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Fiocruz apresenta novos dados de estudo que avalia saúde da população de Brumadinho

Por Fiocruz 24/01/2025 11h38
Fiocruz apresenta novos dados de estudo que avalia saúde da população de Brumadinho
O estudo visa detectar as mudanças ocorridas nessas condições em médio e longo prazo e, dessa forma, os participantes são acompanhados anualmente, desde 2021 - Foto: Fiocruz

Pesquisadores da Fiocruz Minas e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concluíram mais uma etapa do estudo que avalia as condições de vida e saúde, além das demandas para os serviços de saúde, da população de Brumadinho, após o desastre causado pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, que completa seis anos neste sábado (25/1). O estudo visa detectar as mudanças ocorridas nessas condições em médio e longo prazo e, dessa forma, os participantes são acompanhados anualmente, desde 2021. Um compilado dos dados coletados durante o primeiro ano de acompanhamento já havia sido realizado. Agora, as análises incluem dados do terceiro ano, 2023, permitindo estabelecer uma comparação entre os períodos.

Intitulado Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, o estudo é desenvolvido em duas frentes de trabalho: uma com foco na população com idade acima de 12 anos e outra voltada para as crianças de 0 a 6 anos de idadeUm dos aspectos avaliados na pesquisa é o perfil de exposição a metais do município. A dosagem de cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês foi verificada por meio de exames de sangue e/ou urina. Na população acima de 12 anos, os resultados mostraram que há exposição a esses metais nos dois anos analisados, mas, em 2023, o percentual de amostras detectadas com metais acima dos valores de referência diminuiu. O arsênio é o que aparece mais frequentemente acima dos limites de referência, detectado, entre os adultos, em cerca de 20% das amostras, e, entre os adolescentes, em aproximadamente 9% das amostras, mas, nesse público, dependendo da região de moradia, o percentual de amostras com arsênio acima do limite chega a 20,4%.

No entanto, conforme mencionado na pesquisa, chama atenção que todos os metais apresentaram elevado percentual de deteção, nos dois anos, com reduções mais relevantes dos valores medianos para manganês e menos expressivas para arsênio e chumbo, quando se compara 2021 e 2023. Esse quadro demonstra uma manutenção da exposição a esses metais no município, de forma disseminada em todas as regiões investigadas, ainda que com níveis mais baixos no último ano investigado.

CRIANÇAS 

As crianças de 0 a 6 anos de idade também foram avaliadas por meio de exames de urina, com resultados que mostraram um aumento da taxa de detecção, ou seja, da presença do metal na urina para a maioria dos metais. Tanto em 2021 quanto em 2023, foi detectada a presença de pelo menos um dos cinco metais em todas as amostras analisadas, sendo que o arsênio foi encontrado em 100% delas. O percentual total de crianças acima do valor de referência para arsênio passou de 42%, em 2021, para 57%, em 2023, sendo que, nas regiões próximas a áreas do desastre e de mineração ativa, o percentual de aumento entre um ano e outro é ainda mais significativo. Chumbo e mercúrio apresentaram uma taxa de detecção em 100% das amostras em 2023, mas apenas 6,8% da amostra apresentou dosagem de chumbo acima dos valores de referência.

De acordo com os pesquisadores, os resultados encontrados demonstram uma exposição aos metais e não uma intoxicação, que só pode ser assim considerada após avaliação clínica e realização de outros exames para definir o diagnóstico. Dessa forma, recomenda-se uma avaliação médica para todos os participantes da pesquisa que apresentaram níveis acima dos limites biológicos recomendados, de forma que os resultados sejam analisados no contexto geral da sua saúde. Além disso, é necessária uma rede de atenção que permita realização de exames de dosagem desses metais não apenas na população identificada pelo projeto, mas para atender outras demandas do município. Essa organização da rede de serviços é importante, considerando que a exposição aos metais investigados permanece entre 2021 e 2023, de forma disseminada em todo município.

Condições de saúde

Outro ponto analisado se refere às condições de saúde da população, baseando-se em diagnósticos médicos anteriores e na percepção dos próprios participantes. Quando perguntados como avaliavam sua saúde, a maioria dos adultos e adolescentes, tanto em 2021 quanto em 2023, avaliou como boa/muito boa, com variações entre as regiões de moradia. No entanto, o percentual da população adulta que avaliou a saúde como ruim ou muito ruim se manteve elevado nas regiões atingidas pela lama ou na região com atividade de mineração.

Entre os adolescentes, quando perguntados se já haviam recebido diagnósticos de doenças crônicas, as respostas mais frequentes, em 2021, foram asma ou bronquite asmática, mencionadas por 12,7% dos entrevistados. Em 2023, esse percentual subiu para 14%. Chama atenção um aumento na prevalência de algumas condições, como colesterol alto, que passou de 4,7%, em 2021, para 10,1%, em 2023; e um grupo de doenças que inclui enfisema, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica, que foi de 2,7%, em 2021, para 10,7%, em 2023.

