Cidades

Motoristas trocam carro por transporte público devido a preço de combustíveis e trânsito

Para trabalhadores, projetos como a Faixa Azul são fundamentais para decisão de deixar o carro em casa

Por Lucas França e Thayanne Magalhães com Tribuna Independente 15/09/2022 09h15 - Atualizado em 15/09/2022 15h44
Motoristas trocam carro  por transporte público devido a preço de combustíveis e trânsito
Nos últimos anos, o valor elevado pago na hora de encher o tanque gerou uma mudança na forma de locomoção dos maceioenses - Foto: Edilson Omena

Seja pelo aumento constante nos preços dos combustíveis ou devido ao trânsito caótico, em especial no horário de pico, proprietários de carros em Maceió têm optado por deixar o veículo na garagem e usar o transporte coletivo.

Nos últimos anos, o valor elevado pago na hora de encher o tanque gerou uma mudança na forma de locomoção dos maceioenses - a troca do carro pelo transporte público e a procura por outras alternativas, como bicicleta e até andar se tornou essencial. Além disso, as vantagens que os novos corredores de transporte e a faixa azul têm possibilitam essa mudança por diminuir o tempo no trânsito.

O gerente de loja Adelson da Silva, de 51 anos, afirma que realizou uma espécie de teste até resolver aderir à mudança.

“Já faz muitos anos que optei por usar o meu carro apenas para lazer, serviços essenciais e me locomover de ônibus para ir ao trabalho, por exemplo. Tanto pelo custo alto dos combustíveis quanto pelo tempo que perco no trânsito até chegar ao trabalho. Vi que usando os ônibus do sistema coletivo eu chegava sem atrasos no meu trabalho, ou seja, isso já é um ponto positivo para passar a usar o transporte público. Além disso, antes eu gastava R$ 500 ou mais por mês usando meu carro e agora apenas R$ 170 no máximo. Economizei bastante”, pontua Adelson.

Adelson conta que todos os dias há 27 anos sai de casa com o carro e deixa estacionado próximo ao Terminal Rodoviário do Benedito Bentes, bairro onde mora, e de lá segue de ônibus.

“E só venho de ônibus porque a rua em que moro fica a cerca de 6 km do terminal e não é asfaltada – então para não chegar suado e sujo no trabalho [em especial em época de chuva] resolvi usar o carro. Estaciono nesta praça próxima ao terminal e sigo para o trabalho no coletivo”, explica a alternativa encontrada. “Outra coisa importante de destacar é que com essa prática eu evito pagar estacionamento lá no shopping, pois mesmo trabalhando em uma loja a gente paga estacionamento, e usando o ônibus até isso evito”, lembra seu Adelson.

NOVAS LINHAS

O usuário de transporte coletivo diz ainda que as novas linhas de ônibus ajudaram bastante. “Não sei como estão os demais bairros ou demais corredores de transporte, mas aqui a situação melhorou e muito. Eu nunca me atrasei usando o transporte público – moro perto do trabalho praticamente e sempre que chego aqui no terminal aguardo de cinco a 10 minutos o coletivo”, disse Adelson da Silva, que reside no Conjunto Bela Vista, no bairro Benedito Bentes e trabalha no Shopping Pátio Maceió, na Avenida Menino Marcelo, antiga Via Expressa.

O caso do supervisor de vendas Ítalo Pinheiro é bem parecido com o do seu Adelson. Ele resolveu deixar o veículo na garagem porque avalia que a faixa azul na principal avenida de Maceió – a Fernandes Lima, melhorou a vida dos trabalhadores e estudantes.

“Não há como negar que o projeto foi essencial para muita gente, principalmente para o trabalhador e para os estudantes que agora não ficam horas parados no trânsito. Na faixa azul flui melhor já que é exclusivo para o transporte público coletivo. Com isso, resolvi experimentar e vi que chego a tempo no trabalho indo de ônibus do que na comparação usando o meu carro. Antes usava o carro e observava os ônibus passando à frente e seguindo enquanto eu continuava parado no congestionamento, tanto entre 7h e 8h como no retorno para casa às 18h”, comenta Ítalo.

