Política

Congresso pode mudar lei sobre prisão especial

Supremo Tribunal Federal derruba prisão especial para quem tem curso superior e debate passa por parlamentares

Por Thayanne Magalhães com Tribuna Independente 11/04/2023 09h52
Congresso pode mudar lei sobre  prisão especial
Advogado criminal Leonardo de Moraes repercutiu decisão do Supremo - Foto: Assessoria

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, no final do mês de março, um dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que garante a formados em cursos superiores o direito de ficarem presos, provisoriamente, em celas especiais. Os ministros julgaram, no plenário virtual, uma ação protocolada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2015 que questionou o benefício previsto no Código de Processo Penal.

Para o advogado criminalista e presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de Alagoas (CAA/AL), Leonardo de Moraes, a mudança acerca da prisão especial é esperada, porém, a sua revogação não deve acontecer por interpretação do STF.

“A mudança da prisão especial é uma mudança que seria necessária para não diferenciar a prisão de pessoas comuns da de pessoas que possuem curso superior. É até normal que ela venha acontecer. O problema é haver a sua modificação, a sua revogação, por interpretação do STF. Por que digo isso? Existe uma lei que diz, no Código de Processo Penal, que as pessoas que possuem curso superior têm o direito, portanto, à prisão especial. Se existe uma lei, não é o Supremo que vai derrubar esse direito por meio de interpretação. Será necessário que a existência de uma nova lei, feita pelo Congresso Nacional, revogando a lei anterior, e acabasse então com a prisão especial. Esse é um ponto”, explica o especialista.

Leonardo de Moraes explica ainda que o fim da prisão especial pelo Supremo, não exclui outras prisões especiais para algumas autoridades, a exemplo do presidente do Congresso Nacional, deputados federais, senadores da República, deputados estaduais, magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e também advogados.

“Esse é o outro ponto. Algumas dessas categorias, como acontece com a advocacia, se tem o direito de ficar em sala de Estado Maior, em alguma dependência da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Exército, Aeronáutica ou Marinha enquanto fosse preso provisoriamente. Enquanto houvesse prisão preventiva ou temporária, deve-se ficar nesses locais. Portanto, o fim da prisão especial para quem tem curso superior, não exclui outras formas de prisão especial para outras categorias”, concluiu.

Juiz enaltece decisão do STF e defende condições dignas para os reeducandos

Na opinião do juiz Alexandre Machado, da Vara de Execuções Penais, o grande problema de toda essa discussão é que a solução de Aristóteles de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais é insuficiente, pois ela enseja outras perguntas: quem são os iguais e quem são os desiguais? E que tipo de desigualdade faculta a discriminação de pessoas e situações?

“Para essas duas perguntas surgem diferentes respostas, a depender da situação. O Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre o grau de instrução, decidindo que ele não justifica a discriminação de pessoas. Como juiz da Execução Penal, fico feliz que estejamos avançando neste sentido”, opina o magistrado.

À Tribuna, o juiz Alexandre Machado reforça a necessidade de se fortalecer um debate em providenciar condições dignas para pessoas que estão privadas de liberdade.

“A distinção entre presos pelo grau de instrução contraria o princípio da isonomia e não encontra abrigo na Constituição Federal. É importante que a gente discuta meios de providenciar condições dignas a todas as pessoas em situação de privação de liberdade, não a manutenção de privilégios de pessoas que, diferente da grande massa que compõe a população carcerária alagoana, atualmente com 4.600 reeducandos, não tiveram acesso efetivo ao direito à educação”, continua o juiz.

Por outro lado, segundo o magistrado, é necessário que se mantenha a cautela no sentido de separar os reeducandos, a depender da natureza do delito cometido e do seu nível de periculosidade. “Existem reeducandos que, a depender da profissão que exercem ou tenham exercido, não podem ficar juntos com outros reeducandos. É o caso dos policiais, advogados e promotores de justiça, por exemplo. O tratamento distinto a algumas carreiras encontra justificativa, não no nível de instrução, mas na vulnerabilidade de alguns grupos dentro do sistema prisional, o que aponta para uma discriminação juridicamente tolerável”, explica.

Para o juiz, é necessária a verificação da existência de justificativa racional para a atribuição de tratamento jurídico diferenciado e se esta diferenciação encontra abrigo no ordenamento jurídico constitucional.

“Isso abre para uma discussão mais ampla que toca na prisão especial em razão do cargo e o próprio foro por prerrogativa de função. Entendo que devemos avançar nesta discussão para alcançar a prisão especial em razão do cargo e o foro por prerrogativa de função, pois, ao meu sentir, não é um critério legitimamente manipulável a autorizar tratamento jurídico distinto, sem agravo à isonomia”, opina o magistrado. 

Alagoas tem 20 pessoas presas que são portadoras de diploma

Em Alagoas, hoje, o sistema prisional possui 20 reeducandos no módulo especial. Para o juiz da Vara de Execuções Penais de Alagoas, Alexandre Machado, é importante lembrar que o Código de Processo Penal beneficiava os portadores de diploma de qualquer faculdade do país com prisão provisória em um local distinto dos demais presos, até a condenação definitiva.

ARGUMENTOS NO STF

Relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes concordou que a norma é inconstitucional e fere o princípio da isonomia. Em seu voto, o ministro afirmou que não há justificativa para manter um benefício que, segundo ele, transmite a ideia de que presos comuns não se tornaram pessoas dignas de tratamento especial por parte do Estado.

“A norma impugnada não protege uma categoria de pessoas fragilizadas e merecedoras de tutela, pelo contrário, ela favorece aqueles que já são favorecidos por sua posição socioeconômica.”
“Embora a atual realidade brasileira já desautorize a associação entre bacharelado e prestígio político, fato é que a obtenção de título acadêmico ainda é algo inacessível para a maioria da população brasileira”, diz Moraes.

Para o ministro, “a extensão da prisão especial a essas pessoas caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal, e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei”, escreveu.

Em seu voto, o ministro afirmou que não há justificativa para manter um benefício que, segundo ele, transmite a ideia de que presos comuns não se tornaram pessoas dignas de tratamento especial por parte do Estado.

O voto de Moraes foi seguido por todos os ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal.