Ciência e Tecnologia

“Chupeta virtual”: o vício na internet e seus prejuízos aos jovens

Internet tem causado transtornos para a saúde de crianças e adolescentes; 26% deles não conseguem parar por conta própria

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 24/10/2020 10h20
“Chupeta virtual”: o vício na internet e seus prejuízos aos jovens
Reprodução - Foto: Assessoria

Uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) aponta que mais de 24,3 milhões de crianças e adolescentes brasileiros estão conectados. Outra pesquisa, desta vez da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) demonstra que 26% das crianças ouvidas afirmam não conseguir interromper por conta própria o uso das telas. As estatísticas constatam uma realidade crescente e preocupante: o excessivo uso de telas, intensificado durante a pandemia.

Se para adultos exercer a autorregularão já é difícil, para pessoas em formação intelectual e física a tarefa é ainda mais árdua, por isso a necessidade da imposição de limites e de controle no uso da internet e das telas.

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, crianças e adolescentes expostos às telas de forma excessiva estão sujeitos a problemas como privação de sono, transtornos alimentares, exposição precoce a conteúdo sexual, vulnerabilidade à pedofilia, sedentarismo, ansiedade, depressão, problemas visuais, auditivos, suscetibilidade a uso de drogas e anabolizantes.

Considerando os riscos, a SBP elaborou um manual que também elenca cuidados que os pais e responsáveis devem ter desde os primeiros meses de vida das crianças.

“O Manual de Orientação da SBP traz também ressalvas sobre o hábito cada vez mais frequente de oferecer para a criança o smartphone ou celular utilizado pelos pais, como forma de distrair a atenção do bebê. Denominada de distração passiva, a prática é resultado da pressão pelo consumismo dos ‘joguinhos’ e vídeos nas telas, algo prejudicial e frontalmente diferente de brincar ativamente, um direito universal e temporal de todas as crianças em fase do desenvolvimento cerebral e mental”, expõe a SBP.

“CHUPETA VIRTUAL”

Para o psicólogo Carlos Gonçalves as telas se transformaram na “nova chupeta”. Uma ferramenta utilizada pelos próprios pais para manter as crianças distraídas ou “quietas”. Enquanto que o cenário ideal e recomendado pelos organismos de saúde é o uso controlado por duas horas exceto durante refeições e longe da hora de dormir.

“É muito fácil, prático e cômodo, oferecer um desenho animado para uma criança assistir quando está chorando. Isso vira uma chupeta digital. Para acalmar a criança ofereço o celular e a televisão para a criança se acalmar. E aí a gente se pergunta: Qual a idade certa para dar um celular a um filho? Não há uma idade definida. Vai depender da maturidade da criança. Os pais ou quem cuida, vai ter que entender a personalidade da criança, se é uma criança que manipula, que é egoísta, os pais precisam se posicionar, entender e conhecer a personalidade desse filho. Na verdade, os pais é quem têm  que monitorar e ficar atentos, regular e controlar o tempo de uso de internet pelo filho”.

“Há um comportamento permissivo dos pais e responsáveis”

O psicólogo Carlos Gonçalves avalia que existe um comportamento permissivo por parte dos pais e responsáveis, seja por culpa “ou falta de estrutura emocional”. Outro ponto fundamental é o exemplo “eu cobro do meu filho que ele fique sem o celular, mas ele me vê o tempo todo no celular”, garante.

“Existe um diagnóstico chamado nomofobia que é a dependência de celular, videogame e isso traz ansiedade, depressão, então cada vez mais a gente olha para esse universo e vê as crianças deixando de interagir socialmente, de brincar, de viver essa parte lúdica de se relacionar com outras crianças para ficar nas telas. Essas crianças de hoje têm tendência de sofrer de ansiedade. E isso gera uma criança individualista, mimada, egoísta, que não aceita não e não consegue lidar com frustrações”, detalha o especialista.

MAIS CONTROLE

O também psicólogo Edberto Lessa defende o diálogo como uma poderosa arma contra o uso excessivo das telas. Principalmente, quando o uso é feito por crianças mais velhas e entre os adolescentes.

“Principalmente os pais de adolescentes usam como castigo a retirada do celular. Além dos problemas emocionais, psicológicos, há a compulsividade, os problemas de saúde. Sabemos que os pais não podem extinguir o uso. Mas é preciso acompanhar. Tem que ter hora, tem que ter limites. Não só quanto ao controle de conteúdos inadequados, mas de uma forma geral. Os pais precisam saber o que os filhos acessam. Mesmo na adolescência onde o controle é mais difícil, é preciso fazer com que os filhos conversem. Uma das chaves principais é o diálogo, é o pai falar e o filho ouvir, dar o ponto de vista e chegarem a um consenso para o uso adequado e seguro do celular, sem invadir a privacidade”, ressalta.

Lessa aponta que o cenário da pandemia do novo coronavírus escancarou a realidade. Vale apostar em regras de uso e horários. A exemplo das regras que cada família tem com saídas, é preciso montar um “esquema” de uso dos eletrônicos.

“Os pais tem que ter muito cuidado, tem que estar muito vigilantes quanto ao uso abusivo. Com a pandemia o uso da internet acabou se tornando uma forma das crianças e adolescentes passarem tempo demasiado devido ao isolamento. Com as aulas online esse uso de telas é ainda mais prolongado. Esse aspecto do controle é uma situação que caso não ocorra, leva a uma compulsividade. Se for necessário, recolher o celular toda noite, proporcionar outras experiências, um convívio mais próximo, ler livros, ouvir música”.