Projetos da SMTT incentivam usuário diário do transporte público

A Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) disse que tem desenvolvido projetos de incentivo ao uso diário do transporte público, como o valor da passagem, que permanece como o mais barato entre as capitais, no valor de R$ 3,35; transporte gratuito para os estudantes se deslocarem às instituições de ensino (Passe Livre Estudantil); reforço e criação de novas linhas de ônibus; incremento de integrações e passagens gratuitas aos domingos para toda a população maceioense com o programa Domingo é Livre.

Além disso, o órgão ressalta que há também medidas para facilitar o pagamento da tarifa, com o Vamu Maceió. “Os ônibus possuem validadores conectados à internet, aceitando pagamento com cartões de crédito e débito e carteiras digitais por aproximação com celulares e smartwatches, além do QR Code por meio do saldo da carteira do aplicativo. Com o aplicativo Vamu, a recarga será feita de maneira instantânea e os créditos disponíveis em até 10 minutos, como também ocorrerá com os aplicativos RecargaPay, Rede Ponto Certo, Qiwi e CittaMobi”.

A SMTT ressalta ainda o incentivo do acesso à informação com a implantação do sistema de Wi-Fi em ônibus e terminais.

Adelson da Silva usa seu carro apenas até o terminal do Benedito Bentes, parte alta de Maceió, e de lá segue de ônibus ao seu local de trabalho (Foto: Edilson Omena)


LEVANTAMENTO

Os maceioenses gastam com transporte público o menor percentual do salário mínimo desde 1999. Segundo levantamento do Sistema Integrado de Mobilidade de Maceió (SIMM), o gasto com transporte é 12,5% do salário mínimo, considerando duas passagens por dia, no trajeto de ida e volta.

Para a SMTT, a faixa exclusiva para ônibus reduz o tempo de viagens, em média, entre 15 e 20 minutos nos horários de maiores movimentações nas vias de Maceió. Isso pode ter colaborado para a decisão de Adelson, Ítalo e dezenas de outros condutores maceioenses. E o órgão tem intensificado as fiscalizações na via, após constatar o aumento demasiado de veículos comuns na faixa, que atrapalham a fluidez no trânsito dos coletivos.

Segundo a superintendência, há investimento em melhorias na circulação viária, principalmente em locais que foram contemplados com o reordenamento no trânsito, com a implantação de binários ou contornos de quadras, além de outras ações para melhorar a fluidez no trânsito para que o tempo das viagens seja reduzido.

Implantação da Faixa Azul fez diminuir entre 15 e 20 minutos o tempo que o passageiro permanece dentro dos coletivos e melhorou o tráfego na Fernandes Lima, afima SMTT (Foto: Sandro Lima)


Especialista apresenta propostas de melhorias

Arquiteto e urbanista, Renan Silva explicou para a Tribuna Independente várias opções que contribuiriam para a fluidez do trânsito, melhor qualidade de vida para o usuário e também para o próprio operador do sistema.

“A primeira coisa a destacar é que o transporte público no Brasil é muito concentrado no modo ônibus, no sistema de transporte por ônibus e pouco se investe em alternativas como o transporte sobre trilhos, por exemplo. Para o transporte público funcionar de forma adequada, ele precisa ser uma conveniência para atrair as pessoas. Ele não pode ser uma obrigatoriedade, a opção que resta quando você não tem outras”, opina o Renan.

Renan Silva: Para o transporte público funcionar de forma adequada, ele precisa ser uma conveniência para atrair pessoas (Reprodução)

O arquiteto e urbanista ressalta que o ônibus precisa ser atrativo, tendo atributos que confirmem a sua qualidade para o usuário.

“Então, para ele ser atrativo, precisa ter atributos que confirmem a qualidade do transporte. As pessoas precisam confiar neles, na questão da pontualidade, por exemplo. As pessoas precisam confiar que vão chegar no ponto com sua viagem programada e chegar na hora prevista no seu compromisso. Para que isso seja possível, precisamos que o transporte flua pelo espaço público”, explicou.

Renan Silva lembra que os engarrafamentos comprometem o cumprimento das viagens.

“Ficar parado no engarrafamento gera atrasos e prejuízos para o passageiro e também para o próprio operador do sistema, porque o custo da manutenção do ônibus parado em engarrafamento é maior. Consome mais combustível. O operador precisa ter mais veículos circulando para poder atender aos horários e tudo isso torna o sistema mais custoso. Acaba impactando e gerando pressão para o aumento da tarifa”, continuou o arquiteto e urbanista.

