Política
Possível "devassa" contra Fachin é "própria de ditaduras", diz Carmem Lúcia
Segundo a revista "Veja", o presidente Michel Temer acionou a Abin para encontrar informações sobre relator da Lava Jato
A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia, divulgou nota neste sábado (10), em tom grave, mostrando indignação com a possibilidade de a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) estar investigando o ministro relator da Lava Jato, Luiz Edson Fachin.
Na nota, Cármen Lúcia disse que a possível "devassa" contra o ministro é "própria de ditaduras". A presidente do STF também acrescentou que a Corte repudia, com veemência, "espreita espúria, inconstitucional e imoral contra qualquer cidadão e, mais ainda, contra um de seus integrantes, mais ainda se voltada para constranger a Justiça."
"Própria de ditaduras, como é esta prática, contrária à vida livre de toda pessoa, mais gravosa é ela se voltada contra a responsável atuação de um juiz, sendo absolutamente inaceitável numa República Democrática, pelo que tem de ser civicamente repelida, penalmente apurada e os responsáveis exemplarmente processados e condenados na forma da legislação vigente."
Segundo a colunista do G1 e da GloboNews Cristiana Lôbo, o presidente Michel Temer telefonou para Cármen Lúcia na manhã deste sábado para dizer a ela que não pediu à Abin que investigasse Fachin.
Também neste sábado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou com veemência sobre "suposta utilização do aparato estatal para desmerecer um membro da mais alta Corte do país".
"A se confirmar tal atentado aos Poderes da República e ao Estado Democrático de Direito, ter-se-ia mais um infeliz episódio da grave crise de representatividade pela qual passa o país. Em vez de fortalecer a democracia com iniciativas condizentes com os anseios dos brasileiros, adotam-se práticas de um Estado de exceção."
As reações de Cármen Lúcia e Rodrigo Janot se referem à reportagem publicada pela revista "Veja", segundo a qual o Palácio do Planalto teria colocado a Abin para obter informações sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, relator da investigação sobre o presidente Temer. O Planalto desmentiu nesta sexta à noite a informação, em nota.
"O presidente Michel Temer jamais 'acionou' a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para investigar a vida do Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, como publicado hoje [sexta, 9] pelo site da revista Veja. O governo não usa a máquina pública contra os cidadãos brasileiros, muito menos fará qualquer tipo de ação que não respeite aos estritos ditames da lei", disse a Presidência.
A investigação da Abin
Segundo a "Veja", a investigação da Abin, em curso há alguns dias, já teria encontrado indícios de que Fachin voou no jatinho da JBS. De acordo com um auxiliar do presidente que não quis se identificar, acrescenta a revista, Fachin usou a aeronave nos dias que antecederam a sabatina no Senado, em 2015.
Ainda de acordo, com a revista, em campanha para conseguir apoio entre os senadores para a indicação dele ao STF, Fachin esteve em Brasília num jantar sigiloso com Renan Calheiros. Segundo a "Veja", o contato foi intermediado por Ricardo Saud, então diretor da JBS, hoje um dos delatores da Lava Jato.
No fim desse jantar, diz a revista, Fachin e Saud seguiram para o aeroporto de Brasilia, onde o indicado ao STF embarcou no jato de Joesley para Curitiba.
Segundo "Veja", o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, foi acionado por auxiliares de Temer para obter provas desta viagem. A Abin, subordinada ao GSI, está rastreando, de acordo com a revista, os voos realizados em 2015 pelos aviões registrados em nome do grupo JBS, além de todos os pousos e decolagens na rota Brasília-Curitiba.
A informação, segundo a revista, é para constranger o ministro e insinuar que ele só homologou a delação em termos "tão favoráveis" ao dono da JBS porque lhe deve favores.
Com essas informações, diz a "Veja", o governo quer defender que Fachin deixe a relatoria da Lava Jato no STF.
Entidades reagem
Neste sábado, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação de Juízes Federais (Ajufe) divulgaram notas para condenar a possível invetigação sobre Fachin.
