Política
Deputado vota a favor da “PEC do Estupro”
Proposta avança na Câmara e proíbe aborto mesmo decorrente de casos de estupro
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (27), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que proíbe o aborto em qualquer circunstância no Brasil, mesmo nos casos atualmente permitidos pela legislação, como gravidez decorrente de estupro, anencefalia do feto ou risco de vida para a gestante. A proposta recebeu 35 votos favoráveis e 15 contrários e ainda será analisada por uma comissão especial antes de seguir para votação nos plenários da Câmara e do Senado. Na Câmara, a proposta já recebeu denominações de “PEC do Estupro e PEC do Aborto”.
Entre os deputados que votaram a favor está Alfredo Gaspar (União Brasil), de Alagoas, que justificou sua posição como um compromisso com a defesa da vida desde a concepção.
“Na minha trajetória, sempre defendi as pautas que resguardam os direitos e proteção das mulheres, assim como a vida. Tenho vários projetos propostos na Câmara, um deles o PL 2322/2023, que propõe a castração química para estupradores. Além do PL 821/2023, que prevê a prisão preventiva para homens que ameaçam mulheres no contexto de violência doméstica e o PL 1561/2023, que amplia a pensão especial para todos os filhos de mulheres vítimas de violência, que resultaram em morte, oferecendo suporte financeiro para órfãos em situações de vulnerabilidade. Em relação a PEC, votei a favor por entender a importância da proteção da vida desde a concepção. As discussões sobre o tema vão ser aprofundadas na Comissão Especial e teremos a oportunidade de aprofundarmos as balizas dessa temática importantíssima”, afirmou o parlamentar à Tribuna Independente.
Entretanto, a proposta tem enfrentado forte resistência. A advogada Andrea Alfama, especialista em direito de família e violência contra a mulher, criticou duramente a aprovação da PEC. Para ela, a medida é inconstitucional e fere direitos fundamentais das mulheres, além de desconsiderar o contexto de violência que muitas enfrentam.
“Esse projeto já nasce morto, na minha opinião, por ser inconstitucional. Ele afronta tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, afronta a dignidade humana e coloca a mulher vítima de estupro como criminosa”, destacou a advogada em contato com a Tribuna.
Andrea Alfama chamou a atenção para o desequilíbrio das penas caso a PEC seja aprovada. “Enquanto a pena de um estuprador vai de 6 a 8 anos, uma mulher que optar por interromper uma gravidez decorrente de estupro pode responder por homicídio. É razoável isso? Há equilíbrio numa situação dessas? Não vejo. Isso é uma prática medieval e uma tortura psicológica contra as mulheres”, argumentou.
A advogada também criticou o impacto social e psicológico da medida, especialmente em relação às crianças vítimas de violência sexual.
“Como é que você dorme de consciência tranquila sabendo que ajudou a aprovar uma lei que vai obrigar uma criança vítima de estupro a seguir com uma gravidez? Isso é uma sequência de violências contra mulheres e meninas. Já é difícil lidar com a primeira violência, que é o estupro, e o Estado vai perpetrar a segunda, obrigando a vítima a continuar uma gravidez fruto dessa violência”, afirmou, visivelmente indignada.
Advogada
“Parlamentares não se preocupam com as mulheres”
Para a advogada Andrea Alfama, a “PEC do Estupro”, que está avançando na Câmara dos Deputados, reflete uma tentativa de controle sobre os corpos das mulheres e uma imposição de pautas religiosas sobre o Estado laico.
“Esses deputados não estão preocupados com o bem-estar das mulheres no Brasil. Eles querem fazer proselitismo para suas bases eleitorais e impor sua moral religiosa à sociedade. Isso não é legislar para um Estado laico, é retirar direitos conquistados e avançar com pautas retrógradas e reacionárias”, declarou.
A advogada também acredita que, caso a PEC seja aprovada pelo Congresso, ela enfrentará barreiras no Supremo Tribunal Federal (STF). “Se esse projeto passar em dois turnos e seguir, ele será derrubado no STF por ser manifestamente inconstitucional. Viola tratados internacionais e a própria dignidade da pessoa humana. É um retrocesso que não pode prosperar”, pontuou.
A PEC
A proposta foi apresentada em 2012 pelo ex-deputado Eduardo Cunha e busca alterar o artigo 5º da Constituição Federal, garantindo a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”. Na prática, isso proibiria o aborto em qualquer circunstância, incluindo as exceções hoje previstas em lei.
Atualmente, o Código Penal autoriza o procedimento em três situações: risco de vida para a mulher, anencefalia do feto e gravidez resultante de estupro. Especialistas alertam que a aprovação da PEC representaria um grave retrocesso nos direitos reprodutivos e um desafio ao equilíbrio entre saúde pública e proteção aos direitos fundamentais das mulheres.
Agora a proposta será encaminhada para apreciação de uma comissão especial a ser criada e só irá a votação no plenário se for pautada pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Para aprovar uma PEC no plenário da Câmara são necessários, pelo menos, 308 votos favoráveis. Se isso acontecer o texto ainda terá de passar pelo Senado.
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