Esse problema dos engarrafamentos e o aumento das tarifas é o que torna o transporte coletivo menos atrativo, segundo Renan. Ele explica que para mudar esse cenário, não só em Maceió, mas no Brasil, é preciso distribuir o espaço público de forma equitativa, para que todos os modos de transporte tenham a possibilidade de fluir em segurança.
“É preciso distribuir o espaço público para que todos os modos de transporte tenham a possibilidade de fluir em segurança, fluir de forma otimizada, explorando potenciais e reduzindo as fragilidades, de forma segura e concreta. Mas o que se pode fazer? As faixas de ônibus, porque você atribui espaço para que um modo de transporte que leva mais gente e é menor poluente, proporcionalmente, gera mais impactos positivos e menos externalidades negativas. Você precisa estabelecer espaços para que esse modo de transporte flua e não fique disputando espaço com outros modos de transporte, como o carro e a moto”, explicou.

Ele lembra que o carro e a moto poluem mais e geram mais impactos negativos para o trânsito, contribuindo para a formação de engarrafamentos. O transporte coletivo atrativo seria a solução para diminuir esses problemas.

“Em termos de espaço público, que seja prioridade a fluidez, as faixas exclusivas ou preferenciais, dando prioridade, como é o caso os BRTs [Bus Rapid Transit], que é um trecho exclusivo para a circulação dos ônibus, onde nenhum outro tipo de veículo pode entrar nem para fazer conversão, por exemplo. Mas de uma maneira mais flexível, pode-se instalar as faixas preferenciais, que é o que temos aqui em Maceió, com a faixa azul, não somente para circulação, mas para paradas e conexões também. É preciso dar essa priorização, com baias para os ônibus pararem nos pontos em trechos onde não se consegue colocar a faixa exclusiva porque a via é estreita e isso já melhora a fluidez do trânsito como um todo”, defende.

Renan Silva reforça que as paradas e integrações são ferramentas criadas para que o sistema de transporte flua e seja racional. Para que as pessoas possam utilizá-lo de forma racional e conectada.

“Conectando uma linha com outra, um modo de transporte com outro, tendo um terminal de ônibus com bicicletários para que a bicicleta possa ser parada de forma segura, integrar também a moto, para que fique estacionada e o passageiro possa seguir de ônibus até seu destino, são aspectos importantes que devem ser levados em consideração”, continua.

“Maceió só tem a ganhar com fortalecimento do transporte público”

Para Guilherme Borges, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Maceió (Sinturb), com o fortalecimento do transporte público, Maceió só tem a ganhar.
“Menos carros nas ruas resultam em um trânsito mais fluido e com menos poluição, o que por sua vez gera mais qualidade de vida para todos. A bilhetagem eletrônica plena e suas novas formas de pagamento, como cartões de crédito e débito por aproximação e QR Code, contribuíram significativamente para tornar o sistema mais seguro e atrativo para os passageiros, pois o número de assaltos nos ônibus foi reduzido à zero, já que não há mais circulação de dinheiro dentro dos veículos”, disse Borges.

Em Maceió, o gasto com transporte público representa 12,5% do salário mínimo (Foto: Edilson Omena)

Guilherme Borges avalia ainda que a faixa azul, por sua vez, possibilita viagens mais rápidas, o que é crucial para os horários de pico. “Sem dúvidas, é outro fator muito importante na consolidação do ônibus como o principal modal para uma parte considerável da população e se faz necessária a criação de novas faixas na cidade”.

Além dessas medidas, Borges ressalta que as empresas estão em constante contato com o órgão gestor realizando estudos para mais melhorias na mobilidade urbana. “A gente leva em conta principalmente a comodidade dos passageiros e a agilidade no deslocamento”.

Tecnologia aliada ao transporte coletivo

O arquiteto e urbanista destacou também a importância de aliar a tecnologia ao transporte coletivo. Renan Silva afirma que se pode agregar alguns instrumentos tecnológicos ao trânsito, como semáforos inteligentes.

“Os semáforos inteligentes dão prioridade aos ônibus, controlam o tempo de abertura dos cruzamentos, baseados no histórico do trânsito no local. O videomonitoramento também pode ser uma ferramenta para otimizar o trânsito, para realizar o planejamento e dar prioridade ao transporte coletivo. É importante também conscientizar os condutores e mais uma série de iniciativas que podem melhorar a rotina no trânsito”, opina o arquiteto e urbanista.

