Saúde

Médicos criticam CFM sobre vacina da Covid-19

Pesquisa realizada por Conselho Federal, sem metodologia, induziria a não vacinação de crianças, diz Sociedade de Pediatria

Por Valdete Calheiros - colaboradora / Tribuna Independente 18/01/2024 09h05 - Atualizado em 19/01/2024 05h56
Médicos criticam CFM sobre vacina da Covid-19
Processo de descrédito fez índices de vacinação caírem no Brasil - Foto: Edilson Omena / Arquivo

A Sociedade Brasileira de Pediatria está surpresa com a pesquisa conduzida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) contra a vacina infantil de Covid-19. A afirmação é do presidente da Sociedade Alagoana de Pediatria, médico Marcos Gonçalves, que considera também que o levantamento surpreendeu, de forma negativa, a sociedade em geral.

O CFM questiona aos médicos se os pais de crianças de até cinco anos têm direito de não vaciná-las contra a Covid e se o imunizante deveria ou não ser obrigatório. Essa e outras perguntas têm recebido críticas de que seriam enviesadas para desencorajar a vacinação infantil.

Essa pesquisa pode ser, explicou o médico, um grande ataque a uma vacina que está salvando milhões de vidas em todo o Brasil.

Na pesquisa online, lançada na semana passada, o CFM pergunta aos médicos se “os pais e responsáveis têm o direito de não optar pela imunização de suas crianças?” e se “a aplicação de vacinas contra Covid-19 em crianças com idades entre seis meses e quatro anos e 11 meses deve ser obrigatória?”.

“A pesquisa tem quatro perguntas de múltipla escolha, ou seja, não abre espaço para argumentações, não há espaço para tecer comentários. Uma pesquisa com pergunta mal redigida e, por incrível que pareça, sem metodologia científica nenhuma”, considerou o médico pediatra.

A faixa etária de seis meses a quatro anos e 11 meses teve a vacinação contra o coronavírus recomendada pelo governo federal, através do Ministério da Saúde, desde o 1° dia de 2024. A imunização deve ser feita em três doses. Entre a primeira e a segunda, o intervalo é de quatro semanas. Entre a segunda e a terceira, de oito semanas.

Não existe, porém, nenhuma obrigação de vacinar, tal qual todos os outros imunizantes no país, com crianças ou adultos. O cidadão é livre para decidir vacinar-se ou não.

De acordo com Marcos Gonçalves, a pesquisa traz quatro perguntas completamente aleatórias de um tema que assusta. “Toda pesquisa tem um objetivo. E qual o objetivo desta? Perguntar sobre obrigatoriedade da vacina contra Covid-19 em uma época em que a gente vê que a vacina é super eficaz, com efeito colateral quase zero e ainda com a segurança de proteger contra os casos graves que possam levar a internações!”.

A Sociedade Brasileira de Imunizações está na mesma direção da Sociedade Brasileira de Pediatria ao afirmar que a pesquisa do CFM equipara “crenças pessoais à ciência, o que pode gerar insegurança na comunidade médica e afastar a população das salas de vacinação”, pontuou Marcos Gonçalves que é também especialista em Alergia e Imunologia Pediátrica.

Conforme Gonaçlves, o índice de cobertura vacinal, não só de vacinas contra a Covid, caiu bastante após a pandemia, devido à desacreditação da vacina contra o coronavírus e a entidade tem receio de a procurar pelas vacinas cair ainda mais.

Falta de imunização provoca surtos de doenças

O médico Marcos Gonçalves afirma que “vimos recentemente um grande surto de varicela em Arapiraca. Em grande parte, metade das crianças que pegou varicela não tinha sido vacinada. Esse quadro mostra a importância das vacinas”.

O receio do representante dos médicos pediatras em Alagoas é que esse tipo de pesquisa dê uma paulada no Programa Nacional de Imunização, o PNI.
“É impressionante porque quem entende bastante de vacinação é o médico-pediatra, é o médico-imunologista, é o médico-infectologista, esses são os médicos que lidam mais com vacinação. Com essa pesquisa, o CFM está conferindo a qualquer outra especialidade médica o mesmo poder que as especialidades que realmente se aprofundam no assunto vacinas”.

Para Marcos Gonçalves, esse questionário do CFM não tem nenhum tipo de validação científica, não traz nenhum tipo de benefício, malefícios e polêmica.
“Tem muitas pessoas confundindo ideologia política, opinião política com saúde pública. E com saúde pública não se brinca. Não é uma pesquisa do CFM que vai lidar com saúde pública”, finalizou.

“O que a gente precisa discutir é tratar, talvez, a obrigatoriedade de todas as vacinas”. Pelo menos essa é a opinião do médico Renato Kifuri, chefe do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

“Essa pesquisa é um retrocesso à luta brasileira pela ampla cobertura vacinal. Deveríamos estar discutindo o benefício da vacina e mostrarmos que é raríssimo uma vacina apesentar algum efeito colateral. E quando acontece, é um sintoma leve que pode ser uma dor no local ou febre que pode durar por 12 horas. O benefício suplanta em muito algum efeito colateral do imunizante”, frisou.

As sociedades de infectologia, imunização, alergia e imunologia, e pediatria estão juntas, conforme Maurício Gonçalves, nessa luta contra a maneira negativamente como o CRM está conduzindo esse tipo de pesquisa.