Cidades

Procurador defende indenização mais célere da Braskem ao Estado

Governo pleiteia ressarcimento pelos imóveis que foram desocupados em razão do afundamento de solo, mas não descarta cobrar indenização mais ampla, pelos danos causados

Por Tribuna Independente 10/09/2022 10h36
Procurador defende indenização mais célere da Braskem ao Estado
Procurador Evandro Pires: “nunca aconteceu no Brasil nada como isso e a gente não tem como mensurar todos os danos de imediato” - Foto: Sandro Lima

O procurador Evandro Pires, da Procuradoria Geral do Estado (PGE), defendeu uma tese no início deste mês em que aponta a necessidade de dar celeridade ao processo de indenização dos imóveis do Estado que estão situados nos bairros com afundamento de solo. O estudo foi apresentado no Congresso da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape). Em conversa com a Tribuna Independente, Evandro Pires elencou entre outros pontos, que é possível que o ressarcimento ocorra considerando que estes imóveis perderam a característica de bens ao não ter mais utilidade. Além disso, ele pondera que a PGE também analisa a possibilidade de cobrar da Braskem uma indenização pelos impactos sofridos pela coletividade. Para o procurador, apesar disso, é preciso garantir que os serviços que vinham sendo desenvolvidos na região até o afundamento de solo sejam inteiramente garantidos.

Tribuna Independente
- No que consiste a tese e como surgiu a ideia de elaborar?

Evandro Pires
- A ideia da tese começou quando eu estava substituindo a atuação na câmara de prevenção e solução de conflitos administrativos da PGE. A câmara já vem tentando fazer algumas composições com a Braskem. Atualmente a gente está em fase avançada do IMA [Instituto do Meio Ambiente de Alagoas], Portugal Ramalho, de algumas escolas e o que a gente percebeu é que a indenização, por ser Estado, tinha alguns entraves, que inclusive acaba atrasando o processo de negociação. Por causa disso, a gente pensou numa nova sistemática de acelerar o processo de indenização do Estado. E a tese fala justamente sobre isso, como indenizar o estado de forma mais célere possível. Esse é o objeto de estudo, que gerou bastante interesse de outros estados com o que a gente defendeu lá no RS. Inclusive o objeto da tese é como acelerar a indenização do estado.

Tribuna Independente -
E quais seriam esses obstáculos para o avanço das negociações?

Evandro Pires
- Na verdade, não tem impedido, o que a gente tem é um procedimento das coisas públicas, de que eram necessários alguns requisitos para concluir a indenização. Neste sentido a gente está falando de autorização legislativa, processo licitatório, que são entraves previstos na lei para bens públicos. O que a gente defende é que esses imóveis não são bens porque não têm utilização, não podem ser utilizados mais. E, por não ser considerado um bem, o procedimento de indenização é mais simples porque não precisa passar pelo processo de licitação.

Tribuna Independente
- Essa indenização envolve apenas os imóveis de propriedade do Estado ou abrange também uma possível reparação dos danos causados?

Evandro Pires
- A tese se concentra na indenização dos imóveis que o Estado tinha na região afetada. Outras indenizações não foram discutidas, mas a meu ver é possível sim que haja ações adicionais em razão do evento. A procuradoria vem justamente trabalhando nisso. São questões que vêm sendo objeto de debates, de estudo. E aí um dado interessante que aconteceu recentemente é que o Estado anteriormente era apontado em ação ajuizada pelo MPF como um dos causadores e a Justiça Federal reconheceu que o Estado não é causador do dano e sim vítima do evento geológico. A gente tem um tratamento institucional disso, temos uma análise mais ampla do dano, mas a tese se refere a indenizações dos imóveis.

Tribuna Independente
- Quanto representa em valores essa indenização?

Evandro Pires
- O Estado encomendou um estudo sobre esse valor, mas o que é muito importante e, apesar de falarmos sobre indenização de imóvel, o foco central institucional não é o valor em si, mas os serviços públicos afetados. A gente está mais preocupado, que qualquer valor, que as escolas voltem, que os serviços ofertados pelo Portugal Ramalho voltem a ser prestados. Que os serviços voltem a ser prestados e a discussão da tese é só para acelerar isso. O centro da gente não é o debate sobre quanto o Estado perdeu ou quanto pode receber, mas os serviços públicos que esses órgãos prestavam que são mais sensíveis, porque afetam a população. O dinheiro que o estado eventualmente receber, se não houve o serviço prestado para a gente não é o centro da análise. Porque alguns serviços foram descontinuados, outros realocados. Esse estudo que foi apresentado é uma parte de estudo maior, veio de um processo específico, que me coube a análise. O objeto é como esse serviço deve voltar a ser prestado.

Tribuna Independente
- Qual sua avaliação sobre os impactos sociais causados, a PGE mensura esse impacto de todas as mudanças ocasionadas na região?

