Ciência e Tecnologia
Estudante de Geografia é premiada por pesquisa sobre Lagoa do Jequiá
É a primeira vez no Nordeste que uma dissertação no campo do Ensino em Geografia recebe o Prêmio Nidia Pontuschaka

Ficou para a egressa do mestrado e doutoranda do Instituto de Geografia e Meio Ambiente (Igdema) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Lívia Danielle Rodrigues do Nascimento, o referenciado Prêmio Nídia Nacib Pontuschka, que não só destaca a instituição alagoana no cenário nacional, mas também o Nordeste: é a primeira vez que a região recebe o prêmio em uma dissertação no campo do Ensino em Geografia.
A conquista representa um reconhecimento nacional da excelência acadêmica da melhor dissertação, na qual os trabalhos premiados têm prestado imensas contribuições para a transformação, o avanço e o adensamento das pesquisas na referida área.
“Ser agraciada com o Prêmio Nídia Pontuschka me instigou a refletir sobre a pesquisa realizada e nas possibilidades do Ensino de Geografia ao articular teoria, prática docente e formação cidadã, partindo da premissa da necessidade e importância da aproximação entre a universidade pública e a sociedade”, destaca Lívia Nascimento, que defendeu a dissertação ‘A Reserva Extrativista (Resex) Marinha da Lagoa do Jequiá/AL e suas potencialidades para o Ensino da Geografia’.

A pesquisa teve como objetivo geral analisar os aspectos sociais, econômicos e ambientais da citada reserva, que é uma Unidade de Conservação (UC). Proporcionou a implantação do Projeto Lagoa Jequiá: navegando em suas histórias, com ênfase nas categorias geográficas de Território, Lugar e Paisagem, na Escola Municipal José Cursino dos Santos, situada no município Jequiá da Praia, litoral sul de Alagoas, a 64 quilômetros da capital.
“O projeto buscou, por meio do estudo proposto, possibilitar aos estudantes compreenderem as implicações das relações entre a sociedade em geral e a Unidade de Conservação, assim como a relevância da educação ambiental”, disse Lívia Rodrigues que teve como orientadora a professora Maria Francineila Pinheiro dos Santos, do Programa de Pós-graduação em Geografia da Ufal. De acordo com a pesquisadora, oficinas e outros recursos metodológicos foram utilizados visando instigar os estudantes a despertarem sentimentos sobre o lugar de origem, refletirem sobre a Resex Lagoa do Jequiá e se envolverem com a unidade de conservação, assim como terem consciência sobre os desafios e problemas socioambientais enfrentados por esse ambiente.
Em relação ao despertar para abordar o assunto como temática da dissertação, Lívia destaca que foi pautado em distintas direções: pelo vínculo que possui com a referida UC, pois, além de ser natural do município de Jequiá da Praia, é filha e neta de pescadores tradicionais na respectiva comunidade tradicional; pelo estágio feito durante a graduação no Instituto de Conservação (ICMBio) - Resex Lagoa do Jequiá; e também por ter sido aluna do ensino fundamental na escola alvo do projeto, onde, em 2021, lecionou a disciplina Geografia. “Por esses motivos elencados, tive interesse pessoal, profissional e acadêmico no desenvolvimento dessa pesquisa de mestrado, que se baseia no tripé universidade, comunidade e escola”, reforça Lívia.
A defesa do mestrado teve como local a sede da Reserva Extrativista, em Jequiá. Na oportunidade, a pesquisadora recebeu convite da equipe da UC para desenvolver um projeto de educação ambiental intitulado de Identidade e Território que contemplará oficinas em duas escolas locais: na escola alvo da pesquisa da dissertação e na Escola Municipal Maria Lopes Bertoldo. Atualmente, a pesquisadora trabalha na Secretaria Municipal de Educação de Jequiá.
A orientadora Francineila Pinheiro, que é doutora em Ensino de Geografia, enfatiza que a dissertação foi para além dos muros da universidade. “Trouxe significados e sentidos para os referidos conceitos, na medida em que os estudantes da escola se reconheceram no território vivido, entenderam o lugar de vivência enquanto um espaço de acolhimento, de resistência, e vislumbraram as paisagens tão corriqueiras do seu cotidiano com um outro olhar, percebendo a riqueza que essas representam em suas vidas e de seus familiares”, afirmou.
Francineila disse ter vivenciado um momento único, mas atravessada de distintas maneiras. Fala que o primeiro sentimento foi o de imensa felicidade por se tratar de um prêmio que leva o nome da professora Nídia Nacib Pontuschka, pela qual disse ter uma profunda admiração e respeito, pois deixou um legado marcado pela contribuição para o ensino da Geografia brasileira e pela defesa de um mundo mais justo e humano. Deixou também um sentimento de reconhecimento do trabalho e toda dedicação a sua trajetória docente iniciada na educação básica. Mesmo tendo ingressado como docente da educação superior, disse ter sempre a preocupação de continuar contribuindo com a escola pública.
