Política

“Michel Temer desmobilizou a sociedade”

Para cientista política Luciana Santana, acomodação da esquerda após eleição de Lula também explica letargia

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 28/10/2017 09h39
“Michel Temer desmobilizou a sociedade”
Reprodução - Foto: Assessoria

Os últimos catorze meses têm sido de muita turbulência política. O período em que o país passou a ser governado por Michel Temer (PMDB) é repleto de denúncias e escândalos de corrupção, inclusive envolvendo o próprio presidente da República. Mesmo assim, as mobilizações nas ruas brasileiras cessaram ou se tornaram incipientes. Não há mais aquele clamor em passeatas e panelas sendo batidas sempre ao se noticiar mais um caso de usurpação por parte dos detentores de mandatos públicos. A Tribuna Independente conversou com a cientista política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Luciana Santana sobre esse fenômeno. Para ela, entre os principais fatores estão na atual agenda governamental que atende aos interesses da elite econômica e num processo de acomodação da esquerda após a eleição de Lula em 2013.

Tribuna Independente – Tivemos há pouco tempo grandes mobilizações de rua que se diziam contrários à corrupção e, de repente, parou. Até mesmo dos setores ligados à esquerda. Qual a sua avaliação disso, por que não tem mais gente protestando na rua hoje no Brasil como há pouco tempo?

Luciana Santana – Em relação aos movimentos à direita, aqueles que tiveram maior importância durante o processo de impeachment – inclusive eles tiveram importância decisiva em relação ao comportamento dos parlamentares – se explica muito porque houve mudança de posicionamento do governo. Se a gente pega as pautas, em comparação ao período com a Dilma [Rousseff, PT] e agora, a gente percebe que existe mudança e muitas dessas propostas atuais atendem a determinados segmentos que estavam por trás das manifestações [impeachment]. São grupos empresariais, bancada ruralista... Se a gente pega e analisa a fundo as propostas, a gente vê certa coerência também com o que pensam esses grupos. Isso explica um pouco esse tipo de comportamento e também é possível perceber que a preocupação maior daquelas manifestações não era o combate à corrupção, e sim um questionamento de posicionamento político contrário ao que defendia a Dilma e o PT.

Tribuna Independente – Está muito claro o fato de que aquelas manifestações não eram contra a corrupção?

Luciana Santana – Você pode acompanhar todo o comportamento desses movimentos tanto quanto o que está se vendo no cenário nacional. Os principais atores do governo Temer, no Executivo e no Legislativo, estão envolvidos em escândalos de corrupção. E com casos explícitos, com materialidade em relação ao envolvimento desses atores. Há processos tramitando. Há políticos que tiveram presença importante no processo de impeachment que estão presos, como o Eduardo Cunha [PMDB] que, eu diria, foi o principal responsável desde o primeiro momento ao aceitar o processo em 2015. A gente tem fatos concretos da existência de corrupção, inclusive nos grupos que tinham simpatia dos grupos que fizeram aquelas manifestações. Eu acredito que existia uma crítica muito séria em relação ao governo Dilma, o que é legítimo que exista porque todos os governos precisam ter oposição para serem mais responsivos à população. É importante haver dissenso na sociedade. Essa crítica se mostrou claramente nas eleições de 2014 quando Dilma venceu por margem bem apertada. Além disso, houve problemas sérios no governo Dilma em relação à condução da base de apoio...

Tribuna Independente – O que houve de mais problemático nessa relação?

Luciana Santana – A plataforma de governo durante a campanha eleitoral de 2014 foi praticamente negada, desde o primeiro momento. Principalmente no que diz respeito às questões econômicas. Na campanha não ficou claro a perspectiva de uma eventual crise econômica e isso era aventado nos bastidores por economistas que, independente de quem fosse o governo, a partir de 2015 enfrentaria uma crise econômica séria. Tinha já fatores internos que indicavam isso, como também uma conjuntura internacional desfavorável. A campanha da Dilma não deixou claro isso. E quando ela assumiu o mandato em janeiro de 2015 teve de enfrentar esse problema, esse desgaste.

Tribuna Independente – A senhora falou em desgaste da Dilma, mas o Michel Temer, segundo as recentes pesquisas, possui impopularidade alta. Sua aprovação tem índice de margem de erro, mesmo assim isso não é suficiente para fazer os parlamentares a sequer permitir que ele seja investigado...

Luciana Santana – Existe um discurso hoje que é difícil de ser engolido pela sociedade: ‘É melhor agora mantê-lo para ter estabilidade. É preferível aguentar até 2018 com essa suposta estabilidade econômica, com essa suposta melhoria nos indicadores econômicos, do que criar uma nova crise’. Estabilidade para quem? É preciso entender como funciona a política no âmbito da relação entre Executivo e Legislativo. Isso está ficando muito explícito a cada votação que acontece no Congresso Nacional, que tem foco maior por parte da imprensa. A gente teve vários casos, desde que o Temer assumiu. Reformas impopulares, como a trabalhista, por exemplo. Esses processos de apuração em relação à conduta de determinados políticos, inclusive o presidente. A gente consegue perceber como funciona o jogo político. Existe uma barganha muito grande entre esses atores políticos que não existia com a Dilma. Essa força que o Temer tem hoje dentro do parlamento, mesmo reduzido um pouco agora depois das denúncias, vem da possibilidade de barganha, de troca, que era praticamente impossível de acontecer com a Dilma. Ou acontecia numa escala muito menor.

Tribuna Independente – Falando do outro lado agora. O Temer tem implantado uma série de medidas impopulares, mas que agradam a elite, porém nem isso tem feito com que os setores atingidos por essas medidas se mobilizem. Porque há essa letargia?

Luciana Santana – Na verdade, não tenho resposta pronta para isso. Até gostaria de investigar, pesquisar como a população está absorvendo isso [medidas do governo Temer]. Uma coisa é a gente ter uma percepção, ela avalia mal o governo. Mas tentar identificar o motivo de não reivindicar... Tenho algumas hipóteses, que tem a ver com a própria conjuntura dos movimentos e os partidos de esquerda no Brasil. A gente teve 13 anos de governos de esquerda, ou de centro-esquerda. Partidos ou grupos que passam muito tempo no poder sofrem desgaste natural. Administração na política acaba favorecendo isso. Se a gente pega desde 2003, quando Lula assumiu, a gente vinha tendo um comportamento da esquerda de mais acomodação. Já não tinha os sindicatos com força, em greves, manifestações. Claro que a conjuntura era mais favorável do ponto de vista econômico. Essa acomodação contribuiu para o processo de desorganização desses movimentos sociais e das instituições representativas de esquerda. Perdeu-se a oportunidade de criar canais de maior mobilização. Imagine o desgaste que é se apresentar como filiado ao PT, por exemplo. É enorme. Por quê? Porque desde 2013 começou a consolidar um processo anti-PT muito grande no Brasil. Nisso se leva junto o PCdoB, o PDT... As pessoas se identificarem ficou mais constrangedor, eu diria. Então, acaba se comprando muito esse discurso de que os partidos  e os movimentos são todos iguais. Também tem muito de como a mídia focou esse desgaste que o PT sofreu nos últimos anos.