Evandro Pires
- Atualmente o nosso grupo de trabalho está fazendo esse aprofundamento. A gente está falando de um evento único e recente, apesar de ser quatro anos, é algo único, nunca visto. Até então a gente vinha buscando entendimento de uma posição definitiva. A Braskem vinha dialogando sobre a indenização dos móveis e como todo estudo é um processo demorado. Só a pesquisa demorou mais de um ano. Esse processo é de 2020, foi concluído o estudo em 2021 e foi apresentada a tese agora. Esses outros aspectos estão sendo estudados agora e é um trabalho de contratar consultoria, que o Estado já fez. A análise do cenário de forma mais ampla leva um tempo, a gente estava fazendo antes de forma pontual e agora demos a ampliação para entender como esses danos ocorreram e pensar numa atuação conjunta. Sair apenas da indenização foi o primeiro passo do estudo, de como seriam indenizados, quais danos materiais sofreu, e quais outros danos também foram gerados e aí a gente está nessa segunda fase, fazendo um estudo mais amplo. Eu não sou alagoano, quando me deparei com uma região inteira, um bairro tão tradicional inteiramente desocupado, como um cenário de guerra, isso foi muito chocante. Inicialmente o que a gente vê é o imóvel e só depois é que a gente percebe que vizinhos deixaram de ser vizinhos, que pessoas deixaram de ter relações e agora estamos estudando essas outras consequências. Toda pesquisa decorre do que vai sendo analisado ao longo do tempo, essas questões vão surgindo. Nunca aconteceu no Brasil nada como isso e a gente não tem como mensurar todos os danos de imediato. E esse estudo deve levar um tempo.

Tribuna Independente
- Quais são as próximas etapas? Existe um prazo para conclusão?

Evandro Pires
- Estabelecer prazos é complicado, quando maior a atuação proativa da gente cremos que vá ser mais céleres. Problemas complexos exigem soluções também complexos. Qualquer pessoa que apresentar uma solução simples para esse caso não vai resolver o problema. A indenização de um imóvel é uma, de um comerciante é outra e do estado é outra, que são questões específicas e precisam ter soluções diferentes. A gente tem uma situação muito complexa que exigem soluções diversas. Se a empresa optar por facilitar, cremos que será mais célere, temos que caminhar para uma solução consensual porque não há um caso com paralelo próximo. Nenhum caso desse porte conseguiu uma solução rápida ou perfeita, mas as soluções menos ruins são consensuais. Se todo mundo resolver litigar, vai ficar difícil. O estado tem um posicionamento muito claro em busca uma solução consensual. Tentar compor para que o dano seja resolvido de forma consensual.

Tribuna Independente
- Existe um acordo socioambiental que prevê ações de reparação social, ambiental e de mobilidade que inclui a participação da Prefeitura de Maceió. Esta semana, o executivo municipal anunciou obras de mobilidade urbana como forma de compensação pelos impactos. Esse formato de acordo pode ser utilizado pelo Estado numa possível indenização por reparação?

Evandro Pires
- Acordo do MPF foi uma medida saudável, todos os entes que agiram, que estão nesse contexto de diálogo estão agindo de forma adequada. Pessoalmente, o estado, os danos que a coletividade do estado sofreu devem ser analisadas do porte do estado. A região metropolitana sofreu um êxodo de 60 mil pessoas, não apenas em Maceió, o dano não foi apenas em Maceió e por isso o dano em Maceió foi menor. Porque os danos que a coletividade do estado sofreu são específicos do estado, e comparar com o município, os danos que o Estado sofreu são maiores, a solução consensual é o melhor meio, mas não gosto de usar o parâmetro do município que foi adequado para o munícipio que os gestores do município entenderam assim e não quero emitir juízo de valor sobre isso, mas essa situação não pode ser utilizada como comparativo para o estado. São universos diferentes, o acordo foi, as proporções são diferentes.

Tribuna Independente
- Numa possível indenização de impactos, e não apenas de bens desocupados, a PGE pretende avançar também nas discussões compensatórias?

Evandro Pires
- Os nossos estudos vêm ocorrendo a medida em que a gente vai tomando pé do tamanho do dano. A gente tem uma região da cidade que virou fantasma, que não tem vida. Porque a vida da cidade é gente. Quando você tira isso, são imóveis sem serventia. O estudo da gente começa daí, do primeiro dano que assusta. A gente não afasta a possibilidade de uma ação, de um pedido de compensação mais amplo, e antes de pensar em processar a empresa, a gente precisa pensar em dialogar com a empresa, de conseguir bons frutos com uma conversa, podemos ter essas compensações mais amplas a partir de uma conversa. É o que a gente vem tentando. E procurar um meio de compensação não está distante do que a gente pretende. Temos uma comissão constituída para isso e precisamos saber quais danos ocorreram e como vão ser sanados. Fundamentalmente, a PGE como instituição já percebemos que um cheque não resolve, que a gente não está tratando efetivamente de dano ao estado. A menor preocupação hoje da gente é ressarcir o erário, precisamos fazer essa análise mais aprofundada e como evitar que essa maior catástrofe em território urbano do país pode não piorar ainda mais a vida das pessoas. É um problema muito complexo.

Tribuna Independente
- As negociações com a Braskem foram iniciadas? Eles tiveram acesso ao estudo?

Evandro Pires
- A gente vem negociando há anos, tratando de situações pontuais. Agora, percebendo essa questão mais sistemática, estamos internamente fazendo a análise do dano para nas próximas discussões apresentar nossas avaliações. Agora que a gente vai conversar com a Braskem com um leque maior. Eles tiveram acesso ao nosso estudo, mas é preciso fazer um estudo do estudo para que eles concordem ou não com a solução. A Braskem não tem sido o maior entrave da gente. Precisamos dar dois passos para trás para dar atenção a essas questões e tratar o problema de forma mais orgânica, mais sistemática.