A Ajufe, por exemplo, manifestou "absoluta repulsa a tentativas de obstrução da Justiça e de enfraquecimento do Poder Judiciário."
"Em um Estado Democrático de Direito é inadmissível que pessoas investigadas, por exercerem cargos públicos detentores de poder, se utilizem de agentes e recursos públicos para inviabilizar a apuração de fatos graves envolvendo desvio de dinheiro público."
A OAB, por sua vez, disse que, se confirmada a denúncia da revista "Veja", o país estará diante de um "ataque" ao Estado Democrático de Direito". Para a entidade, não se pode aceitar que o STF seja "vítima de arapongagem política".
"O Estado Policial, próprio de ditaduras, sempre foi e sempre será duramente combatido pela OAB, em qualquer de suas dimensões, e, mais grave ainda, quando utilizado por órgão de investigação estatal com o fito de constranger juízes da Suprema Corte e subverter a ordem jurídica."
Íntegra
>>> Leia abaixo a íntegra da nota da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF:
NOTA OFICIAL
"É inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo Tribunal Federal, contra a Democracia e contra as liberdades, se confirmada informação de devassa ilegal da vida de um de seus integrantes.
Própria de ditaduras, como é esta prática, contrária à vida livre de toda pessoa, mais gravosa é ela se voltada contra a responsável atuação de um juiz, sendo absolutamente inaceitável numa República Democrática, pelo que tem de ser civicamente repelida, penalmente apurada e os responsáveis exemplarmente processados e condenados na forma da legislação vigente.
O Supremo Tribunal Federal repudia, com veemência, espreita espúria, inconstitucional e imoral contra qualquer cidadão e, mais ainda, contra um de seus integrantes, mais ainda se voltada para constranger a Justiça.
Se comprovada a sua ocorrência, em qualquer tempo, as consequências jurídicas, políticas e institucionais terão a intensidade do gravame cometido, como determinado pelo direito.
A Constituição do Brasil será cumprida e prevalecerá para que todos os direitos e liberdades sejam assegurados, o cidadão respeitado e a Justiça efetivada.
O Supremo Tribunal Federal tem o inasfastável compromisso de guardar a Constituição Democrática do Brasil e honra esse dever, que será por ele garantido, como de sua responsabilidade e compromisso, porque é sua atribuição, o Brasil precisa e o cidadão merece.
E, principalmente, porque não há outra forma de se preservar e assegurar a Democracia.
Brasília, 10 de junho de 2017.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Presidente do Supremo Tribunal Federal
>>> Leia abaixo a íntegra da nota do procurador-geral da República, Rodrigo Janot:
Nota do procurador-geral da República
É com perplexidade que se toma conhecimento de suposta utilização do aparato estatal para desmerecer um membro da mais alta corte do país, que tem pautado sua atuação com isenção e responsabilidade.
A se confirmar tal atentado aos Poderes da República e ao Estado Democrático de Direito, ter-se-ia mais um infeliz episódio da grave crise de representatividade pela qual passa o país. Em vez de fortalecer a democracia com iniciativas condizentes com os anseios dos brasileiros, adotam-se práticas de um Estado de exceção.
Há uma colossal diferença entre investigar dentro dos procedimentos legais, os quais preveem garantias aos acusados, e usar o aparato do Estado para intimidar a atuação das autoridades com o simples fito de denegrir sua imagem e das instituições a qual pertencem.
O desvirtuamento do órgão de inteligência fragiliza os direitos e as garantias de todos os cidadãos brasileiros, previstos na nossa Constituição da República e converte o Estado de Direito, aí sim, em Estado Policial.
O Ministério Público Brasileiro repudia com veemência essa prática e mantém seu irrestrito compromisso com o regime democrático e com o cumprimento da Constituição e das leis.
>>> Leia abaixo a íntegra da nota do Palácio do Planalto:
Nota à imprensa
O presidente Michel Temer jamais “acionou” a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para investigar a vida do Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, como publicado hoje pelo site da revista Veja. O governo não usa a máquina pública contra os cidadãos brasileiros, muito menos fará qualquer tipo de ação que não respeite aos estritos ditames da lei.
