Educação

Ensino on-line é motivo de debate, audiências e polêmicas

Escolas apostam em métodos como videoaulas e pais questionam aprendizado e mensalidades

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 11/04/2020 17h43
Ensino on-line é motivo de debate, audiências e polêmicas
Reprodução - Foto: Assessoria
A suspensão de aulas em escolas de todo o estado tem gerado uma adaptação do modelo de ensino. Especificamente na rede privada, a situação tem provocado também uma onda de reclamações de pais, pressão entre os professores e corrida das escolas para produzir conteúdos. O embate já chegou ao conhecimento de órgãos como Ministério Público do Trabalho (MPT/AL) e até uma audiência inaugural foi realizada para tentar contornar o problema. No entanto, o imbróglio segue, pelo menos até o fim de abril, prazo dado pelo governo estadual para retorno dessas atividades. Na prática, o que tem ocorrido é que as escolas tem utilizado as redes sociais e as plataformas de ensino para disseminação de conteúdo, alguns deles produzidos pelos próprios professores, para dar continuidade ao período letivo. Os professores temem que fatores como a perda de receita e queda na produtividade impactem na manutenção dos empregos, além disso, há problemas na produção dos conteúdos. Já os pais, se preocupam com a qualidade do serviço contratado, o impacto da perda de receita e valores de mensalidades. De acordo com informações do MPT, tem havido problemas na adaptação ao sistema digital como falta de aparato e conhecimento técnico para gravação de aulas. “A falta de aparato e conhecimento técnico necessários para a gravação das aulas e os possíveis problemas enfrentados pelos professores para transmitir os conteúdos, agora de forma virtual, segundo os sindicatos, são fatores que podem prejudicar a qualidade do ensino. Outra preocupação, apresentada pela categoria que representa as escolas particulares, é manter o pagamento de salários aos professores e a empregados do setor administrativo. Por conta da suspensão presencial das aulas, pais de alunos estariam pedindo a redução do valor das mensalidades e até o cancelamento das matrículas dos estudantes”, aponta o MPT. No caso das escolas que já utilizavam as plataformas o andamento tem ocorrido com mais facilidade. Já em escolas de médio e pequeno porte os transtornos têm sido grandes, é o que afirma o presidente do Sindicato dos Professores de Alagoas (Sinpro/AL), Eduardo Vasconcelos. Eduardo explica que há uma pressão por parte de pais e responsáveis para que a escola ofereça todo o conteúdo aos alunos, pressão levada até os professores para que produzam aulas, mas alguns sem a mínima estrutura, o que tem gerado excessos. “O que a gente quer é a garantia da saúde do trabalhador e só depois a preservação do emprego. Mas o problema é que nenhuma escola quer ficar para trás, muitas não querem admitir que não possuíam recursos tecnológicos e estão empurrando a responsabilidade para os professores, sem capacitação técnica para isso, e a coisa começando a descambar para a selvageria. Professores gravando aulas ao vivo no sofá de casa, tem o direito de imagem em jogo, sua privacidade. Mesmo com os recursos técnicos disponíveis, dentro de casa não tem condições. De repente entra um filho, passa o carro do ovo, cachorro latindo, gato miando. O ambiente não é favorável”, diz. LEI DE DIRETRIZES Outro ponto importante, é que segundo a Lei de Diretrizes da Educação Básica, crianças de 0 a 6 anos não deveriam receber conteúdos que envolvam telas e que muitas escolas estariam burlando essa determinação por conta do medo de perder os alunos. “Essas escolas de educação infantil não deveriam oferecer aulas online, mas as escolas estão burlando isso, a opção seria enviar conteúdos por e-mail, atividades por escrito para fazer com os pais. Existem várias possibilidades, mas não o trabalho com aparelho eletrônico”. A presidente do Sindicato das Escolas Particulares, Bárbara Heliodora, expõe que, atendendo resolução do Conselho Estadual de Educação, as escolas adotaram o modelo semipresencial, com aulas em plataformas online para não haver prejuízos à continuidade do ano letivo. “As escolas estão trabalhando aulas semipresenciais, usando os recursos virtuais, e os que não usavam começando a usar. Nós entendemos que todo o trabalho semanal, diário, mesmo que remotamente, será contado como dias letivos. Foi por isso que escolhemos o MPT para mediar as questões que envolvem o trabalho do professor no que diz respeito a construção de vídeo aulas, se a escola está respeitando carga horária, tempo de trabalho”, pontua. Bárbara Heliodora defende que o momento é novo e exige reflexão de todos os envolvidos, principalmente em relação às adaptações necessárias. “Não queremos levar para o aluno um vídeo mal feito. Queremos manter a qualidade do ensino antes da pandemia (...) Há uma complexidade muito grande, o Dr Rafael [Gazzaneo] pediu que todos os sindicatos elencassem as necessidades, os anseios da categoria para que pudéssemos fazer um trabalho que atenda também os pais. É preciso que a gente tenha paciência, uma tolerância. Nesse momento vamos aprender com nossos próprios erros, corrigindo. A família também. Temos questões logísticas