Economia

De grão em grão Alagoas enche a saca

Saiba como o Estado, junto a Sergipe e Bahia, é apontado pela Embrapa como potencial oásis da soja e do milho; boa nova já tem até um “rei” na mina.

Por Wellington Santos / Tribuna Independente 01/07/2017 09h46
De grão em grão Alagoas enche a saca
Reprodução - Foto: Assessoria

Município de Campo Alegre, Agreste de Alagoas. É dia 20 de junho e chove torrencialmente. Mas a caravana — formada por agrônomos, professores universitários, representantes de instituições financeiras, representantes do governo estadual e da reportagem da Tribuna Independente —, saiu da capital alagoana e ignora os pingos renitentes que desabam dos céus. O veículo avança célere, corta brenhas mato adentro, estradas de barro e terrenos íngremes.

Alguns caminhos causam certa apreensão nos passageiros do veículo, ora por causa da lama, ora por causa dos abismos que forçam o bravo motorista a usar toda sua habilidade no volante.

Mas o caminho árduo tem destino certo: encontrar o ‘Rei da Soja’ alagoana, que, mesmo com a nova alcunha, não deixou de plantar cana. Mas descobriu algo que tem lhe dado muito mais rentabilidade.

No roteiro da caravana também incluem-se outros agricultores que estão diversificando suas culturas, cuja tradição de quase 200 anos em terras alagoanas é de cana de açúcar. A boa nova é que esses agricultores estão enxergando além da extensa paisagem das palhas verdes que cortam (ou cortavam) toda Alagoas.

O ‘Rei da Soja’ é um deles. É chamado assim por alguns porque tem fama de desbravador. E uma missão: liderar e convencer a centenas de agricultores das Alagoas a diversificar a cultura e mostrar alternativa à atual crise do setor canavieiro.

A missão do ‘rei’ e de meia dúzia de outros agricultores de Alagoas, na área dos Tabuleiros Costeiros (faixa de terras de transição entre Agreste e o Semiárido), é mostrar por ‘a’ mais ‘b’ que o Estado pode ser um dos novos oásis do grão no País, especialmente da soja e do milho, depois que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apontou, recentemente, que a trinca Alagoas, Bahia e Sergipe é o novo roteiro promissor de grãos.

O ‘rei’ é Everaldo Tenório, 65 anos, três filhos.

A caravana chega ao destino: a Fazenda Ribeira. Um gaiato que acompanha a trupe aponta e grita: “Olha o Rei da Soja aí, entrevista ele!”. Tenório olha, dá um sorriso meio amarelado ao repórter e, humilde, desconversa. “Não, não. Estamos no início ainda!”. Na Ribeira, a produção era 100% cana de açúcar. Mas esta realidade mudou há três anos. A fazenda tem 60 anos desde que o pai de Everaldo Tenório começou a plantar cana. Com área de 1. 300 hectares, 314 deles já foram transformados em plantio de soja. E tem dado muito certo. Soja transgênica, resistente ao Roundup (material que não é seletivo à cana). No primeiro ano de plantio da soja, experiência exitosa. Foram colhidas 120 toneladas na área dos Tenório em 50 hectares, logo exportadas para a Rússia. “Isso é uma alternativa fantástica”, vibra Tenório, já sem esconder o entusiasmo contido no início da conversa com a Tribuna Independente.

No gráfico da produção da Fazenda Ribeira, os números atestam a ascensão da soja, que avança sobre as áreas, antes privilégio da cana nas terras dos Tenório: no primeiro ano (2015) foram plantados 67 hectares.

No segundo, 200 hectares, e este ano, 314 hectares. A fama de Everaldo Tenório com soja vem de longe, muito longe. Embora seja alagoano de nascimento, Tenório foi o responsável, há 15 anos, por desbravar no Sul do Pará, no município de Redenção, as terras que só conheciam boi e vaca.

“Lá só tinha pecuária de corte, só com boi. Ninguém acreditava em soja e hoje em dia é um sucesso”, confirma o agricultor. Por lá, planta mais de 2 mil hectares de soja e se tornou o maior produtor na região paraense. “Planto ainda mais de mil hectares de milho”, completa o rei.

 

Trinca da soja revela alternativa à tradicionalíssima cana

Para convencer os outros produtores que ainda não acreditam na cultura da soja, Everaldo Tenório conta com um aliado forte: a pesquisa da Embrapa que sustenta que o Estado é uma das novas fronteiras agrícolas a ser descoberta.

