Cidades

Justiça absolve idoso portador de câncer que usava maconha para fins medicinais

De acordo com o processo, não há indícios de que o réu produzia e guardava a droga para vender ou oferecer gratuitamente a terceiros

Por Assessoria 06/12/2016 21h42
Justiça absolve idoso portador de câncer que usava maconha para fins medicinais
Reprodução - Foto: Assessoria

Denunciado à Polícia Militar, em abril de 2015, devido a plantações de pés de maconha em sua residência, um idoso, portador de câncer de próstata, foi absolvido do crime de tráfico de drogas pela magistrada Luana Cavalcante de Freitas, da Comarca de Quebrangulo, no interior de Alagoas. A decisão foi proferida em novembro e levou em consideração o fato de o idoso utilizar a maconha para fins medicinais, sem vender ou oferecer a terceiros.

“Na visão desta magistrada, não parece nada justo condenar um senhor de quase 70 anos de idade, que não possui qualquer antecedente criminal e que vem sofrendo com câncer de próstata, por ter usado a maconha acreditando que assim teria aliviados os sintomas desta grave doença”, explicou a juíza na sentença.

De acordo com o processo, não há indícios de que o réu produzia e guardava a droga com outra finalidade que não fosse o uso pessoal. Os depoimentos das testemunhas e os documentos acostados aos autos também demonstraram que o réu consumia a droga acreditando nos efeitos medicinais.

Em suas alegações finais, o Ministério Público estadual requereu a desclassificação do crime de tráfico de drogas para o crime descrito no artigo 28 da lei nº 11.343/06 (porte de drogas para consumo pessoal).

A Polícia Militar encontrou 42 gramas de sementes de maconha, 42 gramas de maconha prensada e 128 gramas de folhas secas de maconha. A juíza Luana Cavalcante destacou que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) vem entendendo que quando a quantidade de drogas apreendidas é ínfima, o magistrado deve aplicar o princípio da insignificância e, consequentemente, absolver o réu por atipicidade da conduta.

A juíza explicou ainda que, de acordo com o princípio da lesividade, a conduta só pode ser considerada criminosa quando lesiona ou ameaça bem jurídico pertencente a terceiro.

“Se a conduta não extrapola o âmbito individual, o Estado não pode criminalizar a conduta. Por conta desse princípio que não existe punição para tentativa de suicídio ou autoflagelo.  Outrossim, o princípio constitucional da intervenção mínima estabelece que o Direito Penal deve somente ser aplicado quando houver extrema necessidade. Assim sendo, observa-se que não existe lesão ou ameaça de lesão provocada a bens jurídicos alheios pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal, mas apenas uma lesão à própria saúde individual do usuário”, frisou.

“Diante de todo o exposto absolvo o réu das imputações que lhe foram feitas na peça pórtica, no tocante ao crime previsto no art. 28 da lei nº 11.343/06, diante da atipicidade da conduta praticada, com fulcro no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Após o trânsito em julgado, arquive-se com as cautelas de estilo. Sem custas e honorários”, finalizou.

Drogas ilícitas

Na decisão, a juíza Luana Cavalcante também destacou que estudos científicos concluíram que a maconha causa menor dependência química e psíquica, em relação ao álcool e à nicotina, drogas lícitas comercializadas no Brasil.

“Pesquisas têm revelado benefícios terapêuticos proporcionados pela planta aos pacientes portadores de câncer, aids, glaucoma, esclerose múltipla, epilepsia, entre outras doenças. Tanto é, que inúmeros países do mundo, como é o caso de Portugal, Espanha, Canadá, Uruguai, Holanda, Israel, EUA (alguns estados) etc., estão tornando legal o uso medicinal e até mesmo recreativo da maconha, uma vez que levam em consideração que os benefícios superam os malefícios e a sua proibição contribui para o aumento do tráfico de drogas”, expôs.

A magistrada também destacou o voto oral do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, no qual ele explica que a magistratura deve impedir cadeias lotadas de jovens pobres e primários, pequenos traficantes, que entram com baixa periculosidade e na prisão começam a cursar a escola do crime, unindo-se a quadrilhas e facções.

“Repensar sobre a questão das drogas em nosso país é um dever dos agentes públicos, uma vez que a nossa atual política criminalizadora não tem se mostrado eficiente, pois o tráfico de substâncias ilícitas, bem como dos crimes interligados, possui notório crescimento, estando as prisões saturadas de pessoas, em regra hipossuficientes economicamente, muitos deles apenas usuários de drogas ou pequenos traficantes que não tiveram acesso a políticas públicas de qualidade”, ressaltou a magistrada.