Cidades

Brasil perde dois grandes jornalistas alagoanos em 20 dias

Ícones do jornalismo são lembrados pela competência, humildade e humanidade

Por Ana Paula Omena com Tribuna Hoje 11/07/2018 08h47
Brasil perde dois grandes jornalistas alagoanos em 20 dias
Reprodução - Foto: Assessoria
Num espaço de 20 dias, o Brasil perdeu dois grandes profissionais considerados ícones do jornalismo no país. José Marques de Melo e Audálio Dantas são alagoanos e faleceram este ano. Cada um em sua área de atuação aparecem entre os maiores comunicadores da história do Brasil. Enio Lins, secretário de Comunicação do Estado de Alagoas, lembrou que Audálio Dantas começou nos anos 50 como auxiliar de laboratório da fotografia, e logo ficou conhecido como um grande repórter pelo homem da prática. Alagoano de Tanque D’Arca, Audálio Dantas fez carreira em São Paulo, em 1946, e foi o primeiro presidente eleito por voto direto da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 1983. Em junho de 2005 foi eleito vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Em 1978 foi eleito deputado federal, participando da elaboração da atual Constituição Federal. Nunca, porém, perdeu o vínculo com Alagoas, para onde vinha sempre que podia, a lazer ou cumprindo tarefa profissional. Já José Marques de Melo iniciou nos anos 60, como jornalista prático e do batente nos jornais de Alagoas e Gazeta, se tornando o maior acadêmico da comunicação da história do país, sem deixar de lado todas as virtudes de um grande repórter. Sendo o primeiro doutor em jornalismo brasileiro, passando inclusive a ser uma referência internacional de alto nível; ele é o responsável pela criação de escolas de jornalismo em todo o país. O secretário Enio Lins destacou também a trajetória do escritor e poeta Audálio Dantas. O alagoano de Tanque d'Árca faleceu em São Paulo (SP), no dia 30 de maio aos 88 anos de idade. Foi um repórter privilegiadíssimo em grandes revistas como, por exemplo, A Realidade, tornou-se presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, a maior entidade de classe da América Latina, e estava na presidência sindical quando houve o assassinato do jornalista e colega Vladimir Herzog em 1975. “Audálio esteve naquele momento na linha de frente junto com Dom Paulo Evaristo Arns e do rabino Henry Sobel no comando da primeira grande manifestação de massa depois de 68 contra o regime militar”, descreveu Enio Lins. As manifestações que Audálio Dantas fez com a Igreja Católica, comunidade judaica e jornalistas no estado de São Paulo, marcaram a virada para o fim do regime militar. “Foi um dos elementos que possibilitou que mais tarde, dez anos depois, o Brasil tivesse a reconquista da liberdade. Audálio ganhou todos os prêmios de jornalismo, inclusive os da cultura e literatura como o Jabuti, e foi o intelectual do ano no início do século 21”, frisou. Para Enio Lins, José Marques de Melo recebeu menos homenagens do que merecia porque precisaria ter uma vida muito mais longa para recebê-las de todo o mundo para com o seu trabalho acadêmico. Em vida, José Marques foi destacado pelo Governo de Alagoas com o Prêmio José Marques de Melo de Jornalismo Científico. Ele faleceu no dia 20 de junho passado após sofrer um infarto fulminante. Natural de Palmeira dos Índios, em 1943, Melo mudou-se para a vizinha e também alagoana Santana do Ipanema, de onde saiu na adolescência para estudar em Maceió e no Recife. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco, durante a década de 1960, antes de se transferir para São Paulo. Flávio Peixoto, diretor da Cooperativa de Jornalistas e Gráficos do Estado de Alagoas (Jorgraf) lembrou-se da saída de Audálio Dantas ainda pequeno de sua cidade natal, indo para o sudeste com a família onde cresceu como profissional em São Paulo. “Foi um lutador da liberdade, sobretudo no período da ditadura levando adiante esta causa inquestionável da versão da morte por suicídio do jornalista Vladimir Herzog. Para nós é uma perda enorme, ele sempre nos ajudou com uma ligação direta em Alagoas, sempre que os jornalistas alagoanos precisavam dele, ele sempre esteve presente e contribuiu, fica o exemplo, todas as homenagens ainda são poucas para o guerreiro que foi Audálio Dantas”. Em relação a José Marques de Melo é uma referência mundial científica, Flávio considerou outra perda lamentável e disse que para ele José Marques foi um modelo durante o seu período de universidade. “José Marques apesar das limites por problemas de saúde nunca recusou participar de eventos sempre que convidado contribuiu. Sua última participação em Alagoas foi no Prêmio de Jornalismo Cientifico que leva o seu nome”, salientou. Flávio avisou que a missa de um mês para José Marques de Melo acontece no dia 20 de julho, às 19h30, na Igreja de São Pedro, na Ponta Verde, em Maceió. “A viúva de José Marques faz questão que a missa seja em Maceió para que todos os amigos dele e aqueles que não o conheceram, mas tiveram contato com suas obras, compareçam”. Governador criará prêmio em homenagem a Audálio Dantas O governador Renan Filho fez uma homenagem pós-morte determinando que fosse criado o Prêmio Audálio Dantas de Jornalismo e Cidadania. O secretário de Comunicação