Educação

Escolas Cívico-militares projetadas por Bolsonaro são aderidas por JHC em Maceió

Especialistas da educação repudiam adesão ao Programa Nacional que tem um modelo de gestão mais burocrático e menos pedagógico

Por Lucas França com Tribuna Hoje 09/04/2021 19h08
Escolas Cívico-militares projetadas por Bolsonaro são aderidas por JHC em Maceió
Reprodução - Foto: Assessoria
O Centro de Educação (Cedu) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), se posicionou sobre a adesão da Secretaria Municipal de Educação do Município (Semed-Maceió) ao “Programa Nacional das Escolas Cívico-militares” que propõe entregar a militares a gestão de escolas públicas municipais, em seus aspectos didático-pedagógicos e administrativos. Em nota, o Cedu afirma que professores e estudantes consideram inconcebível que a gestão das escolas públicas, abandone a construção democrática da eleição de diretores, e a gestão participativa por meio dos Conselhos Escolares, que congregam representantes da comunidade. ‘’Na condição de Centro de formação de profissionais da educação, ressaltamos a ilegalidade de pessoas sem formação na área de Educação assumirem tarefas privativas dos profissionais legalmente instituídos para tal’’. Para a pedagoga Danúbia Silvestre, a medida é um retrocesso para educação pública. “Acredito que teremos um grande retrocesso caso esse ensino venha seguir. Isso implicaria em nosso formato como um todo. Nossa educação pública necessita de espaços democráticos, amplo e a garantia de direitos iguais para todos, é preciso que todo o meio envolvido tenha a mesma fala para bons desenvolvimentos com os nossos discentes’’. O Cedu/Ufal diz que a educação, como área de pesquisa e atuação, há muito vem produzindo conhecimentos sobre o ensinamento das crianças, jovens, adultos e idosos. Por isso, é inconcebível que pessoas sem a formação adequada assumam a gestão de escolas públicas municipais. ‘’O Programa Nacional das Escolas Cívico-militares insiste na ideia de que os problemas da educação pública brasileira podem ser solucionados com a rígida disciplina militar. Reforça o preconceito contra as comunidades pobres e periféricas, em geral muito mal assistidas por políticas sociais, e especialmente vítimas da violência e da criminalidade’’. Ainda em seu posicionamento, o Cedu afirma que militarizar as escolas para reprimir a juventude da periferia não é solução, e gera mais exclusão social, principalmente nas populações em situação de vulnerabilidade social. ‘’É um engodo enaltecer o modelo de escolas militares, que recebem financiamento maior do que o das escolas públicas comuns e atendem estudantes previamente selecionados. O ensino militar deve estar voltado àqueles e àquelas que escolhem essa carreira. Sua legislação é diferenciada e suas finalidades são bem específicas e, por isso, não podem ser confundidas com as finalidades da Educação Básica comum a todos e todas cidadãos e cidadãs brasileiros/as. Este modelo, sob o discurso da ordem e da disciplina, é trazido por um governo que corta as verbas da Educação Básica e Superior, as verbas da Ciência, as verbas da Saúde, as verbas das Políticas Sociais. Um governo que destrói a Escola e os Direitos’’. De acordo com o posicionamento dado pelo Centro Educacional da Ufal, o governo federal abandonou lei. ‘’Temos uma lei, o Plano Nacional de Educação - cujas metas e diretrizes esse governo abandonou, deixando de consolidar uma política de estado, fundamentada nos direitos da cidadania. É fundamental a restituição do orçamento da educação, para garantir um efetivo regime de colaboração da União com os Estados e Municípios, a valorização dos profissionais, a infraestrutura das escolas, para consolidar condições de aprendizagem de crianças, jovens e adultos. Portanto, a posição do Cedu/Ufal é contrária à adesão da Secretaria Municipal de Educação de Maceió ao “Programa Nacional das Escolas Cívico-militares”, finaliza posicionamento. Sinteal é radicalmente contra ao modelo de gestão Consuelo Correia, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal), afirma que a entidade é radicalmente contra adesão de escolas ao projeto de “militarização” da educação. Ela observa também que a própria comunidade escolar tem reafirmado essa rejeição. “Nosso sindicato vê com extrema preocupação esta ideia, e mais que isto! Desde que o presidente Bolsonaro anunciou o reacionário Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, o Sinteal vem denunciando o retrocesso que ele pode gerar. Está em jogo conquistas históricas da educação, como a gestão democrática; o ataque frontal à Lei de Diretrizes de Base [LDB] e, não bastasse, o ataque à própria Constituição Federal, em seu artigo [Artigo 206], que diz respeito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento. Militarizar a educação não é a solução para os graves problemas da área, diz Consuelo. Segundo ela, “o Sinteal está atento e mobilizado contra este perigoso retrocesso”. [caption id="attachment_439692" align="aligncenter" width="620"] Consuelo Correia, presidente do Sinteal (Foto: Edilson Omena)[/caption] A socióloga Barbara Suellen Santos, fala que é complicado mudar um sistema que já não é tão eficaz para um outro que até então é desconhecido pela sociedade. “Embora o ensino público municipal seja um pouco melhor que o estadual, esse giro de 360 graus sem debater com a sociedade organizada, comunidade escolar e local, é complicado. É uma mudança drástica - este modelo é muito diferente do que estamos acostumados, inclusive é mais burocratizado e pedagogicamente mais frágil – existem falas com um discurso positivo sobre o ensino, e isso vai da formação pessoal e do juízo de valor que é feito sobre a educação’’. A especialista questiona porque uma mudança como essa e qual seria a justificativa. “Temos visto que o prefeito JHC tem dado uma reviravolta em tudo que é política pública da prefeitura – baixou passagem de ônibus, passe livre para estudante, mas temos que observar com desconfiança, principalmente por conta das alianças dele em outros momentos. Seria eficiente melhorar o modelo de gestão escolar atual sem mudar para o modelo gerido por militares.  