Especialista reclama que sistema de transporte no Brasil é pensado só para ônibus (Foto: Sandro Lima)

Do ponto de vista do espaço físico que, segundo Renan Silva é o mote da questão, é fundamental que haja priorização.

“A gente precisa priorizar os ônibus, senão dificilmente se consegue dar uma fluidez, conectividade e confiabilidade do modo de transporte para seus usuários. Somando todas as problemáticas, a gente tem o cenário de risco iminente de colapso no trânsito, não só em Maceió, mas no Brasil inteiro. O transporte coletivo tem perdido passageiros ano após ano e, quanto menos passageiros, maior será a tarifa”, explica.

Renan Silva aponta a cobrança do estacionamento em via pública como uma forma de gerar recursos para investir em transporte coletivo ou em transporte não motorizado, como tem sido realizado em Fortaleza, por exemplo.

“Em Fortaleza tem se investido em uma expansão muito grande da malha cicloviária, financiada pela cobrança do estacionamento em via pública, chamadas zonas azuis. Então, quanto menos passageiros você tem circulando nos ônibus, significa menos dinheiro para oxigenar a manutenção econômica do sistema e, consequentemente, vem a pressão para o aumento da tarifa. Com isso, as pessoas se sentem menos atraídas e até sem condições por simplesmente não conseguirem pagar a passagem. É um ciclo vicioso que se forma e a conta não fecha”, opina.

De quem é a responsabilidade?

“A responsabilidade para a melhoria do transporte coletivo, é do poder público”, reforça o arquiteto e urbanista Renan Silva.

Ele explica que no âmbito municipal a responsabilidade é das prefeituras, as rodovias estaduais são responsabilidades do Estado e as rodovias federais são de responsabilidade da União.

“O poder público tem a responsabilidade de atuar tanto nas intervenções de redistribuição espacial, nas sinalizações, quanto na criação de políticas públicas que fomentem ou criem instrumentos para a geração de recursos para investimento no setor”, continua.

Renan Silva explica ainda que a melhoria do espaço público pode ser feita com a aplicação de medidas indicatórias de impacto em locais onde há poligeradores de trânsito.
“Como por exemplo, um supermercado se instala numa determinada região da cidade, ou uma universidade, que são equipamentos que atraem muita gente. Quantas viagens são geradas por essas edificações? Então, quando isso ocorre, isso gera impacto no espaço público. Daí, o poder público deve cobrar medidas que indiquem esses impactos, então isso pode ser cobrado de forma pecuniária ou na obrigatoriedade do ente privado realizar intervenções urbanas, como a criação de uma alça viária, de uma passagem de nível, de uma baia para ônibus, uma ciclofaixa”, opina o especialista.

Então, de acordo com Renan Silva, a responsabilidade é do poder público tanto na redistribuição direta, na qualificação do espaço, quanto na criação de instrumentos que fomentem a qualificação desse espaço, visando a melhoria do transporte coletivo nas cidades. Porém deve haver uma conexão entre o espaço público e o privado.
“Nossos empreendedores precisam entender que uma edificação, o projeto de um prédio, por exemplo, ele não fica restrito aos moradores. Um prédio multifamiliar, que abriga várias famílias, não se encerra nos muros. Quando ele se instala na cidade, ele compõe o espaço público e então existe a conexão do espaço privado com o público. Um exemplo prático é quando um prédio constrói um muro alto e cego, tornando a rua um espaço inóspito, mais vazio e vulnerável à violência urbana. Então, essa iniciativa privada deve participar nesse âmbito, construindo espaços mais amigáveis”, explica Renan Silva.

O arquiteto e urbanista ressalta que o espaço privado deve se conectar de forma mais inteligente com o espaço público.

“Na necessidade de mudança, não se deve cobrar apenas do poder público. É preciso que haja consciência coletiva, sobretudo na gestão pública. O transporte coletivo precisa fluir e ele é importante para o cidadão, para a prefeitura e para as empresas. Ele é fundamental. Sem transporte público, uma cidade como Maceió não sobrevive. É importante criar um ambiente onde as pessoas entendam que o transporte coletivo é importante inclusive para aquele que não abandona o carro de forma alguma porque quanto mais gente migrar para o ônibus, mais espaço existirá para o carro andar”, concluiu.