“Venho fazendo isso, por meio da formação docente no âmbito da graduação e da pós, assim como por meio da pesquisa, coordenando o Laboratório de Educação Geográfica de Alagoas (Legal) e o Grupo de Pesquisa em Educação Geográfica(GPEG) da Ufal”, disse. A docente ainda ressaltou o sentimento de gratidão a todo corpo docente que fez parte da formação acadêmica. “Foram pessoas que me permitiram sonhar e acreditar que o estudo transforma, sim, a vida. E mais: que uma mulher, nordestina, professora e geógrafa pode colaborar com a construção de um mundo melhor e mais humano por meio da educação pública”, enfatiza Francineila, que participou da solenidade de entrega do prêmio realizada no estado do Amapá.
Ambiente aquático
A Reserva Extrativista Marinha da Lagoa do Jequiá é uma unidade de conservação instituída pelo Decreto s/n.º de 27 de setembro de 2001. Foi criada para atender a solicitação da própria comunidade com intuito de garantir as atividades desenvolvidas pela população tradicional, baseadas na pesca artesanal, e proteger o meio ambiente. Seu bioma corresponde ao Marinho Costeiro e possui uma área estimada em 10.203,79 hectares, sendo parte em terrenos de manguezais e parte de águas territoriais brasileiras, conforme informações do ICMBio.
A UC inclui em sua jurisdição toda a lagoa, o rio (canal) e até três milhas náuticas da costa do litoral do referido município. No quesito tamanho, a Lagoa Jequiá é considerada a terceira maior lagoa de Alagoas e, embora tenha passado ao longo dos últimos anos por um processo de assoreamento, ainda é considerada a mais profunda do estado.
Educação geográfica e ambiental para melhorar a vida da comunidade
Segundo Lívia Nascimento, o estudo possibilitou reunir várias informações importantes, a exemplo do perfil dos estudantes e o modo como eles percebem e participam da comunidade tradicional, a partir do ponto da Resex Marinha da Lagoa de Jequiá com mais proximidade a eles. Tomaram conhecimento, por meio de oficinas, sobre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e sua relevância, assim como levou à compreensão sobre o que é a Reserva Extrativista Marinha.
Em sua amplitude, outros resultados positivos são apontados pela pesquisadora: identificação das características e o que tem na Resex; importância e atividades de uso dos recursos naturais; conhecimento das espécies de animais existentes na reserva; identificação do tipo de pesca realizada. Averiguação dos problemas ou desafios socioambientais, com suas respectivas causas e consequências para a referida comunidade, foi também outro resultado, além da proposição de ações que possam amenizar ou solucionar os problemas socioambientais da referida comunidade.
“Houve um processo de aprendizagem que, pautado nas percepções dos estudantes sobre o seu lugar e o território, contemplou o desenvolvimento de aulas de Geografia interativa e lúdica, com sentidos e significados. A turma aprendeu por meio de desenhos e elaboração de mapas conceituais, ambos com a finalidade de abordar a perspectiva dos estudantes sobre a Reserva Extrativista”, disse Lívia. Pela dinâmica executada nas ações, a pesquisadora disse acreditar que o projeto atingiu os objetivos propostos, pois teceu diálogos pertinentes com os estudantes e viabilizou a produção de um material que poderá servir para os professores de Geografia, especialmente quando o objetivo for abordar uma unidade de conservação.
“O projeto desenvolvido trouxe contribuições para que os professores de Geografia reflitam sobre a importância de suas aulas e o significado delas para a formação cidadã dos estudantes na perspectiva de colaborar com uma educação geográfica e ambiental que contribua significativamente para a melhoria da vida deles e da comunidade em geral”, disse a autora do estudo. E complementou: “No que se refere às escolas, novas formas de aprender e ensinar Geografia, dialogando na prática com as nuances de desafios e potencialidades de se trabalhar uma unidade de conservação no ensino de Geografia”
De acordo com a premiada, a proposta de envolver os estudantes dos anos finais do ensino fundamental se deve a dois fatores importantes: primeiro, a escola escolhida para fazer parte da pesquisa é localizada no entorno da unidade de conservação; segundo é que a maior parte desses estudantes possui familiares que são pescadores e estão intimamente ligados à Resex de Jequiá, embora na maioria das vezes não disponham dos distintos conhecimentos em relação à UC.
“O ensino de Geografia vislumbra a construção de conhecimentos geográficos significativos para os estudantes, na medida em que estes consigam ler e interpretar o mundo. Entretanto, faz-se necessário que a geografia escolar dialogue com os mesmos, considerando os conhecimentos prévios dos estudantes, suas interpretações e representações. Foi neste sentido que a pesquisa discutiu a relevância que a Resex Lagoa do Jequiá tem no cotidiano, nas relações familiares e na vida destes estudantes em geral”, enfatiza Lívia.