A sociedade conhece? Foi debatido? Os pais não irão mais escolher onde os filhos devem estudar?, questiona. Suellen fala ainda que nem o próprio presidente tem conhecimento seguro sobre o modelo. ‘’Ele não explica o aparato. Ela existe, mas é burocratizado e tem uma dinâmica diferente de todo o avanço pedagógico que a gente teve aos longo de anos. Inclusive, com a base curricular  que traz aspectos emocionais e regionais mais fortes - ainda que seja falho e precário para os docentes em certos pontos,  é preciso  considerar a comunidade escolar externa e interna para ser feito essa mudança – ou seja, dentro e fora da escola, quais os benefícios para eles? A gente não conhece, então temos que ter o modelo tradicional e não com soldados. A escola municipal é conhecida pela sua gestão mais democrática que envolve a comunidade externa. Estamos baseados na Constituição de 1988 e a lei de diretrizes de base de 1996 que traz um aspecto de que a escola de rede pública têm uma gestão democrática, e quando chega o modelo militar, essas características conquistadas pelos movimentos sociais com tantas lutas na década de 90 vem por água abaixo. Ou seja, essa gestão democrática vai ficar burocratizada e militarizada. E esse não é o momento''. ‘’Deve ser feito consulta pública para implantação do modelo’’ Para Arlan Montelares, mestre em ciência política, graduado em ciências sociais, a sinalização da adesão ao modelo do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, por parte do prefeito JHC é o início de processo que pode resultar ou não na instalação deste programa em algumas escolas de Maceió. “Para que isso se concretize é necessário uma consulta pública com a comunidade escolar, inclusive isso é um dos pré-requisitos preconizados pelo programa. Tomando como partida a comunidade escolar, esta deve ser bem informada dos prós e contras da adesão, incluindo questões como: qual será a qualificação dos militares que ingressaram nas escolas, quais mudanças efetivas ocorrerão no regulamento disciplinar (o que pode ou não ser feito por uma estudante dentro da escola), também é necessário saber qual será o destino dos estudantes e professores que não aceitarem o programa caso o mesmo seja aprovado’’, explica Arlan Arlan, diz ainda que o modelo de educação militar não é novo no Brasil, embora fosse restrito a uma pequena parcela da população. ‘’Não podemos afirmar que a ampliação de tal modelo seria efetivamente um retrocesso em termos democráticos, assim como não podemos afirmar que o modelo necessariamente é eficiente o mais em termo de resultados, pois até o início do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, os alunos que ingressaram nos colégios militares era selecionados por processos altamente competitivos, o que na prática pré seleciona estudantes de excelência’’. [caption id="attachment_439693" align="aligncenter" width="611"] Arlan, mestre em ciência política, graduado em ciências sociais (Foto: Acervo pessoal)[/caption] Para o cientista, do ponto de vista da Prefeitura, tal posicionamento reflete mais uma sinalização política que tem por um lado, a necessidade de responder a uma parcela da sociedade vislumbrada com a suposta eficiência do modelo de educação militar, e por outro lado a disposição de manter diálogo aberto com as atuais perspectivas do Ministério da Educação (MEC). “Vale lembrar que outros governos já propuseram programas de incentivos a modelos pilotos de educação, a exemplo das Escolas Parques, Programa Nacional de Atenção à Criança e ao Adolescente e mais recentemente o Programa de Educação Integral; todos sempre com três pontos em comum foram políticas de governo; não possuíam nenhum dispositivo claro de avaliação, para comprovar seus resultados e por fim não foi garantida sua sustentabilidade financeira’’. SEMED A reportagem do Portal Tribuna Hoje entrou em contato com a Semed- Maceió e em nota, disse que realizou a adesão ao Programa de Escolas Cívico-Militares do Governo Federal- PECIM em janeiro deste ano. Mas reforça que ocorreu apenas uma adesão preliminar ao projeto do Governo Federal. Porém, para que o projeto seja implantado na rede municipal de Maceió é preciso uma série de estudos, análises e também preparação das escolas em questão. E, além disso, do envolvimento e diálogo entre todos os envolvidos, professores, pais e alunos. A Semed esclarece ainda que até o presente momento, não existe nenhuma comissão criada para o implantação do projeto das escolas cívico-militares. ‘’Nos últimos dias foram reuniões on-line para falar sobre o projeto para as duas escolas em questão, onde apresentamos a Portaria do Ministério da Educação (Nº 1. 071, de 24 de dezembro de 2020) e também  para orientar uma consulta pública entre comunidade escolar. Reforçamos também que sobre esta possível implantação, nada será feito de forma impositiva, tudo será feito baseado no diálogo democrático’’. A Semed reforça que nada será feito sem a consulta à comunidade escolar, aos gestores escolares e aos conselhos escolares. E as últimas reuniões foram justamente pra ouvir todos os envolvidos. Na próxima segunda-feira (12), a Semed irá se reunir com Sinteal, Comed e comissão das duas escolas, afim de esclarecer e dialogar sobre o assunto.