Cidades

Em Alagoas, sobe 300% número de assassinatos de pessoas trans em 2020

Estado ocupa a sexta posição no ranking de mortes no país e é o terceiro do Nordeste, aponta dossiê da Antra

Por Texto: Ana Paula Omena com Tribuna Independente 03/02/2021 10h50
Em Alagoas, sobe 300% número de assassinatos de pessoas trans em 2020
Reprodução - Foto: Assessoria
O número de assassinatos de pessoas trans triplicou em 2020 no estado de Alagoas, conforme dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra). Foram oito homicídios em 2020 contra dois no mesmo período de 2019. O estado ocupa a sexta posição no ranking nacional de mortes e é o terceiro do Nordeste. Joana Domingos, de 19 anos, faz parte dessa estatística. A transexual foi assassinada a tiros, no dia 25 de outubro do ano passado, na zona rural do município de Rio Largo. Joana Domingos, nome social de João Paulo Domingos da Silva, foi vítima de disparos de arma de fogo às margens de uma rodovia, na entrada do Conjunto Antônio Lins, no bairro Mata do Rolo. Para Nildo Correia, presidente do Grupo Gay de Alagoas (GGAL), a exposição à violência, o abandono e a vulnerabilidade são fatores que têm favorecido o crescimento da violência. “Os números do relatório da Antra são um exemplo negativo da falência das políticas públicas divulgadas pelo Estado. Infelizmente boa parte dos crimes não tem identificação do suspeito, comprometendo a investigação. Em muitos dos casos, não existe nem o suspeito, quanto mais o réu confesso”, declarou. [caption id="attachment_251993" align="aligncenter" width="640"] Para Correia, abandono e vulnerabilidade favorecem crescimento da violência (Foto: Sandro Lima/Arquivo TH)[/caption] De acordo com Nildo Correia, a população trans ainda sofre para conseguir emprego, por exemplo, e muitas acabam na prostituição ou no trabalho informal. “Nosso país é onde mais se mata a população LGBTQIA+”, frisou. Para Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra e uma das autoras do dossiê, a violência contra a população trans está intimamente ligada à falta de direitos básicos como educação e saúde, assim como a exclusão familiar e ausência completa de políticas públicas. Segundo ela, foram as diversas formas de violências e o descaso estrutural do Estado que impossibilitaram as mulheres trans de realizar o isolamento social durante a proliferação do coronavírus, as deixando mais expostas à contaminação e à violência durante a maior crise sanitária da história. Ainda de acordo com a secretária de articulação política da Antra, os números representam uma população onde a maioria vive em situação de vulnerabilidade. “Que realmente precisou, durante a pandemia, continuar na rua e tendo que se prostituir”, frisou. “Então elas eram muito mais expostas, visto que tinha menos policiamento, menos pessoas na rua, um cenário que favorece a impunidade”, completou Bruna Benevides. Outro dado que chamou a atenção do dossiê é que 72% dos assassinatos foram de travestis e mulheres transexuais profissionais do sexo. Segundo a organização apontou, 90% desta população está na prostituição, enquanto somente 6% está no mercado formal e 4% na informalidade. Mulher trans e militar da marinha, Benevides afirmou que os crimes acontecem com requintes de crueldade, pelo uso excessivo da força e vandalização dos corpos. Para ela, os assassinatos são impulsionados pelo discurso de ódio reverberado em todo o Brasil. 80% dos homicídios são contra transexuais e travestis negras De acordo com o dossiê, mulheres trans e travestis negras são 80% dos casos de assassinatos contra pessoas trans no Brasil. De acordo com o levantamento, uma pessoa trans apresenta, pelo menos, nove vezes mais chances de ser assassinada do que uma pessoa cisgênera, que é condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento. “Porém, essas mortes acontecem com maior intensidade entre travestis e mulheres transexuais, principalmente contra negras, assim como são as negras as que têm a menor escolaridade, menor acesso ao mercado formal de trabalho e a políticas públicas. Travestis e transexuais negras são maioria na prostituição de rua. Proporcionalmente, são essas as que têm os maiores índices de violência e assassinatos”, diz o documento. De acordo com a Antra, a maior concentração das mortes foi no Nordeste, que somou 43% dos crimes. A região se mantém nessa posição desde a publicação do primeiro relatório, em 2017. A região Sudeste aparece em seguida com 34% dos casos. A região Sul está em terceiro com 8%. Tanto a região Norte quanto a Centro-Oeste registraram 7%. NÚMEROS Em números absolutos, São Paulo foi o estado que mais matou a população trans em 2020, com 29 assassinatos, contando com aumento de 38% dos casos em relação a 2019 – segundo aumento consecutivo, já que, em 2019, houve aumento de 50% em relação a 2018; seguido do Ceará, com 22 casos, que aumentou em 100% o número de assassinatos em relação a 2019; Bahia, com 19 e aumento de 137,5% em relação a 2019. Minas Gerais, que saiu de cinco casos para 17; e o Rio de Janeiro se manteve na 5ª posição, indo de sete casos para em 2020 – aumento de 43%; Alagoas, com oito assassinatos; Pernambuco e Rio Grande do Norte com e RN com sete casos cada; Paraíba, Paraná e Rio Grande do Sul com cinco; Goiás, Mato Grosso, Pará e Santa Catarina com quatro; Amazonas, Espírito Santo, Maranhão e Rondônia, com três; Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Piauí e Sergipe com 2 casos cada; e Acre, Roraima e Tocantins com um assassinato cada. Não foram encontrados casos reportados na mídia no Amapá. São Paulo, Ceará, Bahia e Rio de Janeiro aparecem entre os cinco primeiros estados com mais assassinatos de pessoas trans desde 2017. Durante o ano de 2020, o Ceará chamou a atenção da mídia pelos recorrentes casos entre julho e agosto, somando nove assassinatos somente nesses dois meses. “Sabemos que todo mundo tem os seus ‘corres’, mas é muito importante que vocês deem atenção para as nossas existências. Nós somos negras, mulheres, somos pessoas com deficiência, evangélicas e também de matriz africana, somos pessoas do campo, somos diversas. Estamos em todas as lutas, mas seguimos preteridas quando se trata de nossas pautas. Queremos que vocês apareçam, fortaleçam, participem e ajudem a construir as atividades que serão organizadas nas suas cidades. Precisamos que vocês ouçam nossos gritos”, disseram Bruna Benevides e Sayonara Nogueira, autoras do estudo Dossiê - Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2020. “Procurem as instituições e se coloquem pra ajudar. A revolução que a gente tanto sonha só vai acontecer quando estivermos fortalecendo um pensamento democrático, laico, feminista, anticapacitista, antirracistas e anticissexista, e contra todas as formas de opressão. Desejamos um futuro onde estudos como esses não sejam mais necessários, mas enquanto nada for feito continuaremos gritando a plenos pulmões e esperando que o mundo inteiro ouça e aja: parem de nos matar!”, finalizaram.