Cidades

Entidades se mobilizam contra MP do Saneamento

Para presidente da Casal, Clécio Falcão, mudanças previstas no projeto prejudicam municípios mais pobres e podem alterar tarifas e oferta de serviços

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 01/08/2018 07h54
Entidades se mobilizam contra MP do Saneamento
Reprodução - Foto: Assessoria
Esta terça-feira (31), em todo o país o dia foi dedicado a mobilizações contra a MP do Saneamento. Na prática, a mudança prejudica o sistema público de saneamento possibilitando que empresas privadas atuem, o que afetaria diretamente a tarifa e a oferta dos serviços. No estado, representantes da Casal, Sindicato dos Urbanitários e representantes da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar) e Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) estiveram reunidos para discutir o assunto. Segundo o presidente Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), Clécio Falcão, a MP do Saneamento desestrutura ainda mais um setor que amarga baixos índices de evolução, mesmo após dez anos do Marco do Saneamento Brasileiro. “É um absurdo. E uma forma de sucatear um setor que já é muito complicado, que já é muito trabalhoso, que é o setor de saneamento”, critica Falcão. Segundo o Instituto Trata Brasil, mais de 100 Milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto. Apenas 51,92% da população têm acesso ao serviço. O tratamento de esgoto não chega a metade do volume produzido. 44,92% dos esgotos do país são tratados. Maceió ocupa a 74ª colocação no ranking das 100 maiores cidades do país. “De todos os absurdos, essa MP altera o Marco do Saneamento, lei que regula a atividade das empresas de saneamento no país. As prefeituras é quem têm a concessão dos serviços de saneamento, prefeitura é quem define se vai fazer a gestão própria, ou então repassar para a empresa estadual. Com a MP as prefeituras serão obrigadas a findo o contrato fazer uma chamada pública para que empresas privadas manifestem interesse em operar o sistema, se uma única empresa privada manifestar interesse, há a obrigação de fazer licitação para contratar”, explica Falcão. Em Alagoas, de acordo com o presidente da Casal, Clécio Falcão, a medida põe em xeque o subsídio cruzado, que é a forma como a Companhia cobre os prejuízos em municípios considerado pouco rentáveis em relação às cidades onde os lucros existem. “Com isso, vai acontecer de forma lógica que nos municípios maiores onde há mais rentabilidade, as empresas vão se interessar.  E tem grandes chances de ganhar porque podem baixar um pouquinho o preço, e a partir daí, vai ocorrer a quebra do subsídio cruzado. As empresas estaduais praticam uma tarifa única em todo o estado. Quando se tira um município grande e rentável, a tendência é que a tarifa se eleve nos demais municípios. Porque os municípios onde há rentabilidade cobre o prejuízo causado em municípios menores. Caso esses municípios sejam retirados, ou se eleva a tarifa para que a população pague até três vezes mais, ou vai haver prejuízo e o estado terá que subsidiar a diferença”, pontua o presidente da Casal. CRÍTICAS A vice-presidente do Sindicato dos Urbanitários de Alagoas, Dafne Ceres, aponta que além de prejudicar o serviço a MP do Saneamento é inconstitucional por ferir princípios de atuação de estados e municípios. “Estamos diante de uma ameaça sem precedentes para mais um setor estratégico do país. A inconstitucionalidade da MP é perceptível. Ao propor a alteração dos contratos de programa, os municípios perdem a capacidade de gerir os recursos do saneamento atendendo as particularidades de cada região. Com a ausência do subsídio cruzado para o setor, municípios menores enfrentarão grandes dificuldades no acesso ao serviço de saneamento e distribuição de água. Nesse sentido, precisamos frisar o prejuízo para nosso estado que abarcar regiões do Alto Sertão e Agreste”, ressalta. Ainda conforme a sindicalista, é preciso que o assunto seja debatido pela sociedade de forma ampla para que o serviço aos menos favorecidos não seja ainda mais prejudicado. “A Medida provisória, consiste de mais uma iniciativa unilateral da casa da presidência, pois não contou com o debate ampliado das diversas