Cidades

“Descontos de IPTU nas indenizações é imoralidade”

Apesar de lei de 2019 que isenta pagamento de débitos por 5 anos, líderes dizem que valores atuais e antigos vêm sendo descontados

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 24/03/2022 10h51 - Atualizado em 25/03/2022 11h09
“Descontos de IPTU nas indenizações é imoralidade”
Lei de 2019 isenta cobrança de IPTU a imóveis do Pinheiro, Mutange e Bebedouro a partir da promulgação - Foto: Arthur Melo

Valores devidos do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) em imóveis dos bairros atingidos pelo afundamento de solo vem sendo descontados das indenizações recebidas pelos proprietários. É o que afirmam lideranças das regiões afetadas. Uma lei de 2019 isenta a cobrança a partir da promulgação, entretanto, os valores que constam no sistema da Prefeitura de Maceió têm sido abatidos do ressarcimento dos moradores desde o início do programa de compensação da Braskem.

Conforme explica o líder comunitário do Bom Parto, Fernando Lima, imóveis do bairro vêm sendo alvo desses descontos. Indenizações de R$ 81 mil, segundo ele, tiveram descontos em torno de R$ 1 mil.

“É um absurdo que uma lei que deveria isentar também a comunidade do Bom Parto não foi atualizada e os moradores que já recebem um valor onde vai ser difícil comprar outro imóvel ainda tenha que ter desconto”, pontua.

O presidente da Associação dos Empreendedores do Pinheiro e região, Alexandre Sampaio, detalha que a legislação municipal prevê uma isenção para os débitos gerados a partir de 2019. Para ele o desconto é uma “imoralidade”.

“Os descontos de IPTU nas indenizações são uma imoralidade, porque há uma lei N° 6900/2019 que isentou todos os imóveis dos bairros afetados no limite do abarramento, ou seja, até além do mapa de riscos da Defesa Civil. A Braskem está se beneficiando desses descontos, mas cobrando dos proprietários, cobrando das pessoas que deveriam estar gozando desses descontos. Se um dia a prefeitura cobrar dela, o cliente não tem nada a ver. E isso aí é uma ilegalidade que a Prefeitura já deveria ter interferido para acabar com essa injustiça. Mas isso mostra que tanto o GGI dos bairros quanto o prefeito JHC não está se quer cumprindo a lei que nós aprovamos na gestão [anterior] do Rui Palmeira”, critica o ex-morador.

Conforme apurou a reportagem, existem duas situações ocorrendo de forma simultânea: débitos anteriores a Lei N° 6900/2019, prescritos ou não que constam nos registros da Secretaria Municipal de Economia (Semec); e débitos após a promulgação da Lei. Em ambos os casos, com o registro no sistema, os valores passam a integrar o cálculo de indenização dos moradores, sendo deduzidos do montante pago pela Braskem ao proprietário do imóvel.

“A lei citava o seguinte, que toda vez que o mapa fosse atualizado, a lei seria regulamentada e os imóveis incluídos no nos benefícios. Então o que é que está acontecendo? A Braskem na hora de pagar as indenizações dos imóveis que estão nessa área do mapa está cobrando e está descontando os IPTUs. Mas como descontar o IPTU se já é uma lei que desconta, que isenta o IPTU. O que é que explica? A Braskem está prevendo que a Prefeitura vai cobrar dela o IPTU porque ela deu causa ao problema e já tá descontando das pessoas afetadas. Quando as pessoas por lei já têm o direito à isenção. Uma segunda categoria, que é a das empresas que entraram no mapa depois e também os moradores no Bom Parto, a Prefeitura está cobrando o imposto normalmente e a Braskem está descontando isso. Então, por lei, o trecho do Farol, aquele entre a Fernandes Lima e o Cepa; entre o Bom Parto e a Leste-Oeste deveria estar isento de imposto e a Prefeitura está cobrando e a Braskem também”, diz Sampaio.

Ordem dos Advogados quer perdão dos débitos prescritos e ajuizados

Diante do cenário, o presidente da Comissão Especial de Acompanhamento do Caso Pinheiro da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Alagoas (OAB/AL), Carlos Roberto Lima Marques, se posicionou favorável a uma mudança no perfil dessas cobranças para possibilitar que os moradores sejam de fato beneficiados, apesar do débito existente.

“Vamos imaginar que moradores tinham débitos de 2010, 2011 e acontece uma situação de débitos prescritos, porém a informação da Secretaria de Finanças consta aquele débito e a Braskem ao consultar e localizar o débito e deduz. As pessoas que tinham débitos e foram indenizadas até agora tiveram esses valores descontados. Para que o morador não tenha esse desconto, é preciso entrar com processo administrativo para que seja reconhecida essa prescrição e isso leva um tempo que os moradores não podem esperar. A OAB vai solicitar que débitos prescritos e ajuizados haja possibilidade de anistia. Sabemos que a dívida existia, mas se houvesse uma atuação de perdoar esses valores, com certeza os moradores seriam contemplados com um valor a maior e não teriam essas deduções. Queremos sensibilizar o executivo a isentar esses valores, inclusive as dívidas ajuizadas”, enfatiza o advogado.

Sobre o impacto de uma mudança como essa nos valores já recebidos pelos proprietários, o presidente da comissão afirma que seria preciso um estudo do município para identificação e posterior ressarcimento.

Procurada, a Braskem confirmou que há dedução nos valores de IPTU nas indenizações pagas. A empresa não detalhou se há algum entendimento prévio com a Prefeitura em relação aos descontos, cobranças e isenções.

“Conforme previsto no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação, o morador deve cumprir as obrigações ligadas ao imóvel até a transferência da posse, quando assina o Termo de Desocupação. O morador que pagar as despesas ligadas ao imóvel após a desocupação será ressarcido por esses valores na proposta de acordo a ser apresentada pela Braskem. Todos os débitos existentes que sejam relativos ao imóvel e anteriores a sua desocupação são apresentados ao assistido e descontados após consentimento do morador”, explica a petroquímica.

A Secretaria Municipal de Economia (Semec) foi procurada para comentar como ocorre o processo de identificação dos débitos e como as isenções vêm sendo aplicadas nos imóveis das áreas afetadas pela mineração e informou que não há nenhuma cobrança do IPTU direcionada aos imóveis da região para esse período.

“A isenção é garantida pela Lei N° 6.900, de 2019, que isenta os imóveis do bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro da cobrança de tributos municipais pelo período de 5 anos. A determinação, no entanto, não engloba a cobrança para os débitos tributários de exercícios fiscais que antecedem a aprovação da lei. A Secretaria ainda orienta que os contribuintes que alegam a cobrança em andamento entrem em contato com o órgão para que a situação seja averiguada junto ao setor de Cadastro Imobiliário”, esclarece a Semec.