Ainda em relação às doenças crônicas, em 2021, ao serem questionados se algum médico já havia diagnosticado essas condições, os adultos mencionaram principalmente hipertensão (27,9%), colesterol alto (20,9%) e problemas crônicos de coluna (19,7%). Em 2023, essas doenças continuam sendo as mais prevalentes, mas com aumento na frequência em que ocorrem: hipertensão foi citada por 30% dos adultos, colesterol alto por 28,5% e problemas crônicos de coluna por 22,8%. Deve-se destacar também um aumento no diagnóstico médico do diabetes entre adultos, que passou de 8,7% para 10,7%, entre os dois anos avaliados.

A pesquisa investigou ainda a presença de sintomas e outros sinais nos 30 dias anteriores à entrevista. Em 2021, os adultos relataram principalmente irritação nasal (31,8%), dormências ou cãibras (25,2%) e tosse seca (23,5%). Em 2023, houve um aumento na frequência dessas condições para 40,3%, 34,4% e 21,5%, respectivamente. Esses sintomas também foram os mais citados entre os adolescentes tanto em 2021 quanto em 2023, mas com poucas alterações entre um ano e outro.

"A pior percepção da saúde é um indicador de extrema importância para avaliação da condição geral da saúde em uma população, refletindo impacto negativo nessa condição entre os moradores das áreas atingidas pela lama e pela atividade de mineração. Sobre as condições crônicas, é importante ressaltar a elevada carga de doenças respiratórias e do relato de sinais e sintomas, o que demonstra a necessidade de maior atenção dos serviços de saúde sobre esse aspecto, que pode estar relacionado às condições do ambiente, como disseminação de poeira pela natureza da atividade produtiva”, destaca o pesquisador da Fiocruz Minas Sérgio Peixoto, coordenador-geral da pesquisa.

Saúde mental

A avaliação da saúde mental incluiu perguntas sobre o diagnóstico médico de algumas condições. Os resultados mostraram poucas alterações de um ano para outro. Entre os adolescentes, quando perguntados sobre o diagnóstico para depressão, o percentual foi de 9,9%, em 2021, e 10,6%, em 2023. Entre os adultos, 21,3% relataram diagnóstico médico de depressão, em 2021, e 22,3%, em 2023, valores superiores aos 10,2% relatados por adultos brasileiros avaliados na Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo IBGE em 2019. Já o diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 32,8% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade, em 2021, e por 32,7%, em 2023.

Os pesquisadores também aplicaram as escalas Patient Health Questionnaire-9-PHQ-9 e General Anxiety Disorder -GAD7, que incluem perguntas sobre alguns sentimentos e sintomas e demonstram que o participante pode apresentar quadro depressivo ou de ansiedade, mas não é considerado um diagnóstico clínico para essas condições. A aplicação de escalas para triagem de transtornos mentais mostrou um aumento na frequência dessas condições. Entre os adultos, 28,8% tiveram episódio depressivo maior, em 2021, já em 2023 foram 38,4%. Entre os que apresentaram transtorno de ansiedade, foram 19,2%, em 2021, e 30,8%, em 2023. Entre os adolescentes, também houve aumentos dessas condições, com 27,3% reportando episódio depressivo maior, em 2021, e 31,4% em 2023. Transtorno de ansiedade foi mencionado por 15,9% dos adolescentes, em 2021, e 23,3%, em 2023.

A dificuldade para dormir em três ou mais noites por semana nos últimos 30 dias foi relatada por 26,7% da população adulta de Brumadinho em 2021; no ano de 2023, houve um aumento, chegando a 35,1%. Entre os adolescentes, essa dificuldade foi reportada por 18,3% em 2021, e 17,4% em 2023.

"Esses números mostram a necessidade de avaliar as ações voltadas à saúde mental no município, dada a manutenção de elevada carga de transtornos mentais na população, nos dois anos avaliados. Faz-se necessário priorizar estratégias intersetoriais, considerando a complexidade do problema e as especificidades de cada território", explica o coordenador.

Uso de serviços de saúde

O estudo também mostrou que houve um aumento pela procura por serviços de saúde no município. Em relação à realização de consultas médicas, em 2023, 44,1% dos adolescentes relataram ter realizado três ou mais consultas; em 2021, eram apenas 21,7%. Entre os adultos, 53,7% tiveram três ou mais consultas, em 2023, e 38,6%, em 2021.

De acordo com os resultados, o Sistema Único de Saúde é a principal referência dos entrevistados. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) foram apontados, em 2021, como os mais procurados por 56,8% dos adultos e por 59,6% dos adolescentes. Em 2023, esse percentual passou para 64% entre os adultos e para 66% entre os adolescentes.