que precisam ser avaliadas. São descobertas, estamos vivendo uma situação muito nova”, avalia. Pais questionam diminuição de custos e cobram redução de mensalidade Na outra ponta, há inadimplência por parte de pais que perderam sua capacidade de renda, e há até os que apesar da renda mantida questionam uma eventual diminuição de custos das escolas, o que implicariam em redução das mensalidades. O servidor público Wagner Torres defende um ajuste nos valores cobrados pelas escolas. Para ele, muitos pais, principalmente os comerciantes sofreram de imediato perda de receitas. Além disso, ele diz que as escolas estariam economizando custos como água e energia o que possibilitaria uma redução nas mensalidades. “Tenho vários amigos que estão passando por grandes dificuldades porque são microempresários e de uma hora para outra o faturamento caiu a zero. Então a escola se mantém sem querer diálogo em reduzir a mensalidade. Outras escolas em outros estados fizeram reduções, mas a situação hoje está complicada. Apesar de não estar incluído nesse grupo, porque sou auditor de finanças, mas tenho empatia com quem está nessa situação. O investimento que está sendo feito pelas escolas não é alto, não tem pagamento de nada, o professor já estava no custo dele, o resto é vídeo, isso não é investimento. O que mais me incomoda é que eles tiveram redução de custo de energia e água e eles dizendo que vão ter custos lá na frente. Eles não querem negociar. Tanto que fiquei sabendo que o Procon ia entrar na discussão”, reclama o pai. Bárbara afirma que o segmento não terá descontos ou abatimento em impostos e taxas como energia elétrica e água, por pagarem taxas fixas, o que não justificaria uma redução de mensalidade, já definidas de forma contratual. “É importante inclusive que haja o olhar da escola-empresa. Temos recebidos muitos pais preocupados com a instituição. As escolas não têm tido desconto de nada. Nada mudou. Alguns dizem que as escolas estão economizando energia, mas muitas já pagam uma taxa fixa, a água a mesma coisa e quando chegar lá na frente a gente vai ter que redobrar o cuidado com os alunos. Educação infantil a legislação é clara, vai ser preciso reposição de aulas. E lá na frente terá que pagar o mesmo trabalho feito agora. Algumas escolas optaram por férias aos professores, outras por suspensão de contratos. Como a escola vai poder manter seus custos, funcionando com as aulas remotas, professor trabalhando e pais sem querer pagar o que está no contrato da matrícula. Os pais tem o direito de decidir o que vão fazer, mas quando isso passar as crianças vão precisar estar matriculadas.” Caminho: MPT discute possibilidade de governo flexibilizar funcionamento Uma nova audiência entre representantes das escolas privadas, professores e MPT deve reunir uma proposta que atenda o mais perto possível dos interesses dos envolvidos. O MPT quer colocar em discussão “a possibilidade de o governo flexibilizar o funcionamento de escolas para que os professores possam realizar a gravação dos conteúdos e atender pais que pretendam pagar e negociar mensalidades.” Eduardo Vasconcelos acrescenta que a intenção é “aliviar a pressão” que existe em todos os lados da questão. “Houve uma audiência no Procon também. Em resumo o que houve na audiência com o MPT ficou delimitado que na próxima terça nós vamos nos reunir de novo. Para apresentar uma proposta unificada de trabalho remoto, de forma que haja capacidade tecnológica, não ultrapasse o limite de carga horária, não pressionando. Só que o decreto é muito amplo. Para manter a segurança e melhorar a qualidade da aula remoto, que é o que os pais reclamam, com a unificação teremos um parâmetro e vamos pedir autorização ao governo por escrito para que as escolas possam abrir para que essas aulas sejam gravadas, sem a participação dos grupos de risco. Os que puderem ir, gravam sua aula, dentro do seu horário e isso melhora a qualidade da aula e alivia a pressão.” ADAPTAÇÃO A psicóloga infantil Solange Gustaferro pontua que é importante que as crianças mantenham uma rotina de estudos, com um tempo dedicado a absorção de conteúdos. “A criança não está de férias. As aulas online são interessantes para que não perca o interesse pela escola. Ela tem que entender que está em casa, mas não são férias. Tem um horário que precisa estudar. No caso dos pequenos eles vão precisar de uma supervisão dos responsáveis para que aprendam essa nova modalidade. Na verdade, eles têm contato com tecnologia, mas de forma lúdica e agora temos uma forma que envolve conteúdo e para que aprendam como isso funciona precisam ter a supervisão”, destaca. Entretanto, Solange ressalta que apesar da necessidade de manter uma rotina de estudos, os envolvidos na educação da criança precisam compreender que é um momento novo, que exige sobretudo flexibilidade e foco na saúde. “Porque o modo que está sendo feito é diferente. A criança está tendo oportunidade e sentindo tudo isso que a gente está sentindo, a angustia de estar isolado. Na medida do possível é importante ficar junto para que ela aprenda um novo jeito de estudar, mas sem muitas cobranças. É preciso priorizar a saúde dela, dos pais e depois correr atrás para acompanhar o ano letivo.”