Política
Ficha Limpa tem novo cenário político sobre inelegibilidade
Debate sobre aplicação da lei para próxima eleição traz série de questionamentos sobre condenações

Foi sancionada na última semana pelo presidente Lula (PT), o projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso Nacional que flexibiliza alguns pontos da Lei da Ficha Limpa. A decisão foi publicada na edição do DOU (Diário Oficial da União) de terça-feira (30/9), e pode ter influência sobre as próximas eleições.
A Lei da Ficha Limpa completa 15 anos de sua vigência este ano. Entre as mudanças desta proposta atual, a mais comentada é a limitação do período de inelegibilidade ao tempo em que a pena está sendo cumprida após a condenação. Antes da sanção, condenados só poderiam concorrer novamente depois de oito anos do encerramento da pena. O projeto previa efeito retroativo, que poderia viabilizar a candidatura de muitos que atualmente estão inelegíveis. Mas Lula vetou esse trecho.
O projeto de lei complementar foi apresentado em 2023, com a assinatura de nove deputados, entre eles o alagoano Isnaldo Bulhões (MDB). Depois de toda a tramitação, foi aprovado em setembro deste ano no Senado, com votos favoráveis dos alagoanos Renan Calheiros (MDB) e Eudócia Caldas (PL). Fernando Farias (MDB) votou contrário. Na Câmara, o projeto também avançou, indo à sanção de Lula que aconteceu agora.
O líder da bancada alagoana, deputado Paulão (PT), afirma que votou a favor por orientação nacional do partido. “O Lindbergh Farias, líder do PT, orientou pelo voto no sim. Ele teve o aval governista da Gleisi Hoffman, então nós seguimos”, argumentou o parlamentar em contato com a Tribuna Independente.
Segundo Paulão, o presidente Lula chegou a ter uma preocupação para que isso não beneficiasse o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado em setembro. Mas com o veto ele evita que isso aconteça.
Já o deputado federal Alfredo Gaspar de Mendonça criticou o projeto, ao ser entrevistado pela Tribuna.
“A Lei da Ficha Limpa foi um avanço na representação popular, uma proteção contra os malfeitos de agentes políticos. Por isso, votei não nessa alteração legislativa que agora foi sancionada pelo presidente Lula. Essa mudança é um retrocesso”.
Fato curioso é que o projeto é de autoria, entre outros parlamentares, de uma colega de partido de Alfredo Gaspar, a deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que está inelegível e poderia ser beneficiado se Lula não tivesse vetado o efeito retroativo da lei.
LIMITAÇÕES
Gustavo Ferreira, advogado especialista em Direito Eleitoral, critica a mudança em alguns pontos.
“O principal ponto negativo que a gente pode destacar nessa lei é uma limitação do tempo máximo de inelegibilidade, fixando um teto de 12 anos, somadas as inelegibilidades elas não podem ultrapassar a 12 anos. Isso é um ponto efetivamente negativo, se a gente analisar que podem vir condenações de inelegibilidade por fatos diferentes, eu até entendo quando você considera que para a mesma eleição ou para a prática do mesmo ato você fixa o limite de 8 anos, mas para causas distintas de inelegibilidade, essa limitação com todo respeito ao que não é de contrário, ela parece um tanto que excessiva, vamos ver como é que TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e STF [Supremo Tribunal Federal] vão entender na prática essa questão”, avalia o jurista.
Por outro lado, Gustavo Ferreira entende que há correção de uma injustiça em outro ponto.
“O mais relevante positivamente, em que pese muita gente estar criticando, é fixar um limite máximo de oito anos de inelegibilidade para todo mundo, porque aconteceram situações, com todo respeito, de tratamento diferenciado”. Por exemplo, a condenação por um crime, o candidato ficaria inelegível enquanto estivesse recorrendo, passaria a cumprir a suspensão dos direitos políticos enquanto está cumprindo pena, que é diferente, porque na inelegibilidade você só não pode ser candidato na suspensão dos direitos políticos, você não pode ser candidato nem votar, e depois de cumprir a pena ficaria mais oito anos inelegível. E um candidato que, porventura, fosse condenado a partir de uma eleição ficaria inelegível a partir da data daquela eleição, apenas por oito anos. Então, a uniformização do prazo de oito anos para todos, ou para quase todos os casos, ela que pese a críticas, a gente vê de forma benéfica, porque você começa a tratar igualmente os iguais”, contextualiza.
