Cidades
Realocar a Braskem não é tarefa fácil
Segundo pesquisadores ouvidos pela Tribuna, saída da mineradora é necessária, mas será complicado desativar esta “bomba-relógio”

A proposta do senador Renan Calheiros (MDB/AL) de encerramento das atividades industriais da Braskem em Maceió continua repercutindo. Depois do jornalista Joaldo Cavalcante, secretário estadual de Comunicação, ter lembrado que ele já defendia essa tese no livro “Salgema: do erro à tragédia”, pesquisadores, empreendedores e lideranças de movimentos em defesa das vítimas da mineração também defendem o fechamento da fábrica da Braskem, no Pontal da Barra.
Para a professora Natallya Levino, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), “seria o ideal, até porque ali é uma área bastante sensível, de restinga, com vento que leva qualquer vazamento para região da Lagoa Mundaú”. No entanto, ela chama atenção para as dificuldades dessa tarefa. “Nesse ponto, eu me prendo à fala do professor José Geraldo Marques, quando perguntaram para ele, sobre a possibilidade da saída da Braskem e ele disse: ‘É mais fácil Maceió sair de Maceió, do que a Braskem’”.
A pesquisadora observa que, quando disse isso, o professor José Geraldo Marques, que foi o primeiro ecologista a criticar a instalação da mineradora na restinga do Pontal da Barra, estava se referindo ao passivo da mineradora nos bairros atingidos pelo afundamento do solo na capital alagoana. Ou seja, Marques quis dizer que as ações deletérias praticadas pela petroquímica, ao longo de mais de 40 anos, comprometeram as entranhas da cidade. Por isso, segundo os pesquisadores, não vai ser fácil desativar essa ‘bomba relógio’.
EMPREENDEDORES
O presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Braskem, Alexandre Sampaio, acredita que “num Estado pobre como o nosso, não é prudente defender a saída de indústrias, mas isso jamais pode significar um relaxamento da fiscalização ambiental, da aplicação da legislação e da boa prática nos processos produtivos”.
“Infelizmente a Braskem é um exemplo contrário, pois uma investigação criminal no desastre nos cinco bairros mostrou que ela opera fora da lei, que não aplica as melhores soluções tecnológicas e, pior, frauda inclusive o processo de licenciamento ambiental, como está na nossa representação criminal no MPF”.
“Então, a princípio, concordamos com o senador Renan com a realocação da Braskem do Pontal, para uma região de Alagoas que traga menos riscos de morte e de poluição do entorno e para o complexo lagunar”.
“A questão é que ele tem grande poder político no âmbito federal e é aliado do atual governador Paulo Dantas, em Alagoas. Portanto, se ele fala sério, para valer, deve sair da retórica e usar os instrumentos práticos do Estado Brasileiro e de Alagoas para fazer valer esse sonho de milhares de Maceioenses de não terem o risco diário de se afogaram no próprio sangue numa nuvem de cloro, caso haja um vazamento de grandes proporções na Braskem”.
Questionado sobre que instrumentos seriam esses, Sampaio disse: “O primeiro é o IMA. A Braskem não resiste a um EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental e seu Relatório) sério, a uma audiência pública com especialistas de verdade e isentos e uma auditoria em todo o processo de licenciamento da fábrica no Pontal mostraria isso. Portanto, basta o IMA exigir o rigoroso cumprimento da legislação que a Braskem será impedida de funcionar no Pontal da Barra”.
“O segundo instrumento que o senador Renan pode lançar mão é a pressão política. O Governo Federal, do qual ele é aliado, tem formas de pressionar a Braskem cobrando uma modernização do seu parque industrial a partir da ótica da segurança e da verdadeira sustentabilidade ambiental”.
“A fábrica Braskem não resistiria a uma auditoria nas regras de compliance da Comissão de Valores Mobiliários da Bolsa de Valores e do BNDS, que poderiam condicionar a permanência na Bolsa e de financiamentos mediante a exigência de sua realocação com modernização do parque fabril e cumprimento rigoroso das regras de licenciamento ambiental e segurança do trabalho. Se a ANM realmente cumprisse seu papel (mostramos na representação criminal que ela não cumpriu) também exigiria muitas mudanças”.
“Resumindo, o Senador Renan é bem-vindo nessa discussão, mas ele – e qualquer outro político que queira verdadeiramente se comprometer com as vítimas atuais e evitar vítimas futuras – deve lançar mão dos instrumentos do Estado Democrático e fazer cumprir a lei para proteger as pessoas. Quem não o fizer, passará de crítico a cúmplice e será julgado pela história”.
