim, que sou um dos que resistiram com o comércio, isso é muito importante. Tenho clientes de todas as idades. Uns já vêm aqui procurando algo especifico e outros apenas vêm para achar por aqui uma banda que gosta ou cantor”, conta. Além de vender vinil e CDs, o comerciante também vende as famosas vitrolas e toca-discos. “Faço trocas, vendo, compro. Tenho discos novos de fabricação e usados, tudo em bom estado. Em breve estarei trabalhando com os discos de fabricação atual”, revela Kinkas. RARIDADES Os LPs ou discos mais raros não saem por menos de R$ 150. Mas o preço varia a depender da qualidade e raridade do produto segundo o comerciante. “Por aqui, temos disco a partir de R$ 0,50 até R$ 150. Depende muito do vinil e de sua raridade. Têm alguns que ultrapassam os R$ 300. Tenho na loja discos da década de 40, 50 e 60. Desde brega ao rock. São para todos os gostos”, afirma Kinkas. Já os toca-discos custam entre R$ 250 a R$ 500. “Os toca-discos são usados, mas tudo em perfeito estado e com o som completo”, explica o comerciante. Feiras e bazares ajudam a difundir vinis Antônio Mota, 62 anos, o Baiano, como é conhecido, tem um sebo que trabalha com livros e discos de vinil no centro de Maceió. Ele disse que as vendas atualmente estão devagar, mas a procura é constante. “No momento ainda está um pouco devagar. Mas sempre há interessados que vêm em busca de um disco desses. E agora estão voltando com força total. Além disso, as feiras e bazares que acontecem no país ajudam a difundir a sua volta”, comenta Baiano. O comerciante veio da Bahia há 10 anos e há três mantém o negócio. De acordo com ele, sempre viaja para outros estados participando de feiras e eventos e sempre que pode traz discos de vinis para ampliar o estoque. “Estou sempre viajando para Bahia, meu Estado de origem e para muitos estados do país e sempre trago produto. Aqui trabalho com compra e venda. Sempre tem alguém que quer se desfazer, vender ou trocar vinil”, ressalta Baiano. No espaço, o comerciante disse que tem de tudo: vinil de rock, reggae, brega, MPB, forró, entre outros. “Meus clientes são desde mais novos aos mais velhos e aqui não falta opção. Os vinis de rock e reggae são bem procurados”, conta. No sebo é possível encontrar desde clássicos do Pink Floyd, Chico Buarque de Hollanda, Luiz Gonzaga até raridades, como os primeiros álbuns de Roberto Carlos. ”Som bruto e retrô chama a atenção”, diz geógrafo A ideia do “retrô”, do nostálgico, a felicidade ao tocar e ver uma capa de álbum, mudar o disco de um lado para o outro, dedicar o tempo para ouvir música e escutar com mais atenção são coisas que o vinil proporciona. Esta é a avaliação do geógrafo Walber Gama, ao acrescentar: “Esses sentimentos e possibilidades as novas mídias digitais não oferecem”, completa. [caption id="attachment_128431" align="aligncenter" width="1024"] Geógrafo Walber Gama é um colecionador fissurado nas imensas possibilidades que, segundo ele, os LPs possuem, superando novas tecnologias (Foto: Edilson Omena)[/caption] Walber explica que, recentemente, se apaixonou pelos discos de vinis e disse que não se ver sem tirar um som deles. “Comecei a minha ‘coleção’ em 2015. É recente. Tenho poucos ainda, em média 150. Essa paixão começou quando fui a um festival de reggae na Espanha e conheci uma tenda que comercializava vinis. Por lá também conheci lojas que vendiam relíquias. Acabei comprando três singles e hoje sou fã dos discos de vinil”, conta. Depois desse encontro com os vinis, Walber disse que já gastou quase dois mil reais. “Quando fui a Portugal notei que minha fascinação por vinis aumentou. Lá, é comum locais que tocam e comercializam vinis. Os DJs fazem um som bacana através desses vinis de fabricação clássica, além de misturar o digital com o tradicional. Acabei conhecendo um francês que vende discos originais de vinis e ele me indicou vários álbuns, relíquias mesmo de reggae, que é um som que curto muito”, conta. Walber disse que tem discos de vários e estilos e épocas e que muitos adquiriu através de sites internacionais. “Geralmente procuro em sites estrangeiros. Tem um acervo bacana. Viciei e invisto nos vinis. Não penso em CDs. Minha paixão é recente, mas cresceu. O som que sai é especial. Com a compra dos vinis investi também na technics {toca discos}, que atualmente deve estar em torno de mil a R$ 2 mil, dependendo do potencial e da marca. Essa minha é uma das que são utilizadas por DJs. O som depende do aparelho e do sistema”, explica. Walber comenta que a partir daí resgatou alguns discos da época dos pais e dos irmãos mais velhos. “O som bruto é bem melhor que os digitais porque não têm equalização ou melhoramento. Prefiro os vinis com o som saindo do toca- discos porque a gente consegue mexer na mídia. É manual, é analógico e a gente tem um contato maior. Da um lance retrô e relembra os tempos dos nossos avós e pais”, ressalta. O amante do vinil disse que tem discos da década de 1970 que estavam guardados e pertenceram a seus pais. “A maior relíquia que tenho na minha ‘coleção’ é o single do Tim Maia, o Racional, volume 1. Esse é uma relíquia, um compacto original”, conta  Walber, acrescentando que tem vários discos de bandas nacionais e internacionais. TRABALHO A paixão do geógrafo por vinil é tão nítida que ele também trabalha com música. “Faço parte de um duo de Selecta: King Tunes e Gama Sounds chamado Waia’ Mu Hi-Fi com set voltado para as vertentes: Reggae, Dub e Steppa. Eu entro com o vinil e o André (King Tunes) entra com o digital”, revela. Outra que confessa o gosto pelo o vinil e a vitrola é a jornalista Adelaide Nogueira. “Tenho vitrola toda vida, mas em 2015 ganhei uma mais moderna, tenho uns 50 vinis. Tinha mais, porém perdi muitos na mudança de casa”, disse a jornalista. Adelaide conta que sempre gostou de vinil e é uma herança que adquiriu do pai e dos tios. “Sempre gostei, aprendi com meu pai e meus tios a ouvir música no vinil. Quando viajo procuro lugares que vendam vinis”, comenta. A jornalista disse que, além dos vinis, tem alguns CDs. “Não tenho fitas cassetes, tenho alguns CDs, mas gosto mesmo é dos vinis e do som da vitrola”, ressalta.