É a chamada Sealba, acrônimo dos Estados de Sergipe, Alagoas e Bahia, área que sofre uma influência do litoral e que tem despertado interesse de produtores de todo Brasil, principalmente para o plantio da soja. E

sta cultura vem sendo ‘vendida’ como grande alternativa à da cana, que impera no Estado desde sempre, há 200 anos, quando Alagoas se desmembrou de Pernambuco, outro produtor contumaz da velha cana de açúcar.

A estimativa da Embrapa é de 80 sacas por hectare somente para a soja, se chover normalmente, com uma média de 450 milímetros para tonar viável a cultura do plantio à colheita. Apesar de ser uma área ainda pouco explorada para a cultura da soja, os estudos da Embrapa Tabuleiros Costeiros já identificaram a produção da principal commodity e atualmente a ‘menina dos olhos’ do agronegócio brasileiro: a soja.

Durante quatro anos de pesquisa na região, foram levados em consideração dois aspectos fundamentais: os bons volumes de chuvas e as propriedades do solo. Após o estudo, notou-se que, da segunda quinzena de abril até setembro, o volume de precipitações superava a casa dos 450 milímetros acumulados, suficientes para atender a cultura.

Em função disso, uma comissão técnica ligada à Secretaria de Agricultura de Alagoas — alguns dos representantes dessa comissão integraram a caravana para esta reportagem — mapeou a área com vocação para o cultivo de grãos, como o milho e a soja. Em torno de 100 mil hectares ocupados pela cana podem ser aproveitados para outras lavouras.

“Mesmo com falta de chuvas, a soja se adapta melhor que o milho, que pode levar a uma perda maior ao produtor”, explica o coordenador da caravana e superintendente de Desenvolvimento Agrário da Secretaria de Estado da Agricultura de Alagoas, Hibernon Cavalcante. Ele é também responsável por organizar, há quase dois anos, seminários e os chamados “Dias de Campo” para mostrar aos produtores a viabilidade da alternativa à cana de açúcar.

 Estratégico, Estado tem o porto mais próximo para escoar produção

Fora as vantagens em preço e solo, o rei da soja alagoana e paraense aponta outra vantagem que pode impulsionar ainda mais o rentável negócio da soja no Estado da cana: a localização do escoamento da produção, no caso, o Porto de Maceió.

“É a soja mais próxima do mundo, do Brasil, estamos em cima do Porto. Veja bem, no Mato Grosso é um problema para exportar por causa da distância e para a logística do produtor que exporta. Em Alagoas ficaríamos somente a 100 km do Porto”, afirma Tenório.

“É um privilégio. Mas não é fácil porque em Alagoas são 200 anos de cultura cana e muita terra na mão das usinas. Alguém tinha que começar. Mas já temos outros quatro produtores e têm um grupo querendo entrar”, admite o rei da soja alagoana.

 “Mas tem mais gente de fora, como do Rio Grande do Sul e Mato Grosso e Paraná, querendo vir para cá”, informa ainda Tenório.

 Com fama de desbravador, Everaldo Tenório mostrou aos incrédulos porque faz jus ao apelido. No primeiro ano de plantio, exportou 100% da produção de suas terras. Através dos cais dos portos de Aracaju e Salvador, mandou toda soja que produziu para a Rússia e a China.

“Exportamos com produtores da Bahia e Sergipe, porque Alagoas ainda não tem uma estrutura que justifique um navio para este fim”, explica.

“Lugar onde tem soja, tem desenvolvimento. O Brasil é hoje o primeiro produtor e primeiro exportador do mundo, testa a testa com os Estados Unidos”, completa Tenório. “O Nordeste é um grande consumidor que alimenta porcos e frangos”, ressalta.

Eduardo Ferreira da Silva, administrador da Fazenda Ribeira, explica a razão pela qual vale a pena apostar nesta nova cultura. Ele afirma que, com a chegada de ‘Seu’ Everaldo Tenório, notase que alguns agricultores de Alagoas já começaram a acordar.

“Já plantamos 314 hectares de soja. Temos como concorrentes os produtores de Estados como Piauí, Maranhão e Bahia”, informa. Silva diz ainda que Alagoas produz num ciclo diferente e vantajoso em relação aos outros Estados e explica o porquê.

