Política

Movimentos se solidarizam com defensor

Em nota, entidade afirma que “verdade sobre destruição de Maceió não será enterrada sob manobras de bastidores”

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 13/06/2025 09h59
Movimentos se solidarizam com defensor
Mineradora não queria que acordo criasse precedente de ser estendido aos demais moradores, diz Melro - Foto: Edilson Omena

Lideranças de movimentos em defesa das vítimas do afundamento do solo em Maceió se manifestaram, ontem, nas redes sociais, em solidariedade ao defensor público estadual Ricardo Melro. Em entrevista à Tribuna Independente, ele acusa a Braskem de tentar silenciar a Defensoria Pública Estadual (DPE).

Tudo porque, em uma petição encaminhada ao juiz da 3ª Vara da Justiça, a mineradora reclamou da Defensoria de ter “quebrado o sigilo” por ter revelado um acordo com moradores do bairro do Farol, que foram indenizados porque tiveram suas residências destruídas durante as chuvas de maio, em Maceió.

A mineradora não gostou que Defensoria divulgou o acordo, que ela queria manter no anonimato. Mesmo não aceitando essa condição e deixando isso bem claro nas tratativas com os advogados da mineradora, a DPE foi acusada de “litigância de má fé”. A reclamação foi acostada aos autos da ação civil pública que tramita na Justiça Federal.

Para o defensor público Ricardo Melro, na verdade, a mineradora ficou com receio que, ao ser revelado, o acordo criasse um precedente, com possibilidade de ser estendido aos demais moradores das bordas da área de risco. “O que a empresa deseja ocultar é que age com dois pesos e duas medidas: paga o valor justo quando exposta; empurra migalhas quando controla a narrativa”, comentou Melro.

Segundo ele, tanto a Defensoria como os beneficiados desse acordo tinham renunciado ao sigilo, de forma explícita. Mesmo assim, a empresa encaminhou a petição à Justiça dizendo que as partes tinham aceitado o sigilo. A Braskem sabia que isso não era verdade, mas fez a reclamação e ainda cobrou punição para a DPE.

“Portanto, a Braskem não cometeu um equívoco. Ela mentiu ao juízo”, escreveu o defensor, na manifestação de revisão de danos. “Mentira deslavada. E, pior: premeditada”, enfatizou Melro. Se a empresa quiser contestá-lo, ele mostra as imagens das mensagens trocadas com a advogada da mineradora, durante as tratativas do acordo.

“Desafio a Braskem e seus patronos a negarem que a petição anexada foi elaborada por seus advogados. Se o fizerem, temos os prints das conversas com advogados, comprovando a autoria, o conteúdo e o acordo entre as partes”, afirmou o defensor. Até então, Defensoria e Braskem concordaram expressamente que o sigilo seria retirado.

Por isso, o defensor se disse surpreso quando teve acesso à petição da Braskem dizendo que o acordo seria sigiloso. Além disso, a mineradora teria mentido também sobre a natureza do acordo com os moradores indenizados.

“A empresa sustenta, na sua petição, que a indenização paga no acordo do dia 24 de maio, ‘ao contrário do que alega a DPE’, o valor não seria uma simples indenização por dano moral, mas sim uma compensação financeira para resolver toda e qualquer controvérsia possível em relação ao objeto do acordo”, explicou.

DANOS MORAIS

“Outra mentira! O acordo foi celebrado no âmbito de ação judicial individual de danos morais. Toda a negociação, conduzida diretamente entre este Defensor Público e a advogada Daniela, da Braskem, teve como objeto exclusivo a reparação individual pelos danos morais”, completa o defensor, revelando detalhes do acordo:

“Com o objetivo de resolver integralmente, com exame de mérito, a lide materializada nestes autos, ajustam as partes que a 2ª acordante [Braskem] para aos primeiros acordantes [moradores] a quantia fixa, global e irreajustável de R$ 211 mil, sendo R$ 200 mil por danos morais, R$ 5 mil de auxílio desocupação e R$ 6 mil de ajuda de aluguel”.

Os moradores beneficiados, que residiam na Ladeira do Trovão, no Farol, são: Marco Antônio de Melo, Sivaneide Lourenço da Silva, Marcelo Thomás Santos de Melo e Thales Matheus Santos de Melo, já qualificados nos autos, sendo um deles menor de idade.

