Cidades

Pobreza extrema: moradores do Vale do Reginaldo são excluídos do Bolsa Família

Secretaria do Estado da Assistência Social vê exclusão como “reflexo positivo”

Por Thayanne Magalhães 19/08/2017 08h00
Pobreza extrema: moradores do Vale do Reginaldo são excluídos do Bolsa Família
Reprodução - Foto: Assessoria

Mais de 18 mil famílias alagoanas deixaram de receber o benefício do Bolsa Família. A informação é da Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADES).

Essa exclusão, diz a secretaria, é resultado dos “esforços dos governos federal e estadual em manter a qualidade das informações inseridas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), garantindo que os benefícios sociais cheguem a quem realmente precisa. Para a Secretaria, o “reflexo positivo” do “pente-fino” já é visível.

Segundo a coordenadora estadual do programa, Maria José Cardoso, a saída das 18.356 famílias permite que sejam inclusas no programa outras que aguardam na fila de espera. “São abertas novas oportunidades, que beneficiarão a população em situação de vulnerabilidade. Essa renovação é importante e necessária para que outras famílias tenham a chance de melhorar de vida a partir desse benefício”, explicou.

Na periferia de Maceió, o cenário é diferente. Porque é fácil de encontrar famílias que perderam o benefício- mesmo obedecendo às determinações do programa- e hoje passam por dificuldades ainda maiores de sobrevivência.

É o caso da Carla Patrícia, dona de casa de 25 anos, mãe de quatro filhos, com 10, 9, 6 e 3 anos.

“Estou me virando do jeito que posso. Meu marido faz bicos. Eles não deram explicação nenhuma para o corte. Falaram que uma das minhas filhas estava faltando na escola mas ela nunca falta. Já tem dois meses que não recebo”, disse a dona de casa, moradora do Vale do Reginaldo.

“Os governantes, ao invés de ajudar, estão tirando o pouco que a gente tem”, lamentou.

‘Meus filhos querem lanche. E não tem’

As precárias condições de Carla Patrícia mostram que ex-beneficiados, mesmo tendo sido retirados do programa, estão em situação ainda pior, contrariando a versão oficial de melhora nas condições de vida.

Carla Patrícia e seus filhos passam ainda mais dificuldades sem o Bolsa Família (Foto: Sandro Lima)

“Já procurei a Secretaria de Assistência Social e eles dizem para eu procurar o setor do Bolsa Família. Estou tentando recuperar o benefício porque está faltando tudo dentro de casa. Meus filhos querem um lanche e não têm”.

“Se nós que moramos aqui na miséria, sem acesso aos nossos direitos básicos, sem emprego, embaixo da ponte, não temos direito de receber o Bolsa Família, então esse benefício foi feito para quem? Porque se a gente perde esse dinheiro, a gente passa fome. Não é certo isso que estão fazendo com a gente”, desabafou a jovem mãe.

Renata de Freitas, outra jovem dona de casa, de 25 anos, tem dois filhos, um de seis e outro de apenas um ano. Ela também foi excluída do Bolsa Família.

“Meu marido trabalha, graças a Deus, mas mesmo assim está difícil. O Bolsa Família é uma renda que ajuda muito para gastos extras, como remédios, as fraldas que meu filho mais novo ainda usa. Eles excluíram minha família e não deram nenhuma justificativa. Apenas fui sacar e a conta estava bloqueada”, explicou.

Renata já procurou a sede do Bolsa Família e o gerente da sua agência na Caixa Econômica Federal, mas seu problema não foi resolvido.

“Não consegui resolver e nem me deram qualquer explicação. Enquanto isso meu marido trabalhar para que a gente não passe fome”, lamentou a dona de casa.

O marido de Renata tenta manter a família, que passa necessidades sem o benefício (Foto: Sandro Lima)

Se pudesse ser ouvidas pelos governantes e responsáveis pelo benefício, Renata de Freitas pediria que olhassem mais para a situação das famílias que vivem como a dela, em extrema pobreza.

“Eles dizem que um salário mínimo dá para sustentar uma família, mas os impostos diminuem ainda mais a nossa renda. Gostaria que olhassem mais por nós, que vissem a nossa situação. O Bolsa Família ajuda muito”.

‘Sem poder pagar aluguel, moro numa invasão’

Desde que foi cortada do Bolsa Família, Maria de Lourdes da Conceição, dona de casa de 52 anos, vem passado por dificuldades extremas. “Eu não consegui mais pagar meu aluguel e invadi um desses apartamentos que ainda estão em construção”.

A mulher se refere ao Projeto Entregar do Vale do Reginaldo, que está com as obras paradas e já teve várias unidades invadidas por famílias desabrigadas.

Maria de Lourdes ficou sem poder pagar aluguel e invadiu construção (Foto: Sandro Lima)

“Eu tenho duas filhas. Uma é casada e a outra é usuária de drogas. Levou tudo o que eu tinha. E esse corte do benefício me deixou ainda mais prejudicada”, desabafou a dona de casa.

Miséria

No Vale do Reginaldo, milhares de famílias se dividem entre o que existe de pior em condições de sobrevivência a um ser humano: esgoto a céu aberto, barracos de alvenaria ou lona que podem vir abaixo a qualquer momento e crianças driblando a lama, a falta de esperança e o abandono do poder público.

Vale do Reginaldo é habitado por famílias que vive em pobreza extrema (Foto: Sandro Lima)

São duas as condições para uma família permanecer no programa: renda mensal, por pessoa, de até R$ 85 (enquadrada como extrema pobreza) e entre R$ 85,01 e R$ 170,00 (chamada de “estado de pobreza”).

Em contrapartida, as crianças precisam ir ao médico e ao dentista periodicamente e frequentarem a maioria das aulas nas escolas.

O Bolsa Família é reconhecido pela ONU como o melhor modelo para a retirada de pessoas tanto da extrema pobreza como do “estado de pobreza” e reinseri-las nas condições de acesso à cidadania. O Brasil, até recentemente, tinha erradicado a fome.

Pelo que se viu no Vale do Reginaldo, a falta do Bolsa Família não demorará a comparar cenas da periferia com as de países africanos, em guerra.

Nota à Imprensa

A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) informou através de nota que os cortes do Programa Bolsa Família são feitos pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e os critérios, adotados pelo MDS, são saída do perfil para o programa, através da superação da pobreza e da extrema pobreza; descumprimento de condicionalidades; ou subdeclaração de renda.

A assessoria de imprensa da Semas informou ainda que as pessoas que tiveram o benefício bloqueado ou cancelado podem procurar a sede do Cadastro Único em Maceió – Rua Barão de Atalaia, 753, no bairro do Poço – e fazer a verificação do motivo da suspensão do Programa, podendo – a depender do caso – reverter a suspensão com a atualização cadastral.

Senhora observa a "rua" no Vale do Reginaldo (Foto: Sandro Lima)