Relevância da premiação
A professora Nídia Pontuschka foi uma das pioneiras e uma das mais importantes pesquisadoras sobre o ensino de Geografia no Brasil, referência em didática da Geografia, formação de professores e práticas pedagógicas críticas. O prêmio em sua referência é concedido para as melhores dissertações e teses na área de Ensino de Geografia no Brasil. É promovido pela Associação Nacional de Pós-graduação em Geografia (Anpege), com entrega a cada dois anos durante a realização do referenciado Encontro Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (Enanpege).
A premiação nacional recebida destaca o reconhecimento de um trabalho intenso, dedicado e comprometido com o fazer docente voltado para o ensino de Geografia e que reverbera na vida dos estudantes e da comunidade. “O reconhecimento em nível nacional fortalece a visibilidade não apenas para mim, enquanto pesquisadora, mas para a professora Maria Francineila Pinheiro dos Santos e o Programa de Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Alagoas”, disse Lívia.
E acrescenta: “Jequiá da Praia, a Reserva Extrativista Marinha da Lagoa do Jequiá e sua comunidade tradicional ganham uma nova perspectiva frente aos potenciais interesses de alguns pesquisadores ao conhecer o trabalho e, possivelmente, desejarem visitar in loco onde a pesquisa foi realizada. A lagoa é extremamente relevante para o município, tendo em vista que é responsável por duas atividades tradicionais mais simbólicas em seu ambiente: a pesca artesanal e o turismo de base comunitária”.
Além disso, diz Lívia, a premiação enaltece a contribuição científica e destaca a relevância social da pesquisa desenvolvida, atrelando um impacto educacional, principalmente, por exaltar práticas pedagógicas que reforçam o compromisso com a transformação social e a escola pública.
“O Prêmio Nídia Pontuschka representa o reconhecimento de uma pesquisa com contribuições educacionais e sociais, onde o ambiente universitário nos permite traçar caminhos de diálogos e aproximações com a comunidade tradicional por meio de um projeto de educação geográfica e ambiental que evidenciou o território, o lugar e a paisagem sobre a perspectiva daqueles que ali residem, viabilizando uma Geografia feita por e para eles, ao trazer significado e representatividade ao conhecimento geográfico”, argumentou a estudante de doutorado.
Na complementação, diz a professora Francineila: “O Programa de Pós-graduação em Geografia da Ufal tem uma enorme relevância para o desenvolvimento do estado de Alagoas, dispondo de estudos e pesquisas que viabilizam uma formação de qualidade e comprometida com os anseios da comunidade em geral”.
Trajetória e desafios
Lívia fez toda a sua formação na escola pública e gratuita. Como aluna da Ufal, teve uma dinâmica trajetória acadêmica. Desde a graduação, pertence ao Grupo de Pesquisa Grupo de Pesquisa em Educação Geográfica (GPEG) e ao Laboratório de Educação Geográfica do Estado de Alagoas (Legal). Ambos têm a coordenação da professora Maria Francineila Pinheiro dos Santos, também orientadora do seu trabalho de conclusão de curso (TCC), mestrado e, agora, do doutorado do Igdema, com primeira turma iniciada em 2025.
“Com o doutorado em andamento, busco dar continuidade a pesquisa na referida unidade de conservação, propondo sempre a aproximação da universidade com a sociedade, a partir do desenvolvimento de uma pesquisa social que instigue reflexões tanto no âmbito acadêmico, quanto efetivas contribuições para a realidade dos sujeitos participantes”, comentou Lívia.
Quanto aos desafios enfrentados em todo seu percurso de formação, a doutoranda diz que foram muitos: “Até chegar aonde cheguei, foram inúmeros os desafios, mas o orgulho e a satisfação são ainda maiores, não só por fazer parte de uma família de pescadores, mas também por vir da escola pública e ser a primeira de toda a minha família a ingressar em uma universidade pública. Logo, o recebimento desse prêmio tem um significado muito especial para mim”.
Uma trajetória de esforço que é reconhecida pela orientadora. “A Lívia Nascimento sempre foi muito atenciosa, zelosa e empenhada com os trabalhos desenvolvimentos no Legal e no GPEG. Em sua ativa vida acadêmica, desenvolvemos, em conjunto, três projetos dos quais ela recebeu dois Prêmios de Excelência Acadêmica. Respeito e compromisso com a qualidade das produções voltadas para a educação geográfica sempre pautaram a relação em todo o processo de sua qualificação acadêmica, com muito compartilhamento”, frisa a professora Francineila.
E na relação construída, a docente aproveita para falar de uma semelhança muito sugestiva entre as duas: “Eu me reconheço em alguns momentos nela, pois assim como eu, ela é filha de trabalhadores, veio da escola pública e foi a primeira de toda a família a ingressar numa universidade pública. Com esforço e dedicação, conseguiu demonstrar que, quando os filhos ou as filhas da classe trabalhadora ingressam nesses espaços, eles dão resultados sim, e o prêmio recebido atesta a veracidade disso”.
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