Brasil
Peça retrata Jesus como mulher trans e lota teatro no Cena Contemporânea
"O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" faz retrato poético das lutas por direitos humanos. Montagem ainda será exibida em Taguatinga, Ceilândia e Gama
No palco, um cenário simples: uma mesa, flores vermelhas, uma jarra com água, velas ainda não acesas e até mesmo uma lata do refrigerante “Guaraná Jesus”. Vinho? Somente no final, em pequenos cálices, para os espectadores que se deliciaram e aplaudiram longamente – e de pé. Sobre o tablado, uma atriz que lotou o Teatro da Caixa Cultural, em Brasília, em plena noite de segunda-feira (28).
Renata Carvalho deu voz e vida, de maneira comovente, ao monólogo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” e se tornou a primeira travesti a encenar uma montagem no festival Cena Contemporânea. O festival está na 18ª edição.
A peça, dirigida por Natalia Mallo e traduzida do texto original da inglesa Jo Clifford, foi apresentada nesta segunda (28) – o G1 acompanhou a sessão. Novas encenações estão marcadas para ocorrer nesta terça (29) em Taguatinga, na quarta (30) em Ceilândia, e na quinta (31), no Gama, encerrando a já histórica participação no Festival Internacional de Teatro de Brasília de 2017.
“Ter uma personagem trans interpretada por uma atriz trans faz diferença sim”, disse Renata Carvalho, ao fim da montagem.
No espetáculo, poético e envolvente, Jesus é uma mulher trans que remonta aos ensinamentos seculares para enaltecer mulheres, homossexuais, garotas de programa e outros excluídos. A "ferramenta", neste caso, são os ensinamentos de amor, empatia e respeito.
Uma história de exclusão
Atriz e militante da causa trans, Renata Carvalho cria, em cena, o passado violento que sofreu e os inúmeros relatos de abusos sofridos pela comunidade LGBT.
Somente em 2016, 343 lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) foram assassinados no Brasil, conforme apontou o relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB). Os dados, segundo o GGB, levaram à constatação de que, a cada 25 horas, um LGBT é morto no país.
A intolerância e a exclusão da pessoa trans são motes da fala da personagem, que atenta o espectador para a não aceitação e para a sexualização dos corpos dessas pessoas. O tema é abordado no rebuscado texto da obra – ainda que gere risadas fáceis da plateia, quando a atriz apela para o humor desbocado das gírias LGBT.
Os pronomes e adjetivos são colocados no feminino, até mesmo para a figura de Deus. Renata domina a plateia do alto do palco, e também caminhando por entre as fileiras de assentos, como um pregador que orienta seus fiéis sobre preceitos essenciais na condição da vida humana.
O sermão, entretanto, é relaxado: batidas de funk e trocas de figurino são os momentos de respiro em quase uma hora de espetáculo. Ao longo desse tempo, a atriz relaciona as mais variadas parábolas bíblicas aos casos de intolerância, desrespeito e preconceito enfrentados pela população trans.
Mais tolerância
Atemporal e atual, o espetáculo é encerrado com uma oração convocada pela personagem, que clama por mais tolerância e afeto em tempos de pouca empatia pelo próximo.
No pedido aos céus, as prostitutas serão honradas, os deficientes físicos serão incluídos, os políticos serão mais honestos e o amor será bem comum, exercido a toda hora.
Com apelo pop, o “Evangelho” trazido por “Jesus, rainha do céu” problematiza e alerta para a violência literal, mas encanta e emociona pela poesia.
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