“Enquanto eles estão encerrando a safra e se preparando para iniciar o plantio, a gente aqui está preparando para colher e vender sozinho no mercado nesta época. Outra vantagem é o preço, que aqui é melhor para o produtor”, revela, ao concluir: “É um campo propício a grandes negócios”, completa o administrador da mina do rei da soja.

 

(Foto: Adailson Calheiros)

Como na soja, milho também já tem seu candidato a rei em Alagoas

 O milho também está conquistando um generoso espaço em meio às plantações de cana das Alagoas. A produção, que até 2015 não passava de 30 mil toneladas, dobrou no ano seguinte e este ano a expectativa é de que seja recorde, chegando a mais de 70 mil toneladas do grão.

No périplo da caravana, outro personagem no roteiro é o jovem José Almeida Fontes, o Zezé, 35 anos, que saiu de Sergipe e descobriu Alagoas para plantar milho. A área onde já planta e quer iniciar seu reinado é no município de Limoeiro de Anadia.

 “Onde eu estava era um clima mais seco. Já aqui tem uma plantabilidade melhor. Enquanto lá eu plantava 20 hectares, aqui eu planto 100 hectares, com o mesmo número de máquinas e funcionários”, revela Zezé.

O otimismo do sergipano não é para menos. Já conseguiu plantar 600 hectares e tem mais 300 por plantar. “A topografia daqui é sem dúvidas melhor”, diz o produtor rural, que conta com 15 funcionários. Mas faz uma análise do que constatou ao conhecer o terreno onde pisa e tenta marcar posição com seu milharal a perder de vista.

“Aqui tem uma barreira cultural. O pessoal tem a cultura da cana muito arraigada e não quer abrir. Dizer ao pai ou ao avô que é para sair da cana é difícil, complicado. Passei mais de um ano namorando essa área até encontrar um proprietário disposto a se desfazer ou arrendar, uma vez que isso era 100% cana, que já estava degradada”, conta Zezé.

O mercado consumidor do agricultor sergipano é Pernambuco, Paraíba e seu Estado natal. “Minha expectativa era colher entre 100 e 120 sacas por hectare, mas como choveu muito este ano aqui, acho que a gente pega entre 70 e 80 sacas por hectare em 2017”, estima o candidato a rei do milho em terras ainda dominadas pela cultura canavieira.

Com espírito aventureiro, Zezé diz que trouxe toda a família para Alagoas. “O primeiro ano é só investimento”, conforma-se, ao concluir e filosofar: “Mas é melhor chuva demais que a seca braba. E se Deus quiser, vamos conseguir ampliar isso aqui e ultrapassar mil hectares”, estima.

Pertinho dali, a pouco mais de 30 km, no município de Coruripe, outro jovem, 40 anos, herdeiro da antiga trupe tradicional da cana de açúcar, também mostra-se motivado com a diversificação e também aposta na plantação de milho: numa área 101 hectares, o mais novo empreendedor é Gustavo Castro, que ainda reservou 44 hectares de suas propriedades para o plantio de feijão.

 “Essa área será só de grãos. Milho tem um giro mais rápido que o da cana e duas safras por ano que pode chegar até três e com um custo menor”, diz Castro. “É uma excelente oportunidade de negócios”, completa, ao informar que sua propriedade era 100% de cana e agora reduziu a apenas 40%.

 

Safra de grãos mostra tendência de crescimento

Números confirmam que pesquisa da Embrapa está no caminho certo de ascensão da soja e milho em Alagoas

Com base no impulso que a cultura de grãos está conseguindo com o ainda desconfiado produtor alagoano tradicional da indústria canavieira, o superintendente Hibernon Cavalcante faz uma estimativa otimista.

 “Ainda não temos o número final de plantio de soja e milho devido às chuvas constantes que estão dificultando a conclusão, mas, com a soja temos por volta de 500 hectares plantados, e uns 300 ainda a plantar. No ano passado foram somente trezentos”, revela o engenheiro agrônomo.

“Quanto ao milho, deveremos ter uma das maiores áreas já plantadas, mas, pelo mesmo motivo, ainda há pessoas plantando. Com base na distribuição de sementes por parte do Estado e informações de revendas, acreditamos em área superior a 70 mil hectares em todo Estado. Precisamos somente da confirmação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para isso”, completa Cavalcante.

 Em Alagoas, a soja avança com plantios em municípios como Campo Alegre, Porto Calvo, Atalaia e Jundiá. Quanto a feijão, phaseolus ou vigna (arranca e de corda), também há expansão significativa em todo Estado.