A Abin é órgão que cumpre suas funções seguindo os princípios do Estado de Direito, sem instrumentalização e nos limites da lei que regem seus serviços.
Reitera-se que não há, nem houve, em momento algum a intenção do governo de combater a operação Lava Jato.
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República
>>> Leia abaixo a íntegra da nota da Ajufe:
NOTA PÚBLICA
A AJUFE - Associação dos Juízes Federais do Brasil, entidade de classe de âmbito nacional da magistratura federal, considerando posicionamento da Presidente do STF contra possível estratégia para constranger a Suprema Corte e seus Ministros, em especial o relator da operação Lava Jato, com a utilização de agências governamentais de espionagem, vem manifestar sua mais absoluta repulsa a tentativas de obstrução da Justiça e de enfraquecimento do Poder Judiciário.
Em um Estado Democrático de Direito é inadmissível que pessoas investigadas, por exercerem cargos públicos detentores de poder, se utilizem de agentes e recursos públicos para inviabilizar a apuração de fatos graves envolvendo desvio de dinheiro público.
A estratégia de constranger magistrados com ataques à honra pessoal, colocando órgãos públicos a esse serviço, é típico de regimes totalitários.
Esse tipo de comportamento é inaceitável, demonstrando que as pessoas que intentam utilizá-lo não possuem meios adequados para proceder à sua defesa, e resolvem partir para o desespero, pondo em risco as instituições republicanas e democráticas.
No Brasil, a corrupção se tornou endêmica e precisa ser enfrentada com os meios constitucionais à disposição do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia. Tentar impedir esse trabalho com ameaças e constrangimentos somente faz agravar mais uma crise, que é causada por aqueles que dilapidaram os bens públicos e não por quem é encarregado de investigar e julgar os portadores de foro especial.
A sociedade brasileira está cansada e aviltada com tanto desvio de dinheiro público e não permitirá que o processo de depuração e limpeza pelo qual passam as Instituições seja barrado por práticas políticas imorais ou que impliquem represálias a Magistrados.
A AJUFE defende que a operação Lava Jato, em todas as instâncias do Judiciário e em particular no Supremo Tribunal Federal, a cargo do ministro Edson Fachin, não pode ser estancada, a fim de que todos os responsáveis pela corrupção sejam identificados e levados a julgamento.
Brasília, 10 de junho de 2017
Roberto Carvalho Veloso
Presidente da Ajufe
>>> Leia a íntegra da nota da OAB:
A OAB repudia, com veemência, qualquer investigação ilegal contra ministro do Supremo Tribunal Federal, especialmente quando articulada por agentes públicos que possuem o dever de salvaguardar o Estado de Direito.
O país passa por um momento de turbulência e crise. No entanto, um grande patrimônio conquistado nas últimas décadas é a solidez da nossa democracia e de nossas instituições. Não podemos deixar que um momento de instabilidade provoque prejuízos permanentes. É preciso preservar as instituições e a lei, sob pena de termos retrocessos nos valores democráticos e republicanos que asseguram a continuidade e o desenvolvimento do Estado brasileiro.
O Estado Policial, próprio de ditaduras, sempre foi e sempre será duramente combatido pela OAB, em qualquer de suas dimensões, e, mais grave ainda, quando utilizado por órgão de investigação estatal com o fito de constranger juízes da Suprema Corte e subverter a ordem jurídica.
Se for confirmada a denúncia de que o presidente da República usa órgãos de Estado, como a Abin, para conduzir investigações políticas contra algumas autoridades, estaremos diante de um ataque direto ao Estado Democrático de Direito. Não podemos aceitar que o Supremo Tribunal Federal seja vítima de arapongagem política. É preciso esclarecer os fatos e, se as acusações forem confirmadas, punir os responsáveis, pois ninguém está acima das leis e da Constituição da República.
CLAUDIO LAMACHIA, presidente nacional da OAB.
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