Cidades
Projeto do MPF, Vozes da Mundaú é criticado por vítimas da Braskem
Elas queriam ser ouvidas há mais tempo e que reclamações já feitas tivessem sido levadas em consideração

Lançado esta semana pela Ministério Público Federal de (MPF) em Alagoas, o projeto Vozes da Mundaú, que cria um canal de escuta para as pessoas afetadas pelo afundamento do solo, está sendo criticado, nas mídias sociais, por lideranças que representam as vítimas da Braskem em Maceió.
As críticas foram feitas por conta do atraso da iniciativa, já que a tragédia tem mais de sete anos, e pelo fato de muitas reclamações, feitas pelas vítimas, terem sido relevadas pelas autoridades locais. Além da quantidade de vozes que, de acordo com o projeto, serão ouvidas: quatro por mês. Sempre na última quarta-feira do mês.
“Depois de toda desgraça feita, querem nos ouvir. Ou querem fazer de conta que quererem nos ouvir”, foi uma das críticas que fizeram. “Quase oito anos depois [da tragédia], todo mundo disperso. É um escárnio”, acrescentou outra pessoa, comentando a postagem sobre a notícia do MPF/AL.
“A gente nunca teve voz ativa. E em todas as ocasiões que o MPF chamava para nos ouvir era para legitimar alguma outra violência contra nós como a audiência pública sobre o Projeto Flexais. Tenho até a ata da audiência para comprovar”, comentou uma liderança do movimento das vítimas da Braskem.
As críticas foram feitas em sua maioria de forma anônima, ou apenas por meio de comentários nas redes sociais, porque as pessoas têm receio de entrar em rota de colisão com o MPF/AL. “Por favor, não coloque meu nome, para evitar que eu seja processado”, pediu um dos interlocutores.
Essa pessoa lembrou que o empresário Alexandre Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió, está sendo processado por ter criticado autoridades à frente do Caso Braskem. Sampaio responde a processo na Justiça Federal, numa ação movida por integrantes locais do MPF e da Defensoria Pública da União (DPU).
A crítica mais contundente, feita por afetados pela mineração que queriam falar e nunca tiveram voz, diz respeito ao acordo feito pelas autoridades com relação a situação dos moradores dos Flexais, Rua Marquês de Abrantes e Vila Saem. Para essas pessoas, o acordo foi lesivo e não teve o aval da comunidade. Por isso, mais de 80% dos moradores da região querem a realocação, com indenizações justas.
Expositiva
“Uma audiência expositiva do projeto Flexais virou a legitimação da violência contra a população dos Flexais e Rua Marquês de Abrantes. Na semana seguinte à reunião, eles assinaram o acordo com Braskem e a prefeitura de Maceió, ignorando tudo o que falamos”, acrescentou o internauta que pediu anonimato.
Para outra vítima, que entrou na conversa sobre o projeto ‘Vozes da Mundaú’, isso é o que podemos definir como o mais descarado ‘socialwashing’, equivalente à lavagem verde, marketing enganoso para fingir que estão cumprindo os requisitos sociais. “É muita mentira empacotada de trabalho social do MPF”.
Socialwashing é a prática enganosa de empresas que promovem uma imagem de responsabilidade social e compromisso com causas sociais sem realizar ações reais e significativas para apoiar essas causas, visando apenas melhorar a reputação pública, atrair consumidores e obter benefícios económicos. O objetivo é criar uma aparência de compromisso social para fins de marketing, sem um comprometimento profundo e autêntico com os valores que se diz defender.
No entanto, a proposta do MPF se apresenta com outros objetivos. De acordo com a assessoria de comunicação do MPF em Alagoas, o projeto Vozes da Mundaú estabelece um canal permanente de escuta para pessoas direta ou indiretamente afetadas pelo desastre causado durante a extração de sal-gema pela Braskem em Maceió.
“Os encontros serão presenciais, com agendamento prévio, e ocorrerão mensalmente, sempre na última quarta-feira do mês”, destacou a assessoria do MPF. Para o órgão ministerial, o Caso Braskem é considerado um dos maiores desastres socioambientais em área urbana do Brasil, com impactos profundos e contínuos sobre a vida de milhares de maceioenses.
“A exploração mineral realizada pela Braskem ao longo de quatro décadas provocou o afundamento progressivo de cinco bairros, forçando a realocação de cerca de 57 mil moradores e rompendo vínculos comunitários, culturais e afetivos”, enfatizou o texto de divulgação do programa.
