Economia
Comércio em Alagoas tem prejuízos com jogos on-line
Na avaliação da CNC, setor varejista enfrenta redução de 11,2% no faturamento, com perda de R$ 117 bi por ano no país
Basta um clique no celular e o salário mensal pode ir embora em fração de segundos ou, mais que isso, até mesmo as economias de toda uma vida. Fugir dos jogos eletrônicos de azar é a maior prova de resistência econômica da atualidade. E os reflexos desse vicio, que pode levar à falência, são sentidos também no mercado varejo que sofre com os altos índices de inadimplência registrados no comércio.
O perfil dos apostadores on-line é o mais variado possível. Desde pessoas sem muitos recursos financeiros que acreditam que podem ficar ricos em instantes desde pessoas consideradas com padrão econômico bom, mas que sonham em aumentar a renda consideravelmente.
Nem mesmo os usuários do Programa Bolsa Família estão fora dos jogos on-line. Um levantamento feito, a pedido do senador Omaz Azziz, mostrou que eles apostaram R$ 3 bilhões apenas no mês passado.
Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mais de 1,3 milhão de brasileiros estão inadimplentes por conta de apostas on-line. Foram feitas apostas no valor de R$ 68 bilhões em jogos, entre 2023 e 2024.
A entidade afirmou não ter estimativa da quantidade de apostadores em Alagoas, embora a pesquisa seja de abrangência nacional. As entidades Fecomércio (Federação do Comércio do Estado de Alagoas), CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) e Aliança Comercial também não souberam quantificar os apostadores alagoanos, nem mensurar os prejuízos ao comércio varejista local.
Na avaliação da CNC, o setor varejista enfrenta potencial redução de até 11,2% no faturamento, o que representa uma perda de R$ 117 bilhões por ano. Apenas no primeiro semestre deste ano, a estimativa é que os cassinos on-line já retiraram R$ 1,1 bilhão do comércio.
Entidades veem impactos e revelam inadimplência
Em Alagoas, na avaliação do presidente da Aliança Comercial, Guido Júnior, o assunto é muito preocupante. Tanto como empresário, quanto para os colaboradores. “Essa questão do jogo de azar, inclusive patrocinando o Campeonato Brasileiro, é um vício. Já tem empresas preocupadas contratando até psicólogos e psiquiatras para fazer o tratamento com seus colaboradores. A gente já tem uma certa dificuldade no comércio hoje, em função até da queda de receita por parte dos clientes nossos, e termina combinando com uma evasão de receita com esse jogo de azar. Realmente é muito preocupante e tem afetado sim o comércio. Na hora que a pessoa está endividada, deixa de comprar”, detalhou.
A Fecomércio reconheceu o impacto negativo que os jogos on-line causam no movimento no comércio, mas não tem essa informação, quantificada.
Para o CDL, o endividamento não tem relação com jogos on-line. “O que deve estar acontecendo com o endividamento é que as pessoas perderam a capacidade de compra, não tem mais como tinha antes do governo e não tem essa demanda de emprego crescente, pelo contrário, está havendo uma queda dos empregos. Apesar dos índices informarem uma coisa, a gente vê que a realidade é outra. Tem bem mais gente desempregada”, diz.
Empresário diz que vício afeta trabalhadores
Há alguns meses, o empresário Rafael Tenório fez um alerta sobre o perigo dos jogos online, como o do Tigrinho. Em um depoimento que viralizou nas redes sociais, ele avaliou que o vício nos jogos on-line de azar tem afetado as finanças de muitas famílias.
“Acompanho o drama de meus funcionários, com pedidos constantes de antecipação de férias, 13º salário, empréstimos e até demissões para terem acesso ao FGTS e, assim, pagarem as dívidas contraídas nos jogos”, afirmou, à época.
Comumente, as vítimas dos jogos preferem o anonimato ao descobrirem que foram enganadas pelas falsas promessas de dinheiro fácil e lucros inexistentes.
Pessoa com problema acredita que plataformas são solução, diz psicóloga
Para a psicóloga clínica Nayara Rita Cardoso Campos, a perspectiva socioconstrucionista que guia seu trabalho a faz enxergar os problemas não como doenças individuais, mas como produtos de contextos sociais e narrativas que construímos sobre nós mesmos e o mundo.
“No caso do vício em jogos de azar, a narrativa que pode ser construída nessa situação é a ideia de que o jogo pode ser uma solução para os problemas, de ordem econômica ou social”, pontuou a profissional que é especialista em Saúde Mental e Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas.
Segundo ela, os prejuízos para a saúde mental, nesses casos, são multifacetados e podem ser influenciados não apenas pelo vício em jogos de azar, mas também por outras situações do cotidiano.
“Vejo narrativas associadas ao vício como isolamento social, a pessoa viciada tende a se afastar de amigos e familiares, priorizando o jogo e negligenciando os relacionamentos. Ansiedade e depressão, a constante incerteza dos resultados, a busca incessante pela próxima vitória e o sentimento de culpa e vergonha podem levar a quadros de ansiedade e depressão. Pensamentos suicidas, em casos mais graves, o vício em jogos de azar pode levar a pensamentos suicidas, especialmente quando a pessoa se sente endividada e sem saída e estamos em um mês propício para discutir sobre a prevenção ao suicídio”, salientou, referindo-se à campanha Setembro Amarelo, referindo-se ao mês alusivo de prevenção ao suicídio.
Além de dificultar lidar com as emoções, completou Nayara Campos, o vício pode dificultar a identificação e expressão de emoções como raiva, tristeza e frustração.
Ela destacou ainda que o vício em jogos de azar não é uma escolha individual, mas sim um problema complexo que envolve fatores sociais, culturais, políticos e econômicos. Em sua avaliação, a facilidade de acesso aos jogos, a normalização das apostas e a cultura do consumismo exacerbado, influenciada pelo capitalismo, contribuem para o aumento dos casos.
Alagoana perde R$ 200 mil nas apostas
Uma alagoana, no entanto, teve coragem e expôs seu drama em rede nacional de televisão ao conceder entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo. A assistente social Maria das Graças Conceição dos Santos tornou-se, então, uma figura emblemática no combate às plataformas de jogos on-line.
Ao descobrir que perdeu tudo o que tinha, viu, como única saída, a delegacia. Um Boletim de Ocorrência era a única ficha que ela tinha para apostar e tentar resgatar a dignidade e as perdas financeiras. A essa altura, a assistente social amargava um prejuízo de R$ 200 mil.
“No começo ganhei um pouco de dinheiro. Aí fui me animando e jogando. Jogando cada vez mais. E perdi”. afirmou.
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