Coordenador do MUVB (Movimento Unificado das Vítimas da Braskem), Cássio Araújo, defende o trabalho realizado por Ricardo Melro (Foto: Sandro Lima)

Em nota, integrantes do MAM dizem que a verdade não será soterrada

Em nota, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) disse que “é inadmissível qualquer tentativa de silenciar ou deslegitimar a Defensoria Pública de Alagoas, que atua com base em princípios constitucionais, em defesa dos direitos coletivos e individuais da população atingida pelo crime da Braskem, especialmente a que se encontra nas bordas do mapa, como Flexais, Marques de Abrantes, Bom Parto, Vila Saem e Pinheiro. A verdade sobre a destruição de Maceió não será enterrada sob discursos jurídicos adornados nem sob manobras de bastidores”.

“MAM não poderia ficar inerte a mais essa prepotência da Braskem que, por meio de seus advogados, tentou calar uma das poucas autoridades de Alagoas que enfrentam a toda poderosa”, acrescentou a bióloga Neirevane Nunes, integrante do MAM.

Para o coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Cássio Araújo, o trabalho do defensor Ricardo Melro e dos demais integrantes da Defensoria, além de importante e necessário, é digno dos maiores elogios, em se tratado do combate às injustiças e aos crimes praticadas pela Braskem.

O presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Braskem, Alexandro Sampaio, também se manifestou nas redes sociais, não só se solidarizando com o defensor público, mas lembrando que não é de hoje que a mineradora usa a mentira como escudo para tentar camuflar seus crimes contra as pessoas e o meio ambiente.

Também nas redes sociais, o professor Dilson Ferreira, do curso de Arquitetura da Ufal, disse que “o sigilo em acordos como esse afasta o controle social, enfraquece a democracia e viola o direito da população atingida de saber como está se dando as indenizações”.

Para ele, a transparência é não só um dever legal, mas uma exigência moral diante de uma tragédia dessa magnitude. “Por isso, todos envolvidos que ficaram contra o povo e transformaram isso em um negócio serão julgados pela História”, sentenciou.

Para Ricardo Melro, “quando a verdade ameaça, a Braskem pede sigilo”

Para o defensor público estadual Ricardo Melro, “quando a verdade ameaça, a Braskem pede sigilo”. Foi assim com o acordo que firmou, na área 01, por danos morais individuais com vítimas da tragédia no Farol, na divisa com o Bom Parto. Pagou R$ 200 mil – R$ 50 por pessoa, reconhecendo, por escrito e por mensagens da própria advogada — que era indenização por sofrimento moral. Está tudo documentado. Tudo claro.

“A Defensoria juntou esse acordo na ação coletiva de revisão dos danos morais, para mostrar o óbvio: o Plano de Compensação Financeira (PCF) foi ilegal, e quando interessa, a Braskem paga corretamente. Quando controla, impõe migalhas. Mas agora tenta esconder esse precedente e calar a Defensoria”, argumentou Melro.

Segundo ele, a mineradora pediu ao juiz que retirasse o acordo dos autos. “Ou, ao menos, que impusesse sigilo. Disse, com falsa piedade, que era ‘para proteger os beneficiários’. Mentira! Eles mesmos renunciaram formalmente ao sigilo. E a própria empresa havia redigido petição para retirar o sigilo — mas nunca juntou aos autos”.

O defensor disse ainda que a Braskem, por meio de seis advogados, “alegou que a indenização era ‘global’. Não é verdade. O acordo foi exclusivamente por dano moral. Está no texto. Está nas mensagens [entre a advogada da mineradora e ele]”.

Melro disse ainda que a mineradora alegou que se tratava de um caso “excepcional”, por causa da chuva. “Excepcional é o colapso de Maceió. É remover 60 mil pessoas. É só pagar certo quando lhe convém”.

Não obstante, a empresa ainda acostou aos autos uma petição reclamando da iniciativa da DPE. “E num gesto cínico, a Braskem ainda pediu que a Defensoria fosse multada por má-fé. Mas quem mente? Quem omite?”, questionou, para depois responder: “A Braskem mente na vírgula. Mente no pingo do ‘i’. E por isso deve ser condenada”.

Para Melro, “a verdade é uma só: quem sofre é a pessoa, não o imóvel. Sofre-se no medo, na dignidade ferida, na memória arrancada, na paz roubada”.

Por isso – acrescenta o defensor – “a Braskem quer o silêncio. Não para proteger vítimas. Mas para proteger a si mesma. Porque, se descoberto que ela admite que dano moral é individual, o modelo do PCF [Plano de Compensação Financeira, usado para indenizar as vítimas do afundamento solo] colapsa”.

Por fim, Melro encerra a análise da tentativa de silenciamento da Defensoria, com uma frase enigmática do filósofo grego Platão “a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”.

Na opinião do defensor, “uma tragédia dessa magnitude não se enfrenta com silêncio, com sigilo ou com acordos à meia-luz. Enfrenta-se com verdade. Com coragem. Com luz plena. Com respeito absoluto à dor — singular, irrepetível — de cada vítima”.