entidades que representam o setor, com o debate a nível do legislativo e sobretudo com o debate com a população. Diferentemente, do que aconteceu durante a criação da Lei 11.445/2007, um marco regulatório para o setor. De forma bem sucinta a MP altera artigos da lei 11.445/2007, de forma a desfigurar o objetivo da lei, que era a universalização do saneamento e o direito à água para todos. A MP 844/2018 muda as bases da lei, que além de inviabilizar o acesso a água e saneamento para população mais carente, encarece a prestação do serviço que se dará a nível privado, numa lógica da lucratividade tão somente”, expõe. Para Clécio Falcão a Medida Provisória, que está suspensa após um recurso judicial, foi assinada num período considerado de fragilidade. “É uma medida provisória publicada no dia 6 de julho de uma forma absolutamente fora da realidade. Porque se tenta regular uma matéria, questão de saneamento, fazer modificações profundas nas leis que regem essa matéria por meio de medida provisória, já é um erro grosseiro. O setor de saneamento espera que esse projeto passe pelo Congresso, seja bem discutido, que haja participação das entidades, de todo os estados, das companhias envolvidas para se chegar a uma melhor alternativa. Mas fizeram em Medida Provisória. E de uma forma sorrateira, porque no dia 6 de julho, estávamos em plena Copa do Mundo, início de processo eleitoral, foi muito estranho o encaminhamento disto”, afirma. Mudanças atingem agências de regulação dos estados e municípios   O presidente da Casal destaca ainda que outras alterações prejudicam o trabalho de demais serviços públicos, a exemplo das agências reguladoras, uma vez que a Agência Nacional de Águas (ANA) a partir da MP centralizará as definições como regras, tarifas e modelo de assistência. “Basicamente ela altera a lei de criação da Agência Nacional de Águas, para dar à ANA competências que não tem até hoje. Aumenta muito as competências da ANA. Ela passaria a ser o ente regulador de todas as questões de saneamento do país, inclusive tarifas. Esvaziando de sobremaneira as agências tanto estaduais quanto municipais de regulação. A nossa Arsal [Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas] ficaria totalmente a reboque da ANA. Tirando um papel que é do município, do estado. Que já está sendo questionado juridicamente. Além de alterar a lei de criação da ANA, ela altera as atribuições do especialista em recursos hídricos. Dentro da ANA existem vários especialistas em recursos hídricos e essa medida amplia as atribuições desses especialistas para a área de saneamento, mas isso só pode ser feito com formação, esse pessoal teria que receber treinamento, cursos, ampliar a base técnica e não em MP”, diz. [caption id="attachment_121561" align="alignleft" width="258"] Falcão: MP promete universalização do serviço, mas terá efeito contrário (Foto: Sandro Lima)[/caption] As entidades nacionais que atuam no setor se manifestaram de forma pública e contrária às mudanças, porque afirma que os municípios mais pobres serão os mais prejudicados além do risco de aumento de tarifas de água e esgoto em todo Brasil. “Na verdade, a MP vem como um discurso de acelerar a universalização dos serviços, porque de fato o Brasil está muito atrasado no saneamento básico, principalmente no esgotamento sanitário. Aí vem com essa justificativa para facilitar o interesse da empresa privada e universalizar o acesso. Só que vai ocorrer o efeito contrário. A iniciativa privada só vai entrar onde é rentável. Quem vai querer levar saneamento para municípios deficitários? Como vamos avançar? Se hoje temos uma tarifa que faz compensação com o subsídio cruzado já andarmos lentamente, imagine você tirando o subsídio cruzado, a iniciativa privada recebendo onde dá lucro e ficando par ao estado a incumbência de onde dá prejuízo. É isso que estamos discutindo, mobilizando a bancada federal, para que haja discussão no Congresso para que vejam essa incoerência, para que não seja aprovada, para que num próximo governo, início de governo, e não no fim, possa haver discussão de forma democrática e que se encontrem soluções que realmente atendam a população, principalmente a parcela mais vulnerável”, diz Falcão.