O empreendedor concluiu sua avaliação do caso, dizendo que seria ouvir o IMA sobre como a Braskem vem operando esse tempo todo em Alagoas ao arrepio da legislação ambiental em vigor. “Seria bom que o IMA explicasse o processo completo de licenciamento ambiental da fábrica e todas as renovações das licenças ambientais a cada ampliação da extração de sal-gema na Capital alagoana”.
Mineradora nunca deveria ter sido instalada no Pontal da Barra
Para as lideranças que representam as vítimas da Braskem, a mineração na área dos bairros afetados não era nem para ter começado, tal o perigo que representava e continua representando.
“Achamos que a Braskem, ex-Salgema, nunca deveria ter sido instalada numa área ambiental e urbanisticamente sensível como é a área do Pontal, que de quebra desvalorizou e causou pânico para quem estava indo morar no bairro do Trapiche e adjacências, uma área, na época, de forte expansão urbana, que depois da instalação da fábrica fez com que todo o entorno da Salgema ficasse desvalorizada”, Cássio Araújo que é uma das vítimas do desastre, faz parte do MUVB e é procurador regional do trabalho em Sergipe.
Na opinião dele, antes da mineradora bater em retirada, tem que indenizar as vítimas, a cidade e o Estado, além das reparações ambientais e urbanísticas. “Nós achamos que a luta atual é em torno das indenizações justas para as vítimas e o reconhecimento como área de risco ambiental, decorrente do desastre causado pela Braskem, e de isolamento socioeconômico das regiões da borda, como as áreas dos Flexais, das Quebradas, da Rua Marquês de Abrantes, em Bebedouro, e da Rua Santa Luzia no Saem, do Bom Parto e as áreas próximas da Gruta do Padre.
Para o representa do MUVB, o foco da luta atual são as indenizações justas pelo dano material e moral causados aos moradores e empreendedores causados pelo desastre da Braskem, considerando que os valores que ela pagou foram irrisórios, bem como a inclusão das áreas do entorno, já mencionadas, no processo de indenização integral pelos danos causados à população das regiões.
“Outro ponto fundamental é que a Braskem não pode ficar dona das áreas que ela devastou. Isso é uma afronta às vítimas, à população, à cidade de Maceió e a todas as pessoas que defendem uma sociedade que se paute pela justiça. A transferência da propriedade dos imóveis danificados (inclusive dos imóveis públicos, como está previsto nos acordos feitos pela Prefeitura de Maceió e a Braskem), que permitirá que a empresa causadora do mal lucre imensamente no futuro com a desgraça que causou”.
Tese de aluno da Ufal mostra que discurso da empresa é falso
A professora Natallya Levino, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) também falou sobre a retirada da Braskem de Maceió. “Nesse ponto, eu me prendo à fala do professor José Geraldo Marques, quando perguntaram para ele, sobre essa possibilidade e ele disse: ‘É mais fácil Maceió sair de Maceió, do que a Braskem’”.
“No entanto, eu acho que seria o ideal, até porque ali é uma área bastante sensível, restinga, com vento que leva qualquer vazamento para região da Lagoa Mundaú”, acrescentou.
Para a pesquisadora, a discussão da saída da Braskem na área é relevante por todo impacto ambiental que ela gera naquela localidade, prejudicando ecossistemas relevantes. “Porém, do ponto de vista econômico, não vejo como isso seria possível e viável, dado todo aparato que a empresa construiu para viabilizar suas operações na localidade”.
‘GREENWASHING’
A professora orienta um aluno de pós-graduação da Ufal, que mostra como a Braskem pratica o ‘greenwashing’, ou seja, um discurso verde, politicamente a favor da sustentabilidade ambiental, mas na verdade se traduz numa grande farsa pra atrair investidores na bolsa de valores. Perguntada sobre quais as conclusões desses estudos, Natallya Levino disse que esse trabalho existe e é extremamente relevante, mas ainda se encontra em fase de construção. “De fato estamos levantando uma hipótese, que as evidências que a Braskem apresenta aos seus investidores não condizem com as ações que a empresa vem executando ao longo desses anos de exploração em Maceió. Mas, ainda estamos analisando todos os relatórios e alguns documentos produzidos pela empresa para encontrar mais evidências que corroborem com esse ponto”.
Até o momento, ela reconhece que os resultados conclusivos que confirmem tal fato ainda estão inconclusos. Mas, adiantou que, quanto a essa questão, o economista Elias Fragoso defende bem essa possibilidade.
Mais lidas
-
1Desfecho inesperado
Valéria fica com quem no final de 'As Filhas da Senhora Garcia'?
-
2Obsessão doentia
O que acontece no final da série do Globoplay 'Dias Perfeitos'?
-
3O 'contrabando do bem'
A história real da série Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente
-
4Excesso
Comer sementes de maçã pode levar à morte?
-
5Por 30 minutos
Gêmeos de 1 ano se afogam na Barra de São Miguel