Cidades

Relatório aponta que mineração seria causa de água estar minando em residências

Relatório da Ufal sobre estudos feitos em Bebedouro releva instabilidade do solo e recomenda realocação das famílias

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 11/12/2024 09h18 - Atualizado em 11/12/2024 18h19
Relatório aponta que mineração seria causa de água estar minando em residências
Água minando dentro e fora das casas da região de Bebedouro, na Rua Marquês de Abrantes - Foto: Adailson Calheiros / Arquivo

Um relatório técnico da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) sobre estudos feitos na região de Bebedouro revela a instabilidade do solo, possivelmente provocada pela mineração da Braskem, nas imediações e ao longo da Rua Marquês de Abrantes, na periferia de Maceió.

O documento, de 65 páginas, foi divulgado na terça-feira (10) pela Defensoria Pública do Estado (DP/AL), que solicitou à Ufal um estudo de caso no começo do ano. A universidade aceitou o desafio e realizou um diagnóstico sobre os eventos de instabilidade do solo e a surgência de água minando dentro e fora das casas da região.

Foram realizadas visitas in loco dos técnicos e professores da Ufal na Rua Marquês de Abrantes e na Travessa Padre Pinho, nos bairros da Chã de Bebedouro e Petrópolis, abrangendo a bacia hidrográfica do Riacho do Silva, que corta o Parque Municipal de Maceió em direção à Lagoa Mundaú.

Tragédia Anunciada

Para tentar evitar uma tragédia anunciada, os professores que assinam o relatório recomendaram a realocação das famílias residentes na região, alegando que os moradores correm risco de vida com a possibilidade de subsidência do solo, convivendo com minas d’água dentro e nas calçadas das casas.

Nas considerações finais do relatório, eles sugerem a retirada das populações expostas aos fatores de risco, podendo ser utilizado o Programa Habitacional do Município para a realocação das famílias. Entre os fatores de risco estão a subsidência, o colapso do solo e a surgência de água (minas) nas residências da Rua Marquês de Abrantes.

Os signatários do documento sugerem que os três fatores avaliados sejam inseridos como alvos de estudos na atualização do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), a ser realizado pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB) em 2025. O plano deverá fazer uma avaliação detalhada dos perigos identificados por Estudos Geofísicos (SEV) para mapeamento em subsuperfície e minerológicos em solo argiloso e de consistência muito mole.

A equipe técnica da Ufal responsável pelo relatório teve a coordenação da professora Regla Toujaguez e do professor Jonathan da Cunha Teixeira, do Campus de Engenharias e Ciências Agrárias (CECA) e do Centro de Tecnologia (CTEC). Também participaram a equipe técnica da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil de Maceió, composta por Adsson André da Silva Gomes, Arrysson Cardoso, Fernandja Campos, Hugo Carvalho e Guilherme Henrique Santos, além do geólogo Eduardo Bontempo e Clyvia Souza.

O relatório teve ainda a participação da equipe técnica do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), dos geólogos Tiago Antonelli (Chefe de Divisão de Geologia Aplicada) e Diogo Rodrigues Andrade da Silva (Chefe do Departamento de Gestão Territorial), e da equipe técnica da Defesa Civil Nacional, sob o comando do geólogo Érico de Castro Borges.

De acordo com o relatório, o estudo de caso foi uma solicitação feita à DPE por moradores da Rua Marquês de Abrantes, representados pelo líder comunitário Romualdo Oliveira. O estudo teve como objetivo inspecionar os problemas da região, possivelmente causados pela mineração de sal-gema pela Braskem.

Os estudos focaram na subsidência e no colapso do solo, além da surgência de água em dois locais: dentro e fora de residências da Rua Marquês de Abrantes, no Bairro Chã de Bebedouro, e no Conjunto Padre Pinho, no Bairro Petrópolis. Com base nas visitas, foi elaborado um relatório técnico para avaliar, de forma preliminar, porém integrada, o risco que os processos de colapso no solo e da surgência de água poderiam ocasionar para a população residente.

“Todo estudo foi feito seguindo diretrizes do mapeamento de perigo e risco do Serviço Geológico Brasileiro (SGB)”, asseguraram os signatários do relatório. Foi o SGB que confirmou a mineração predatória da Braskem como responsável pelo afundamento do solo de pelo menos cinco bairros de Maceió: Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol. Desses, o Mutange foi praticamente riscado do mapa.

Defensor público cobra que autoridades tomem providências

O defensor público estadual Ricardo Melro disse que vai encaminhar o relatório às autoridades, principalmente à Prefeitura de Maceió e à Defesa Civil Municipal, para as providências cabíveis. Até porque, de acordo com o relatório, a região foi classificada como área de risco muito alto e demanda ações emergenciais.

Nesse sentido, as principais recomendações do relatório são essas: a retirada imediata das populações das áreas mais críticas; atualização do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR); e a realização de estudos geológicos e hidrogeológicos mais detalhados, utilizando técnicas como sondagens elétricas e monitoramento sísmico.

Complementares

Outra preocupação do defensor público é com o aprofundamento dos estudos. “Por enquanto, o relatório identifica os fenômenos, mas não diz que são consequência direta da mineração da Braskem. Por isso, são necessários estudos complementares que possam comprovar essa possibilidade”, argumenta Ricardo Melro.