Informações coletadas poderão subsidiar novas medidas judiciais e extrajudiciais
“Por se tratar de um desastre em curso, com desdobramentos imprevisíveis e recorrentes, novas demandas de reparação surgem constantemente, exigindo do MPF uma atuação ágil, empática e estruturada. Nesse contexto, o grupo de trabalho instituído para acompanhar o caso é constantemente acionado por cidadãos e lideranças comunitárias em busca de esclarecimentos, encaminhamentos e reconhecimento institucional de suas dores e reivindicações”, acrescentou.
“O objetivo do projeto é reforçar a aproximação com os atingidos, oferecendo maior transparência e organização aos atendimentos prestados pelo MPF no acompanhamento do Caso Braskem”, argumentou a assessoria.
Ainda de acordo com o material de divulgação, “cada encontro terá capacidade para receber grupos de até cinco pessoas, por até uma hora, em horários pré-agendados, limitados a quatro encontros por edição/mês, na sede do MPF em Alagoas. As conversas serão registradas em atas breves, garantindo transparência e rastreabilidade dos encaminhamentos. A metodologia busca também identificar novas situações de vulnerabilidade, demandas emergenciais e impactos não contemplados pelas medidas de reparação já em andamento”.
Para facilitar o acesso da população afetada pela mineração, o projeto disponibiliza um canal digital de agendamento. Os interessados podem preencher um formulário simples, informando dados pessoais, bairro de origem, temas de interesse e número de participantes. O sistema busca garantir agilidade e eficiência no processo.
A confirmação do agendamento será feita pela assessoria por meio do contato de WhatsApp informado no cadastro. O projeto Vozes da Mundaú tem o limite de quatro atendimentos por mês, sendo priorizadas as quatro primeiras solicitações, as demais serão designadas para o mês subsequente, se for o caso.
Por meio de nota, o MPF/AL divulgou ainda que “o projeto também tem como propósito documentar e dar visibilidade à atuação do MPF, contribuindo para a memória coletiva sobre o desastre da Braskem e para o controle social das medidas de reparação”.
“As informações coletadas poderão subsidiar novas medidas judiciais e extrajudiciais, de acordo com os desdobramentos do caso”, completou.
O título escolhido, “Vozes da Mundaú”, segundo a nota do MPF/AL, faz referência à Lagoa Mundaú, “espaço de memória, cultura e identidade em Maceió, agora também marcado pela resistência das comunidades afetadas”.
O material de divulgação diz ainda que “o nome do projeto expressa a valorização das vozes da população e reforça o compromisso do MPF com uma atuação sensível, transformadora e orientada pela defesa dos direitos fundamentais”.
“Medida é positiva, mas veio tarde demais, órgão pouco fez pelos afetados”
Para o coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Cássio Araújo, a iniciativa do MPF, de ouvir os afetados pela mineração, “é positiva, mas veio tarde demais”.
“Além disso, o MPF quando não cruzou os braços, bateu a porta no rosto das vítimas”, afirmou Araújo, acrescentando que o Ministério Público pouco fez para mudar a realidade das vítimas.
Ele lembrou ainda que a Nota Técnica número 4, do Serviço Geológico do Brasil (SGB), defendendo a atualização do mapa de risco e estendendo o afundamento do solo dos Flexais ao bairro da Levada, foi ignorada e engavetada pelas autoridades, com o aval do MPF.
Segundo Araújo, se não fosse a atitude do defensor público estadual Ricardo Melro, o conteúdo da ‘Nota Técnica Nº 4’ não teria vindo à tona, não teria sido divulgada.
Por isso, para Cássio Araújo, “a promessa que o MPF está fazendo, de ouvir os afetados, não passa de propaganda vazia ou propaganda enganosa, como diz o Código de Defesa do Consumidor. Tomara que não seja”.
Para a representação em Alagoas do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), querer ouvir as vítimas, quase oito anos depois que a tragédia foi revelada, “é um abuso”.
Em nota, encaminhada à reportagem da Tribuna Independente, o MAM se refere à proposta do MPF como “as vozes mudas da Mundaú: um atraso histórico na escuta dos atingidos”.
Na opinião do empresário Alexandre Sampaio, outra grande liderança do movimento de vítimas da Braskem, “se o Ministério Público Federal realmente estivesse ouvindo a população, jamais assinaria o acordo de requalificação dos Flexais, condenado por sete laudos, pela CPI da Braskem e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB”.
OUTRO LADO
A reportagem da Tribuna Independente procurou ouvir o MPF/AL, para saber como o órgão estaria recebendo as críticas com relação ao projeto Vozes da Mundaú. Por meio da sua assessoria de comunicação, o MPF de Alagoas assim se manifestou:
“O MPF sempre recebeu e atendeu as pessoas que o procuraram, tanto sobre o caso Braskem como qualquer outro caso de sua atribuição. O projeto é só uma consolidação de espaço mensal para essas reuniões. A relação da instituição com todas as pessoas continua a mesma”.
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