explicou que a formatação deste prêmio está sendo estudada e deverá ser anunciado depois do processo eleitoral. O professor do Curso de Comunicação Social pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Erico Abreu, enfatizou a presença de Audálio Dantas em Alagoas, e que nunca recusou um convite para falar com os estudantes de jornalismo. “Sua coragem, seu papel como presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, no caso do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nas entranhas da ditadura, eram estímulos, exemplos de luta, para os jovens que, como eu, pretendiam abraçar a profissão”, destacou. [caption id="attachment_114303" align="aligncenter" width="1200"] Professora Magnólia à esquerda e Erico Abreu à direita prestam homenagens a José Marques de Melo e Audálio Dantas (Foto: Assessoria)[/caption] Erico Abreu disse ter conhecido José Marques de Melo há pouco tempo. “Passamos uma tarde conversando sobre as dificuldades de conviver com o parkinson, mal que tínhamos em comum, que limita os movimentos do corpo e nos impõe uma cota imponderável de sofrimento”. Ele lembra que Marques não parava de apresentar novos projetos e que pensava sempre em Alagoas, onde pretendia realizar suas pesquisas. “Sonhava. Ignorava as dores e os limites impostos pela doença. Será lembrado pelo pioneirismo, como pesquisador e organizador dos cursos de jornalismo no Brasil e na América Latina”, mencionou. Isaías Barbosa, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de Alagoas (Sindjornal), ressaltou a presença dos dois nas consultas e congressos sempre que a entidade precisava. “Além de espalharem o nome de Alagoas nos quatro cantos do mundo onde estiveram. Considerados monstros da comunicação por unanimidade sempre lutaram pelos desmandos da ditadura, foi um defensor dos direitos humanos”. Alagoas era uma presença constante na vida deles, e para Isaias Barbosa é uma satisfação e orgulho ter tido duas pessoas com atuação no jornalismo, que tiveram a capacidade de levar o estado para o mundo. “Eles faziam questão de dizer que eram de Alagoas”. CIENTISTA DA COMUNICAÇÃO Ricardo Coelho, atual coordenador do COS - Comunicação Social na Ufal, destacou o nome de José Marques de Melo como um grande cientista da comunicação no Brasil, com uma produção conceituada de obras vastas que influenciou uma gama enorme de professores criando uma estrutura de pensamento em torno da comunicação no país. “Podemos dizer que José Marques de Melo é um grande orgulho para a comunicação alagoana pelo que produziu, por todo o seu trabalho acadêmico”, frisou. Por outro lado Audálio Dantas, segundo Ricardo Coelho, não fica atrás. Ele também foi um grande jornalista atuando nos principais jornais de São Paulo, estando à frente de grandes lutas políticas e tinha uma capacidade de escrever gigante, sem falar no profissionalismo em noticiar da melhor maneira possível sempre com clareza, coesão e objetividade. “Audálio não será esquecido também pelo grande líder sindical e político que de forma corajosa enfrentou a ditadura militar na época da morte do jornalista Herzog. A ação de Audálio contribui para que essa morte não ficasse no esquecimento, fosse investigada. Podemos dizer que a luta de Audálio contra a morte de Vladimir Herzog iniciou profundas modificações na ditadura militar, com um tempo fez uma abertura política até se encerrar em 1984”, reafirmou. De acordo com Ricardo Coelho, Alagoas tem muito orgulho de ter dois jornalistas ícones no mundo, como comunicadores e lutadores sociais. Obra de Audálio Dantas rendeu Prêmio de Excelência Acadêmica para estudantes Para Magnólia Rejane, professora do Curso de Comunicação Social pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), José Marques de Melo foi um grande jornalista com rica produção cientifica, porém ela destacou que o mais importante foi o fato dele ter se tornado uma escola, ou seja, ele construiu uma comunidade de conhecimento, bem como estimulava as pessoas que viviam ao seu redor no Brasil e no mundo. “Ele foi capaz de fazer com que a sua obra afetasse outras pessoas, contribuindo para a comunidade científica. José Marques deixou o seu pensamento vivo na memória das pessoas com a função de dar continuidade no processo, ele foi um difusor e motivador de todos nós que trabalhamos na área de comunicação”, observou a professora. “Audálio Dantas tem um papel importante na política enquanto deputado federal e líder sindical em São Paulo. Sua atuação nos últimos anos foi bem próxima da academia, da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), em 2016 o encontrei num congresso que antecedeu o evento em São Paulo. Ele é um exemplo maravilhoso de que a universidade e o mundo profissional não devem está separados. Realizo muitas pesquisas sobre jornalismo ambiental, cientifico e literário em Alagoas e o nosso objeto de estudo dos últimos dois anos é a obra de Audálio Dantas. Este trabalho de iniciação cientifica com meus alunos, inclusive rendeu um prêmio de excelência acadêmica na universidade. Isso é importante mostrar, que Audálio estava vivo, mas que já trabalhávamos com esta memória que ele deixou para as novas gerações”, relembrou Magnólia Rejane.