Cidades

78% dos casos de violência contra o idoso são dentro de casa, diz Pastoral

De janeiro a setembro deste ano foram 1.995 notificações em Alagoas

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 28/10/2017 09h42
78% dos casos de violência contra o idoso são dentro de casa, diz Pastoral
Reprodução - Foto: Assessoria

Remédios que não são oferecidos, cuidados insuficientes, cartão do banco confiscado e agressões de toda espécie. Situações como estas são vivenciadas por muitos idosos que deveriam receber apoio e amor incondicional dos familiares e entes próximos.

Cerca de 78% dos casos de violência contra o idoso acontecem dentro de casa. É o que diz o coordenador estadual da Pastoral da Pessoa Idosa, Crismédio Vieira.

Vieira afirma que quando o idoso recebe tratamento inadequado ou chega a ser vítima de violência, sofre consequências severas. “O principal prejuízo é a pessoa idosa ter a dignidade roubada ou sufocada. Antes de qualquer coisa, a dignidade deve estar em primeiro lugar. Alguém tem que cuidar dessa dignidade. O primeiro ponto de apoio é a família. Se não há esse apoio, o idoso fica desamparado.”

De janeiro a setembro deste ano, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-AL) registrou 1.995 casos de violência contra o idoso nas delegacias especializadas, por meio do programa Cuidando de Você. De julho de 2016 em diante já são 3.199 casos registrados.

De acordo com a coordenadora do programa, Núbia Matta, o abuso financeiro e a negligência se destacam entre as denúncias e partem prioritariamente da família.

“Em quase sua totalidade os agressores são da própria família. Em primeiro lugar os filhos, seguidos de netos e cônjuges. Hoje, independente do que seja crime, fazemos o encaminhamento para a visita domiciliar para montar o relatório e, aí, identificar o que foi crime”, explica Matta.

Para a defensora pública do Núcleo de Proteção contra a Pessoa Idosa, Luciana Faro, é preocupante o fato de os familiares não oferecerem um convívio humanizado ao idoso negando direitos.

“O que choca mais é que quem realmente pratica a violência é a própria família. Isso é o que choca mais. Quem deveria estar cuidando, zelando, tendo mais atenção é quem pratica a violência. Muitas vezes acontece de a família estar desagregada e o filho que, de repente, volta para o convívio e vê a falta de organização. Aí, procura a Defensoria, a Polícia, para poder reorganizar as finanças. Normalmente é o que acontece. A maior agressão é a financeira, quando o idoso não tem poder de decidir se vai ficar com o cartão do banco ou com o que vai gastar o dinheiro. Muitos mantêm o próprio lar”, diz a defensora.

Mas segundo o coordenador da Pastoral, o maior problema está na subnotificação, principalmente em áreas críticas como as periferias e o interior do estado. “Ainda existe coisa muito profunda. Abuso sexual, violência física. Acontece e não se tem nem onde denunciar. Uma coisa é uma delegacia na capital, outra coisa é no interior do Sertão alagoano. Isto precisa ser visto”, pontua.

Para Luciana Faro, nos casos de violência há uma relação distorcida entre o familiar/cuidador e o idoso. “Em todos estes casos, ele é negligenciado, a voz dele não existe. O que existe é a vontade de quem está ali comandando de ir ao banco, usar o dinheiro como quer, de mandar no idoso e determinar para que será o dinheiro. Às vezes, o idoso é capaz, mas nos casos do idoso incapaz a situação é mais grave, é o que sofre mais violência, porque é o que deveria ser melhor cuidado”, explica a defensora pública.

REDE DE PROTEÇÃO

Desde o ano passado, o Governo do Estado adotou o programa Cuidando de Você, uma rede de proteção que inclui Ministério Público Estadual (MPE-AL), Defensoria Pública e Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) nas ações.

“Violência familiar é silenciosa e subnotificada”

A coordenadora da rede de proteção ao idoso explica que na capital existem quatro delegacias de referência. Um novo sistema para dinamizar o banco de dados classificando os tipos de violência tem sido viabilizado e a previsão é que passe a funcionar no próximo ano.

“Quando se trata do idoso, o caso é para ontem, porque, a depender do tipo de violência e da situação de saúde, ele pode vir a óbito.  Esse sistema serve para que possamos trabalhar interligados com informações precisas porque até o momento Alagoas não tem um banco de dados deste tipo”, reforça Núbia Matta.

A rede do Cuidando de Você atua de maneira descentralizada, de acordo com Núbia. “Dentro do programa temos quatro delegacias de referência, o 4º DP no Pinheiro, 5º DP no Salvador Lyra, 6º DP na Cruz das Almas e 8º DP no Benedito Bentes, além do 181 e 100, Ministério Público e Defensoria Pública”.

“No que diz respeito a violência intrafamiliar, que é silenciosa, subnotificada e que acontece pelo próprio parente, esses casos chegam para o programa em quase que totalidade através do Disque Denúncia 181 e Disque Direitos Humanos 100. A gente não sabe precisar quem são, porque são denúncias anônimas. Mas geralmente são vizinhos, outros familiares. Dificilmente o idoso vai reportar algum caso de violência. Muitos acham que é normal, que o parente não tem paciência ou eles temem represálias”, ressalta Núbia Matta.

Se na capital existe o suporte, Crismédio Vieira alerta que a situação no interior do estado se complica. Dos 102 municípios alagoanos, apenas 26 contam com Conselho de Proteção ao Idoso.

“Dos 102 municípios, apenas 26 Conselhos estão criados por lei. Faço um apelo para que nenhum município fique sem conselho, em nome do Conselho Nacional para que os municípios e a sociedade civil se mobilizem e criem seus conselhos. Precisamos de municípios amigos da pessoa idosa para ter um estado que com 200 anos de história também se torne amigo da pessoa idosa”.

Núbia Matta detalha que, nos casos onde o idoso está submetido a condições degradantes, pode haver o encaminhamento a abrigos. “Já tivemos casos graves de idosos subnutridos, que sofriam abusos físicos, estavam muitos machucados e, para preservar a vida da pessoa idosa, tivemos que retirá-lo e institucionalizar esse idoso. O que não é nosso objetivo principal. Fazemos isso quando realmente a gente percebe que é necessário”, destaca.

Para Vieira, o problema vai além da questão familiar, precisa ser visto como uma necessidade social. “É muito preocupante, porque esse olhar para a criação e efetivação de políticas públicas, essa rede de proteção a pessoa idosa ainda deixa muito a desejar. A pessoa idosa ainda não é prioridade para o poder público e para a sociedade”.

De acordo com o coordenador da Pastoral, falta visibilidade para o tema. Na maioria dos casos a pobreza e as falhas no cumprimento do Estatuto do Idoso são agravantes para a violência.

“Não há visibilidade para o tema. As pessoas não sabem onde fica a delegacia. Falta articulação. A sociedade civil precisa se organizar, promover debate, participar das audiências, debater, tomar o espaço que tem, para falar do problema da saúde, da assistência, da educação. Esses espaços precisam ser acessíveis. O peso da idade a torna mais lenta. É normal. Você envelhece e começa a ter limitações. Mas isso não é um problema”, ressalta Vieira.