Política
Procurador da República diz que "liberar caixa 2 é perdão a políticos"
Entendimento sobre projeto na Câmara Federal é do procurador Rodrigo Tenório
O Projeto de Lei que trata das 10 medidas de Combate à Corrupção propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) passou por graves alterações na Câmara dos Deputados. Uma delas, se aprovada, anistia a prática criminosa de caixa 2, inclusive com efeitos retroativos. Para comentar sobre a atual condição para o combate às irregularidades no âmbito político em tempos de operação Lava Jato e governos repletos de acusações de corrupção, a reportagem da Tribuna Independente entrevistou o procurador-chefe da Procuradoria da República em Alagoas, Rodrigo Tenório.
Tribuna Independente - O projeto que trata das 10 medidas de combate à corrupção passou por alterações Na Câmara dos Deputados. Quais as consequências destas mudanças?
Rodrigo Tenório – O ritmo da apresentação e de rejeição das emendas está frenético. Não se sabe, exatamente, quais mudanças foram ou serão feitas. Dentre as mudanças já consolidadas, estão a retirada dos capítulos relativos à ilicitude de provas e do teste de integridade. Ambos foram feitos com inspiração em modelos já adotados em democracias consolidadas como EUA, Reino Unido e Austrália. Essas mudanças, a meu ver, prejudicaram a evolução do combate à corrupção. No entanto, estão dentro do esperado no ambiente democrático de discussão. O que não é esperado é a mudança perniciosa divulgada pela imprensa de uma anistia ampla e irrestrita para crimes de lavagem e corrupção, ao que se costuma chamar de caixa 2. O delito de “caixa 2”, em específico, não está previsto na legislação penal. O que se prevê é a punição de outros crimes, como falsidade ideológica e material e lavagem de ativos. Acontece que a redação dada à emenda que circula hoje nos jornais é ampla demais, a ponto de permitir a interpretação de que crimes gravíssimos como corrupção e lavagem para financiamento de atividade partidária ou eleitoral poderiam ser anistiados. É equivocada a tese de alguns políticos de que não haveria maiores consequências nessa anistia de caixa 2 porque o crime não existe. Se uma anistia ampla como essa for aprovada, há o risco de ser adotada a interpretação de que delitos extremamente graves, cometidos por políticos, e apurados na “Lava-jato”, por exemplo, sejam perdoados.
Tribuna Independente - O Ministério Público Federal iniciou a campanha em 2015, mas o projeto só entrou em votação em novembro. A demora em debate causa prejuízos imediatos?
Rodrigo Tenório – A campanha de coleta das assinaturas começou no ano passado. Este ano, conseguimos mais de dois milhões de assinaturas que foram encaminhadas ao Congresso. Em Alagoas, mais de 15 mil pessoas assinaram. Instalou-se na Câmara comissão especial para analisar os projetos. Nela foram ouvidos mais de 100 especialistas; foram meses de debate e discussão. É razoável o prazo usado até agora para debater as medidas. Ainda é preciso passar pelo plenário da Câmara dos Deputados, pelo Senado e pela sanção presidencial.
Tribuna Independente - A expectativa do MPF era de que a lei entrasse em vigor ainda este ano?
Rodrigo Tenório – Não há expectativa disso. O projeto deve ser votado ainda na Câmara, no Senado e ser sancionado pelo presidente da República. Na prática, o combate à corrupção se tornará mais eficiente. Aumentarão os casos de recuperação de ativos e as condenações de criminosos de colarinho branco. A prescrição afetará menos casos que hoje. Houve criminalização do enriquecimento ilícito dos agentes públicos, o que é recomendado pela ONU e OEA. Haverá aumento da pena de corrupção e será considerada hedionda aquela acima de 10 milhões, o que impedirá que o corrupto nesse caso seja perdoado como acontece hoje, e dificultará a progressão de regime. As ações de improbidade terão maior celeridade. Os acordos penais deverão ser usados para resolver a grande maioria dos crimes de menor impacto. Foram estabelecidas regras de prestação de contas pelo Judiciário e pelo MP, o que servirá para reduzir a duração dos processos.
Tribuna Independente - Nas 12 medidas propostas pela Câmara dos Deputados, o que merece destaque na avaliação do Ministério Público Federal?
Rodrigo Tenório – Não é possível ainda falar em medidas propostas pela Câmara dos Deputados. O plenário da Câmara ainda não se manifestou. As discussões ainda estão restritas à comissão especial. Lá, sobreviveram dois acréscimos, que serão levados ao Plenário: proteção do whistleblower, ou reportante de crimes e o acordo penal. Ambos os instrumentos são consagrados em democracias consolidadas, como os EUA. Lá, cerca de 95% dos casos criminais são resolvidos por meio de acordo. Aqui, o acordo, se aprovado, poderá ser feito entre o MP, autor exclusivo da ação penal, e o réu sempre assistido por advogado. Será necessária a homologação da pena definida no acordo pelo judiciário.
Tribuna Independente - Este ano o MPF contou com um sistema de denúncias de crimes eleitorais também pelo telefone. Qual o resultado desse novo aplicativo?
Rodrigo Tenório – A eleição de 2014, para presidente, governador e senador, envolve número muito menor de candidatos, cerca de 20.000, somente. Nessas eleições o número de candidatos ultrapassa os 40.000. Há, portanto, um aumento natural das denúncias. No MPF, a coordenação dos trabalhos é feita pelo Procurador-Geral Eleitoral, o vice-procurador-Geral Eleitoral, assessorados pelo Grupo Executivo Nacional da Função eleitoral, do qual faço parte. Ainda não houve tempo de compilar as denúncias e os resultados delas.
Tribuna Independente - Recentemente, o MPF identificou beneficiários do Bolsa Família que estavam recebendo irregularmente e expediu recomendações a todas as 102 prefeituras para que realizem visitas domiciliares a quase 14 mil beneficiários do programa Bolsa Família. Já existe algum resultado destas visitas?
Rodrigo Tenório – Diversas prefeituras já responderam à recomendação informando seu acatamento. Teremos o quadro de informações consolidado no ano que vem.
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