Há exceções quanto à questão de fechamento de empresa, por crédito de financiamento, que fixa um prazo, que não tem prazo ainda, isso não foi corrigido, e alguns dos crimes, crimes hediondos, crimes eleitorais, crimes contra a administração pública, que mantém a regra anterior da condenação da inelegibilidade enquanto estiver recorrendo, mais 8 anos após o cumprimento da pena.
ATUALIZAÇÕES
IMPORTANTES
Na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB/AL), a última alteração também é bem vista. João Marcel Vilela Junior, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/AL, diz que o projeto de lei sancionado resgata a origem da Lei da Ficha Limpa.
“A popular ‘Lei da Ficha Limpa’ promoveu atualizações na chamada ‘Lei das Inelegibilidades’, assim como agora se fez com a Lei Complementar nº 219/2025, desde já se observando que a primeira atualização ocorreu em aproximadamente 20 anos e a segunda após 15 anos daquela. A Comissão de Direito Eleitoral entende como salutar as atualizações legislativas, tendo em vista que vivemos em uma sociedade dinâmica e que, por vezes, há necessidade de se corrigir determinados pontos abusivos ou aperfeiçoar situações que não apresentam tanta eficácia”, avalia.
O jurista aprofunda os argumentos. “A Lei Complementar 64/90 possui uma enorme importância para o sistema eleitoral em razão de prever específicas situações que impedem determinados cidadãos de concorrerem ao pleito eleitoral, geralmente, porque sofreram alguma condenação administrativa ou judicial em casos estipulados como grave pelo legislador. Diante dessas circunstâncias, a Comissão de Direito Eleitoral visualiza que a sanção parcial da Lei Complementar 219/2025 apresenta pontos positivos, como a maior previsibilidade e segurança jurídica no cômputo do período de inelegibilidade de determinado candidato, já que agora a contagem dos oito anos de inelegibilidade se inicia a partir do trânsito em julgado na primeira instância ou da decisão judicial proferida por órgão colegiado, ainda que caiba recurso”.
João Marcel destaca essa parte como a mais importante. “Esse ponto é o mais benéfico para a previsibilidade e segurança, já que saberá exatamente o período da inelegibilidade do cidadão condenado, pois a Lei Complementar 135/2010 previa os mesmos oito anos, porém o tempo da inelegibilidade entre a condenação de órgão colegiado até o trânsito em julgado não era diminuído dos oitos anos, mas somado, o que fazia acrescer a pena além do previsto na norma. Contudo, ressalta-se que houve veto quanto à aplicação retroativa desta norma, somente se permitindo que haja a aplicação em processos ainda não transitados em julgado”.
Além disso, ele menciona alterações na questão da inelegibilidade. “Outro aspecto positivo da atualização foi normatizar a coerência da Lei das Inelegibilidades com a nova lei de improbidade administrativa, trazendo mais segurança jurídica aos jurisdicionado”.
Mesmo assim, o representante da OAB/AL faz ressalvas. “Os avanços apresentados acarretam uma possível sensação de enfraquecimento das sanções de inelegibilidades, uma vez que a inelegibilidade de candidatos durará efetivamente menos do que anteriormente vinha sendo aplicada, assim como a criação de um limite máximo de 12 anos de inelegibilidade para casos em que candidato possua duas ou mais condenações por improbidade administrativa.
A Comissão de Direito Eleitoral da OAB/AL entende que a segurança jurídica e a previsibilidade são valores importantes para o Estado Democrático de Direito, mas não podem sobrepor-se à necessidade de proteger o eleitorado e as instituições democráticas contra candidatos com histórico comprovado de práticas ilícitas. O desafio é encontrar o equilíbrio adequado entre esses princípios”.
Mais lidas
-
1True Crime
Real ou imaginação! Quem foi Adeline na história de Ed Gein?
-
2Emissão
Cartórios de Alagoas passam a emitir a nova Carteira de Identidade Nacional a partir desta quarta-feira
-
3Demência frontotemporal
Esposa de Bruce Willis sobre doença do astro: 'Longo adeus'
-
4Valores
Cooperativas mirins constroem hoje o mundo melhor de amanhã
-
5Contrato encerrado
Globo suspende transmissão para Gazeta