Brasil
Doria prevê déficit de R$ 1,5 bilhão nas contas da Prefeitura de SP em 2018
Prefeitura de São Paulo faz "manobra" no orçamento e cria déficit ao deslocar verbas para fundo de desestatização; Secretaria da Fazenda diz que recursos podem ser usados em áreas como saúde, educação e transporte.
O projeto de lei orçamentária (PLO) para 2018, enviado pelo prefeito de São Paulo, João Doria, à Câmara Municipal em 5 de outubro, prevê um déficit de R$ 1,564 bilhão nos cofres públicos no próximo ano. O texto altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pela mesma Câmara em julho, que previa um resultado primário bem diferente, com superávit de R$ 1,156 bilhão.
No texto que enviou à Câmara pedindo a aprovação do orçamento, a gestão Doria argumenta que o déficit decorre de uma “necessária revisão” da meta fiscal após a aprovação do Fundo Municipal de Desenvolvimento Social, que irá gerir o programa de Parcerias Público-Privadas (PPPs) do município e o processo de desestatização de bens e serviços municipais, assim como futuras operações de contratação de crédito. O fundo foi criado em lei de autoria do Executivo e aprovado pela Câmara em 16 de maio.
Para especialistas ouvidos pelo G1, porém, a mudança no orçamento configura uma “manobra” feita pela Prefeitura de São Paulo pois, ao direcionar recursos para o Fundo Municipal de Desenvolvimento Social, a gestão obtém maior maleabilidade e rapidez no uso da verba em ano eleitoral. A previsão da prefeitura é ter em 2018 receitas primárias de R$ 51,2 bilhões.
O plano de concessões de serviços públicos --que inclui a gestão do Bilhete Único, de parques e de terminais de ônibus-- foi aprovado pela Câmara em setembro. Os recursos do programa “serão destinados a investimentos nas áreas de saúde, educação, segurança, habitação, transporte, mobilidade urbana e assistência social”, diz a Prefeitura.
Em nota ao G1, a Prefeitura confirmou o déficit e afirmou que defende a revisão do orçamento junto à Câmara pois a mudança "permitirá a utilização de recursos que poderão estar disponíveis ao município, arrecadados em exercícios anteriores e de aplicação vinculada a projetos específicos". A não alteração da meta, por sua vez, "impedirá que todos os recursos financeiros de que o município dispor em 2018 sejam utilizados em investimentos, para benefício da sociedade", argumenta a Prefeitura.
Segundo o subsecretário da Fazenda, Luis Felipe Vidal Arellano, "do ponto de vista do orçamento, não existe insuficiência de recursos, o orçamento está totalmente equilibrado. O que não estava previsto os recursos do fundo e da alineação de ativos, não havia receitas que agora estamos prevendo com a aprovaçaõ do fundo. Eu aumentei uma despesa primária, o resultado primário que fica deficitário".Para a professora de economia da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) Juliana Inhasz, o fundo deve gerar maior desembolso neste primeiro momento, mas pode promover maior eficiência ao longo do tempo. "Quando as PPPs e as desestatizações acontecerem de fato, este fundo agirá fazendo futuras contratações de crédito”, afirma.
“A mudança do orçamento possibilita certa desvinculação de gastos. Aparentemente, este déficit será pago com o aumento da eficiência no próximo ano, que fará com que o aumento da eficiência crie maior base tributária e maior arrecadação”, continua a economista. Como o déficit não é levado em consideração para a proposta do orçamento do ano seguinte, a Prefeitura precisará pedir empréstimos ou obter alguma forma de arcar com ele em 2019.
O que diz a lei
Juliana Inhasz salienta, ainda, que a mudança da previsão do orçamento também precisa ser aprovada pelos vereadores na LDO, “para não caracterizar violação à lei”. A mesma opinião tem o professor de economia e administração da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, que salienta que a revisão da meta da LDO deve estar inscrita na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Para Matias-Pereira, especialista em orçamento público, o que houve no orçamento de 2018 foi “um ajuste, do ponto de vista da estrutura”, para que o dinheiro fosse destinado ao fundo. “Se me perguntasse se há conotação política, com o que está para acontecer no ano que vem, eu diria que não tem como negar. Criaram esse fundo para ter maior flexibilidade em alocar recursos e implementar uma série de medidas”, afirma o professor.