No entanto, segundo ele, na comunidade, o fenômeno das minas d’água é atribuído à mineração de sal-gema explorada pela Braskem. Por isso, o defensor público defende que a petroquímica banque a remoção das famílias, com indenizações justas. “Os recursos do FAM - Fundo de Amparo aos Moradores - poderiam ser utilizados para reparar os danos causados”, sugeriu o defensor.

Ele defende também ações emergenciais por parte da Prefeitura de Maceió, que já teve acesso ao relatório e deve se preocupar com a segurança das famílias na região. Apesar de a Defesa Civil ter iniciado obras de contenção em algumas áreas, o estudo enfatiza que a complexidade dos problemas requer intervenções mais abrangentes.

Por isso, para o defensor público estadual, além dos estudos complementares, é de fundamental importância a articulação entre governos, comunidade e especialistas para solucionar o problema e evitar um desastre de maiores proporções.

Flexais

Para os integrantes do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), a situação dos Flexais e demais comunidades expõe a fragilidade das políticas de ocupação urbana e a ausência de uma abordagem integrada para garantir a segurança e a dignidade das populações afetadas.

“Além da realocação imediata para locais seguros, é imprescindível assegurar indenizações justas e o direito à moradia digna. Enquanto isso, as famílias seguem aguardando, com temor e esperança, que ações concretas sejam implementadas. A omissão da Defesa Civil de Maceió é uma ferida aberta que evidencia a negligência institucional diante da vida de seus cidadãos”, defendem os integrantes do MUVB.

Para integrantes do MUVB, análise mostra a grave instabilidade do solo

Para Maurício Sarmento, integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), “o estudo feito pelos técnicos da Ufal revelou graves problemas de instabilidade do solo e surgência de água nas comunidades dos bairros Chã de Bebedouro e Petrópolis. A análise, realizada entre março e agosto de 2024, apontou riscos severos que ameaçam diretamente a segurança de centenas de famílias”.

Segundo Sarmento, os problemas foram identificados, são graves e precisam ser solucionados. “Na Rua Marquês de Abrantes e no Conjunto Padre Pinho, constatou-se a ocorrência de subsidência e colapso do solo, além de surgências de água que afetam tanto o interior quanto o exterior das residências. Esses fenômenos são agravados pelas características do solo, como a presença de camadas orgânicas e argilosas de baixa resistência, inadequadas para construções civis”.

Sarmento chama atenção também para os impactos na comunidade. “A situação já apresenta consequências críticas: rachaduras e fendas em casas, afundamento de pisos e alagamentos recorrentes. A presença de água corrente em áreas residenciais, aparentemente limpa, é um dos problemas mais frequentes e tem gerado transtornos diários para os moradores, especialmente durante o período chuvoso”, relata Sarmento, que é morador da região e trabalha como servidor público.

Ele disse ainda que, no Conjunto Padre Pinho, moradores relataram que precisam instalar sistemas improvisados de drenagem dentro das residências para escoar a água. “A insegurança estrutural levou algumas famílias a abandonarem suas casas, enquanto outras permanecem por falta de alternativas, convivendo com o medo constante de desabamentos”, completou.

O integrante do MUVB chamou atenção também para a comunidade dos Flexais, que vive uma situação de risco extremo e isolamento social. “Por isso, a luta dos moradores dos Flexais, Quebradas, Marquês de Abrantes e Vila Saem é uma só: pela realocação e indenização justa já”, enfatizou Sarmento.

“Além das comunidades já mencionadas, os moradores dos Flexais enfrentam desafios ainda mais alarmantes. Vivendo em isolamento social e econômico, eles precisam transitar diariamente por áreas de extremo risco para chegarem a suas casas. A falta de alternativas seguras amplia o impacto da negligência histórica no planejamento urbano e evidencia a necessidade de intervenções que vão além das medidas emergenciais”, argumenta o integrante do MUVB.

“A precariedade das vias de acesso e a proximidade com áreas marcadas por subsidência e instabilidade intensificam a vulnerabilidade dessas famílias. Muitos relatam que, além do medo constante, enfrentam dificuldades de deslocamento em períodos chuvosos, quando a área se torna praticamente intransitável”, acrescentou.

Inércia das Autoridades

Na opinião de Sarmento, a situação se agrava por conta da inércia injustificável das autoridades, principalmente da Defesa Civil Municipal. “A gravidade da situação não é novidade para a Defesa Civil de Maceió. O órgão foi informado oficialmente sobre os riscos desde agosto de 2024, conforme apontado pelo estudo, mas nenhuma medida concreta foi tomada para proteger as famílias afetadas”, pontuou.

Essa inércia, para Sarmento, “é um reflexo de uma gestão que prioriza respostas tardias, ao invés de atuar preventivamente. Mesmo diante de relatórios técnicos claros e recomendações urgentes, a Defesa Civil de Maceió não adotou as ações emergenciais necessárias, expondo centenas de pessoas a riscos desnecessários”.

O servidor espera que, de posse desse relatório, a Defensoria Pública do Estado cobre as providências aos órgãos de fiscalização e controle. “Afinal de contas, a ausência de providências reforça a sensação de abandono enfrentada pelos moradores, que lidam com rachaduras, deslizamentos e o medo constante de desastres. É inaceitável que a resposta seja apenas reativa, quando vidas estão em jogo e o tempo é um fator crucial”.