Cidades

Novas formas não violentas de resposta aos crimes são propostas em livro de Maurício Zanoide de Moraes

Em novo livro, o advogado, referência no tema e Professor Titular de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), busca melhorar a situação das vítimas, além de identificar as necessidades comunitárias para uma atuação

Por Assessoria 26/09/2022 15h14
Novas formas não violentas de resposta aos crimes são propostas em livro de  Maurício Zanoide de Moraes
Novas formas não violentas de resposta aos crimes são propostas em livro de Maurício Zanoide de Moraes - Foto: Assessoria


“Processo Criminal Transformativo: Modelo Criminal e Sistema Processual não Violentos”, que será lançado em sessão de autógrafos, dia 29 de setembro, às 19 horas, na Livraria D’Plácido Ibrachina, no Conjunto Nacional, em São Paulo, propõe uma alternativa ao modelo criminal atual que usa apenas violência (institucional) para responder à violência criminal. Por esse conhecido caminho, continuará havendo o que Zanoide identificou como a “espiral ascendente da violência social”. Demonstra que, quanto mais crime, mais prisão e, quanto mais prisão, mais desintegração social, mais desatenção aos efeitos negativos que o crime produziu para a vítima e para a comunidade em que ocorreu e, pior, mais fornecimento gratuito de mão de obra ao crime organizado que domina nossos presídios.

Por toda a Parte II de seu trabalho, o Professor da USP explica essas duas formas de violências, seu crescimento e os custos humanos, sociais e econômicos que elas atingiram. Apenas para destacar os crimes mais violentos, Zanoide indicou que, de 2011 a 2019, houve 506.954 mortes violentas intencionais no Brasil. Ao analisar toda a estrutura do sistema penal tradicional, revela o número de casos criminais novos que aportam nas polícias e Ministérios Públicos, passa pelos custos e tempo para julgamentos, chegando à realidade carcerária. Somente em 2020, estima-se terem sido alocados mais de R$ 150 bilhões do erário para a segurança pública junto com os sistemas de justiça criminal e carcerário. Conforme números oficiais de junho de 2022, cada preso custou, em média, R$ 2.231,41, totalizando R$ 1,29 bilhão, apenas naquele mês.

O mais grave, argumenta Zanoide, é haver estudos de que o sistema criminal, saturado e muito oneroso, lida somente com aproximadamente 20% de toda a criminalidade enfrentada pela população. “Há enorme massa de crimes não notificados e o cidadão é forçado a conviver com os restantes 80% dentro de seus traumas e perdas internalizados. Há uma real e cotidiana violência introjetada e que causa dor e traumas a todos que ela atinja, direta ou indiretamente”, observa o professor.

Com presos em número superior ao de vagas, as condições são cada vez mais inumanas e degradantes. Além disso, há alta tolerância (para não dizer conivência) dos órgãos públicos em perpetuar o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário. Com essa situação desumana e o discurso de autoproteção dos encarcerados, foi criado o ambiente para o desenvolvimento de um Estado paralelo, representado pelas mais de 80 facções criminosas existentes no sistema carcerário brasileiro, com suas leis, forma de atuação, economia e execução de atividades.

“Quem ganha com mais crimes, mais processos e mais presos, em uma espiral ascendente da violência social?”, pergunta Zanoide, ponderando: “A sociedade não ganha e ainda paga a conta altíssima não apenas em valores financeiros, mas também em vidas humanas e em dores familiares”.

Para fugir dessa lógica da “violência versus violência”, em uma custosa e ascendente espiral retroalimentadora, o autor propõe, em seu livro, o Processo Criminal Transformativo. Um instrumento não violento que aborda, trata, reduz e altera os efeitos negativos do crime em positivos para a vítima e, se for o caso, à comunidade. É, ainda, um instrumento de transformação comunitária, ao identificar e comunicar aos poderes públicos as necessidades e carências locais, que são geradoras de algumas causas ou fatores propiciadores do crime.

A proposta de Maurício Zanoide de Moraes não é eliminar ou substituir o modelo criminal existente e com o qual atualmente convivemos (tradicional). É oferecida uma alternativa a ele e que também difere da chamada “justiça penal negociada” (os acordos entre MP e delatores são seu maior exemplo: “confesso e me dão algo em retorno”), pois na proposta do livro não há aplicação de pena criminal, mesmo que de maneira reduzida.

Por meio de uma mudança na abordagem do crime, será possível atender a vítima em suas necessidades, mas não excluir o infrator da comunidade. Busca-se que este, por meio de autorresponsabilização, atue efetiva e positivamente para reverter os efeitos de sua conduta sobre a vítima e os afetados. Isso será possível por meio de novas metodologia e dinâmica, além do envolvimento de novos agentes e agências com natureza público-privada em sua estruturação e composição, formados a partir de novas habilidades e técnicas voltadas ao âmbito ESG (meio ambiente, social e governança). O novo agente (facilitador, conciliador, mediador etc.) não buscará definir e impor pena, mas promover o diálogo entre vítima e infrator, assim como entre seus próximos, se for o caso para facilitar a busca de conciliação.

Substitui-se a culpa e sua respectiva punição pela autorresponsabilidade comprometida com a prática de ações positivas para a vítima e a comunidade atingidas. Experiências já existentes, como a APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), revelam o impacto que a participação do entorno social tem não apenas na possibilidade de viabilizar a ressocialização de apenados, mas também (e principalmente) diminuir os índices de reincidência e criminalidade como um todo.

Mas, a tese principal do livro não se limita a organizar, pensar estruturas e regras para esse atuar não violento para a abordagem, tratamento e resposta ao conflito criminal. Ela traz um outro sentido até então inexistente nos nossos tradicionais modelo e sistema punitivos.

O processo criminal “transformativo” inova ao substituir a noção de “processo penal” como instrumento estatal de julgamento e punição pela de um instrumento de interlocução da comunidade para com as autoridades públicas.

O Processo Criminal Transformativo (PCT), pelos seus agentes e agências, captará e comunicará as necessidades, as carências e as ausências de atuações das autoridades públicas e cujo não atendimento, muitas vezes, são causas (mediatas ou imediatas; diretas ou indiretas) de muitos crimes. Por esta inovadora perspectiva, o PCT é instrumento de formulação de políticas públicas efetivas por subsidiar o processo de decisão do gestor com dados e informações originadas a partir da própria comunidade sobre suas necessidades e carências específicas. O tratamento local e rápido dessas questões permitirá atuações públicas concretas para mitigar ou até mesmo eliminar fatores que geram alguns crimes naquele específico tecido social. Tudo sem atuar com violência institucional (pena, desconsideração à vítima e segregação ou estigmatização do infrator) e a baixíssimos custos econômicos, pois são atuações preventivas específicas. Atuação que, além de evitar surgimento de novos crimes, já em si será redutora de violências comunitárias não criminais e que, com o tempo, podem gerar crimes.

O Processo Criminal Transformativo é um meio em si não violento de atuar nos efeitos negativos do crime para a vítima e para a comunidade e, ainda, instrumento de comunicação com as autoridades públicas para atendimento de carências para evitar o surgimento de novos crimes. A finalidade é uma: transformar as causas do crime e parar a espiral ascendente da violência.

Sobre o autor


Maurício Zanoide de Moraes é referência nas ciências penais, advogado criminalista e Professor Titular de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na qual coordena o desenvolvimento de pesquisas, trabalhos e atividades acerca de meios de solução de conflito não judiciais e a inter-relação entre direito processual penal e os avanços tecnológicos.