Doutor em administração pública e governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestre em desenvolvimento econômico, o analista de finanças públicas Fábio Klein, integrante da Tendências Consultoria, também vê motivação eleitoral na mudança no orçamento, com foco na destinação de recursos para o Fundo Municipal de Desenvolvimento Social em 2018.
“A criação do Fundo deve implicar, provavelmente, transferência de recursos do orçamento para o mesmo, gerando uma despesa primária. Houve aumento da receita total, mas queda na receita primária (como produto de impostos e contribuições) em cerca de R$ 500 milhões. Do ponto de vista da economia política do gasto, o objetivo disso tudo parece ser gerar impulso dos gastos em ano eleitoral”, afirma Klein.
“É natural que, em ano de eleição, ocorra aumento dos gastos com investimentos, comparados com anos não eleitorais. Há estudos acadêmicos e científicos mostrando isso. Mesmo não sendo ano de eleições municipais, estamos falando de um possível candidato à Presidência da República ou ao governo do estado. Caso ele se licencie antes do término do mandato, para disputar outro cargo público, os recursos estão assegurados com a aprovação do orçamento, para serem gastos e cativarem os eleitores paulistanos”, salienta o analista.
Os especialistas apontam, porém, que a "manobra" não é ilegal, já que são leis aprovadas pela Câmara Municipal, representando um aval do Legislativo para os gastos do Executivo. “Ele não está descumprindo a lei, mas é preciso analisar do ponto de vista da responsabilidade ética com o dinheiro público. Ele não está fazendo nada de errado do ponto de vista legal, mas a motivação merece uma análise mais apurada”, afirma Fábio Klein.
Presidente-executiva do Instituo Brasileiro de Direito Público, a professora Karina Kufa entende que a mudança na meta fiscal pode ainda ter ocorrido por fatores como a redução na arrecadação. “Desde que haja justificativa e fundamentação, é possível mudar, porque o orçamento é uma suposição, não há como saber efetivamente quantas pessoas vão adimplir seus tributos. Só no meio é que se vai saber”, salienta ela.
Investimento em queda
A previsão de investimentos para 2018 no orçamento da Prefeitura é menor do que a previsão feita para este ano. Enquanto que, para o próximo ano, a previsão é de R$ 5.539.002.181, no orçamento de 2017 a estimativa era de R$ 6.157.686.270.
Segundo os especialistas ouvidos pelo G1, o valor na rubrica “investimento” dentre as despesas previstas na proposta do orçamento é a que melhor demonstra o quanto se pretende gastar com obras ou estruturas físicas, móveis ou imóveis, permanentes -- a reforma de uma praça, a construção de escolas ou o asfaltamento de ruas, por exemplo.
Como a lei orçamentária não é uma norma, mas uma previsão, o professor da UnB José Matias-Pereira salienta que o valor fixado para investimento não gera obrigação de empregar o total de recursos previsto.
“A projeção de investimentos para 2018 será menor. É importante lembrar que o orçamento no Brasil não é impositivo, ou seja, o fato de terem sido alocados R$ 6,157 bilhões em 2017 não quer dizer que esse valor foi integralmente executado. Isso só será possível verificar no início de 2018, depois da publicação do balanço do orçamento de 2017”, diz Matias-Pereira.
A pedido do G1, estatísticos da Confederação Nacional dos Municípios analisaram a lei solicitada por Doria à Câmara para o orçamento de 2018. Segundo eles, diante de um cenário de crise financeira, é normal a retração nos gastos públicos, com tendência de queda nos investimentos, por se tratarem de despesas mais fáceis de corte, já que gastos com pessoal sofrem ajustes limitados.
Os estatísticos afirmam que o Plano Plurianual (feito a cada 4 anos) e a LDO apresentam apenas uma perspectiva de receita, já que a arrecadação pode não crescer no mesmo volume que a despesa. Há despesas fixas pela legislação --como a obrigação de gastar 15% da receita com saúde e 25% com a educação, e o pagamento da dívida pública-- em que não é possível cortes.
Em nota, a Prefeitura informou que, comparando o quadro consolidado do orçamento de 2017 e 2018, "as transferências de capital sofreram significativa redução, que implica diretamente na diminuição de investimentos". Transferências de capital são recursos para investimentos enviadas por outras pessoas de direito público (como a União) ou privado, feitas em forma de auxílio ou contribuição, além de dotações para amortização da dívida pública.
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