Dos adultos, 34,9% declararam possuir plano privado de saúde, em 2021, e 39,8%, em 2023. Entre os adolescentes que afirmaram ter plano, foram 27,8%, em 2021, e 33,9%, em 2023.

"A elevada utilização dos serviços de saúde e a menção ao serviço público como sendo a principal referência para atendimento demonstram a grande demanda para o SUS no município, mas também o grande potencial desse sistema para a realização de intervenções efetivas que visem minimizar os impactos na saúde da população", destaca Peixoto.

Saúde infantil

Além da avaliação de exposição a metais, as crianças foram avaliadas também em relação ao desenvolvimento neuromotor, cognitivo e emocional, por meio da aplicação do Teste de Denver II. Os resultados mostraram que, de um ano a outro, houve uma redução no número de crianças com risco de atraso no desenvolvimento de habilidade(s) esperada(s) para sua faixa etária. Em 2021, eram 42,5% na faixa de risco, sendo, em 2023, 28,3% do total de avaliados.

O estudo avaliou ainda o crescimento pôndero-estatural das crianças, que considera a estatura, o peso e o índice de massa corporal. Entre 2021 e 2023, a maioria das crianças apresentou Índice de Massa Corporal (IMC) normal. Em relação aos quadros de obesidade (IMC > 30) e sobrepeso (IMC > 25), houve uma melhora nos índices. Em 2021, cerca de 11% das crianças eram consideradas obesas; em 2023, esse percentual caiu para 4,6%. Com sobrepeso, eram 12,5%, em 2021, e 4,6%, em 2023.

Para os pesquisadores, essa melhora na avaliação das crianças pode ser justificada pelo retorno das atividades escolares e da vida social, após o isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19. A equipe recomenda o acompanhamento das que apresentaram alterações nos indicadores antropométricos e na aquisição de habilidades associadas com o desenvolvimento neuropsicomotor, social e cognitivo. Sugere ainda a articulação entre as equipes de saúde e educação municipais, já que a atividade escolar tem grande potencial de estímulo sobre o desenvolvimento infantil.

A pesquisa

Intitulado Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, o estudo é desenvolvido em duas frentes de trabalho: uma com foco na população com idade acima de 12 anos, chamada Saúde Brumadinho, e outra voltada para as crianças de 0 a 6 anos de idade, que recebeu o nome de Projeto Bruminha. Em 2021, a amostra foi composta por 3.297 participantes, sendo 217 crianças, 275 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, e 2.805 adultos com mais de 18 anos. Em 2023, foram 2.825 participantes: 130 crianças, 175 adolescentes e 2.520 adultos.

Ao compor a amostra, os pesquisadores buscaram cobrir toda a extensão territorial do município. No projeto Saúde Brumadinho, a amostra foi segmentada em três regiões geográficas, incluindo as áreas diretamente expostas ao rompimento da barragem de rejeitos; a região de moradores em área com atividade de mineração, mas não atingida pela lama; e a parcela considerada como não exposta diretamente ao rompimento da barragem ou à atividade mineradora, constituída aleatoriamente pelo restante do município. Já para o Projeto Bruminha, a amostra do estudo incluiu todas as crianças de 0 a 6 anos de idade, residentes em 4 localidades selecionadas: Córrego do Feijão, Parque da Cachoeira, Tejuco e Aranha, sendo as duas primeiras localizadas na rota da lama de rejeitos, a terceira em região de mineração ativa e a última distante dessas três áreas.

A pesquisa se baseia em diversas fontes de dados, incluindo exames de sangue e/ou urina, feitos por todos os participantes, visando verificar a dosagem de metais no organismo, entrevistas que avaliam uma série de aspectos relacionados à saúde, além de avaliação física e antropométrica.

O projeto Saúde Brumadinho, voltado para adultos e adolescentes, investiga condições e comportamentos em saúde, perfil sociodemográfico, contato com água e lama, uso de serviços de saúde e medicamentos, entre outros pontos, que permitem traçar um cenário bastante completo sobre a situação atual da saúde no município. Já o Projeto Bruminha verifica, além da dosagem de metais, o processo de crescimento e desenvolvimento neuromotor, alterações antropométricas e relato de afecções respiratórias das crianças. Os dados resultantes de toda a pesquisa poderão nortear a estruturação dos serviços de saúde, contribuindo para melhor organização do Sistema Único de Saúde (SUS), nos âmbitos do Estado e do município, de forma a responder às demandas de atendimento da população.

O Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho é financiado pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (Decit/SCTIE/MS). Acesse os relatórios completos dos Projetos Saúde Brumadinho e Bruminha, apresentando todas as análises realizadas.