Cidades

Moradores, movimentos sociais e Casas de matriz Afro-Brasileira repudiam demolições

Foram cerca de 30 casas demolidas e 50 imóveis notificados para serem desocupados na região

Por Assessoria 23/04/2020 13h43
Moradores, movimentos sociais e Casas de matriz Afro-Brasileira repudiam demolições
Reprodução - Foto: Assessoria
Casas demolidas à força em plena pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Cerca de dois mil moradores e aproximadamente 50 imóveis notificados para desocupação, sem nenhum diálogo com os moradores da região. Foi assim que equipes da Secretaria Municipal da Segurança Comunitária e Convívio Social (SEMSCS) agiram no conjunto Eustáquio Gomes e adjacências. Memórias do povo negro e de movimentos que lutam por direitos à moradia, cidadania e liberdade, foram arrancadas. Na região há uma concentração de alguns terreiros de religião matriz africana, um deles é o de Mãe Vera, um patrimônio vivo e cultural do estado de Alagoas, que coordena a casa de Matriz Afro-brasileira Abassa de Angola Oya Igbale. Existem moradores que residem na região há mais de 40 anos, ou seja, uma comunidade que persiste em sobreviver. Segundo a Prefeitura de Maceió, as casas foram construídas de forma irregular, e deram um prazo de dez dias para os moradores saírem das áreas da conhecida "favelinha", no conjunto Eustáquio Gomes e região. Em relação a ajuda aos moradores, o órgão não se manifestou. "Qual era o deles? Ter pegado o documento de cada morador, ir de casa em casa e ter feito essa relação para que quando viessem dessa vez ter feito os trâmites certos, mas já chegaram aqui e já foram dizendo que tinha que derrubar, que a gente tinha que sair", declarou Ademir Rosalino, um dos moradores do bairro. O coordenador do Instituto do Negro de Alagoas (Ineg/AL), Jeferson Santos, contou que quando tomaram conhecimento da movimentação da prefeitura sobre o processo de desalojação da população negra, entraram logo em contato com o promotor de justiça Jorge Dória, do Ministério Público Estadual (MPE). Dória averigou na tarde de domingo (19) a situação e se prontificou a auxiliar os moradores na manhã desta segunda (20). "Na manhã dessa segunda, Jorge Dória fez a intervenção solicitando que a prefeitura adiasse o procedimento que ela tava realizando.. Os moradores não tem pra onde ir. Estão lá há anos e merecem permanecer no local", disse Santos. A Ordem dos Advogados do Brasil também teve um papel importante no auxílio aos moradores, e teve uma reunião com o secretário do convivio urbano, junto com o representante de uma das casas, o Babalorixá Wagner de Xoroque. Integridade do povo deve ser mantida Após a notícia que a Prefeitura deu 10 dias para os moradores desocuparem as casas, e depois que o problema foi levado a outro patamar, uma intervenção do Ministério Público Estadual de Alagoas (MPAL) fez com que a ação de reintegração de posse da Prefeitura de Maceió, prevista para ocorrer esta semana na comunidade, ganhou um prazo de mais 30 dias. Um mês praticamente para que os cerca de dois mil moradores possam, junto ao Poder Executivo, encontrar uma solução para o problema. “Estamos vivendo uma crise mundial na saúde, com uma doença que já matou milhares de pessoas em centenas de países. No Brasil e, claro, aqui em Alagoas, a situação não é diferente e a Covid-19 tem feito vítimas todos os dias. Então, é preciso prudência neste momento. Não podemos simplesmente colocar essas pessoas na rua sem dar um abrigo para que elas fiquem protegidas do vírus”, argumentou Jorge Dória. O município de Maceió alega que houve invasão de área pública, mas, em tempos de pandemia da Covid-19, a Promotoria de Justiça de Urbanismo argumentou que, sem ter para onde ir, essas pessoas passariam a ficar bem mais expostas ao risco de contaminação do coronavírus. Além de residências, no local existem três casas de axé ligadas as religiões de matriz africana. Há três casas de axé na localidade que reúnem umbadistas e candomblecistas na região. São neses locais que eles professam a sua fé, e Alagoas já viveu um episódio de massacre, que ficou conhecido como "Quebra de Xangô", em 1912, o que não pode se repetir no século em que estamos. O desabamento dessas casas arrancaria também o solo sagrado dessas pessoas. Doação para manter casa Abassa de Angola O terreiro Abassa de Angola e o albergue da Yalorixá Mãe Vera, da Cidade Universitária, parte periférica de Maceió, criaram uma campanha de arrecadação de mantimentos para ajudar pessoas vulneráveis socialmente a se proteger da pandemia do novo coronavírus. A casa de resistência está recebendo doações de alimentos, produtos de limpeza e de higiene pessoal. Para mais informações e para doar, o Instagram @_abassadeangola está disponível. https://instagram.com/_abassadeangola?igshid=1ftznz4p7014m *Texto de Jamerson Soares, bolsista do projeto Comunicação Comunitária, coordenado pela professora Manuela Callou e Keka Rabelo, da Universidade Federal de Alagoas e Movimento dos Povos das Lagoas.