“Voltando ao milho, também observamos aumento da área plantada de forma tecnificada nas zonas da cana de açúcar”, relata.

Dados da Agência Brasil revelam que as estimativas de janeiro para a safra de cereais, leguminosas e oleaginosas deste ano indicam uma produção de 221,4 milhões de toneladas, o que representa um crescimento de 20,3% em relação ao total de 2016: 184 milhões de toneladas.

 Os dados fazem parte do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) e foram divulgados pelo IBGE. Eles indicam que a área a ser colhida para a safra 2017 é estimada em 59,9 milhões de hectares, o que significa um crescimento de 4,9% frente aos 57,1 milhões de hectares do ano passado.

Juntas, as produções de arroz, milho e soja, os três principais produtos da safra nacional, representam este ano 93,5% da estimativa da produção e 87,4% da área a ser colhida. Em relação a 2016, houve acréscimos de 1,9% na área estimada para a soja, de 10,3% para a do milho e de 1,2% para a do arroz.

Em consequência, a produção de arroz deverá ser 11,8% maior; a do milho, 38,9%; e a da soja 10%. Com base nas estimativas do LSPA de janeiro, o IBGE espera aumento na produção em todas as regiões do país, com destaque para o Nordeste, onde o crescimento chegará a 89%.

No CentroOeste, o maior produtor do país, o crescimento estimado é de 25,2%, caindo para 16% na região Norte e para 9,4% no Sul. Dezoito milhões de toneladas é o que se estima para a produção do Nordeste, onde está a trinca e nova menina dos olhos Sergipe, Alagoas e Bahia.

Crise da cana é um fato no país, mas alto lá: não é o fim!

Mas, alto lá, o setor da cana de açúcar está em crise, é verdade, mas isso não quer dizer que é o fim — longe disso. Mas esta crise completa, exatos, dez anos. Depois da grande euforia que tomou conta do setor, muita gente ainda não se recuperou do tombo que veio logo em seguida.

As dívidas são de grandes proporções, o mercado bastante instável e o produtor fica no meio de tudo isso. Ninguém sabe ao certo de quanto foi o rombo sofrido pelo setor no Brasil. Dívidas no campo e na indústria, milhares de empregos perdidos e, pelo menos, 80 usinas fechadas no país.

Em Alagoas, segundo Hibernon Cavalcante, há 10 anos eram por volta de 23 unidades. Já na safra 2016/2017, o Estado conta com dezesseis unidades industriais.

 “A tendência é que nos próximos 10 anos sejam entre seis e 10. Aos poucos, observamos uma mudança de cultivos e uma necessidade de incremento de produtividade para poder ser competitivo. Redução de custos de produção também é necessária”, avalia Cavalcante.

 “A cana, porém, deve permanecer nas melhores áreas, considerando produtividade, água, distância de usinas e saúde financeira de grupos empresariais”, completa o superintendente da Secretaria da Agricultura do Estado de Alagoas.

 O setor de cana começou a sair da crise em 2015 com retomada de preços de etanol e açúcar e a cadeia sucroenergética voltou a ter um leve crescimento em 2016. Em fevereiro, a dívida do setor sucroenergético, penalizado nos últimos anos pela queda dos preços do açúcar e pela perda de competitividade do etanol ante a gasolina, atingia R$ 86 bilhões, conforme estimativa.

No auge da crise, o endividamento beirou R$ 100 bilhões. Enquanto isso, a soja representa na atualidade a principal cultura agrícola brasileira. Dados da Conab apontam uma área cultivada com soja no Brasil de aproximadamente 30 milhões de hectares, estando em plena expansão para novas fronteiras – caso do território do Sealba.

Nesse vácuo deixado pela cana, o grão hoje é fonte proteica primordial para a produção de rações e importante matriz oleaginosa para a produção nacional de biodiesel. Entre outras grandes vantagens, a soja é uma cultura de ciclo curto, necessitando de apenas de um curto período de chuvas no ano, e, por ser uma leguminosa, tem a capacidade de fixar nitrogênio no solo – um nutriente essencial para a fertilidade – diminuindo consideravelmente os custos de produção. Diante desta nova realidade que se vislumbra, agora em Alagoas, Sergipe e Bahia, novos potenciais reis e rainhas da soja e milho podem surgir aos montes por estas plagas. Vale conferir!