Cidades

Relatos de trabalhadores no “front” do vírus

Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e psicólogos que atuam no Estado falam sobre receios com o risco de contágio

Por Texto: Wellington Santos com Tribuna Independente 18/04/2020 12h19
Relatos de trabalhadores no “front” do vírus
Reprodução - Foto: Assessoria
A vida de profissionais de saúde alagoanos entre hospitais durante a pandemia que amedronta Alagoas, o Brasil e o mundo são como uma bomba-relógio: ameaça explodir a qualquer momento. A Tribuna Independente foi saber deles que estão na linha de frente da batalha, ou seja, nos hospitais, como se sentem à ameaça real de um inimigo invisível e extremamente perigoso. Como eles estão lhe dando com essa ameaça que já infectou pelo mundo, até o fechamento desta edição, mais de 2 milhões de pessoas. A doença já matou 139.805 pessoas no planeta. EUA, Itália e Espanha seguem com os maiores números de mortes. Já o Brasil, também até o fechamento desta reportagem, atingiu a marca de 30.425 pessoas infectadas por coronavírus (causador da covid-19), segundo dados do Ministério da Saúde. O número de óbitos cresceu 188 desde o último balanço e por ora eram 1.924.  A taxa de letalidade da doença é de 6,3%... Em Alagoas, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) informou até quinta-feira (16), que o Estado tinha 89 casos confirmados da Covid-19, além de continuar com cinco óbitos. Os dados constam no Boletim Epidemiológico, que apontava 291 casos em investigação. Em março, quando o novo coronavírus passou a ser transmitido de forma comunitária no Brasil, esses profissionais começaram a receber os primeiros pacientes contaminados. Foram obrigados a adaptar a rotina no trabalho (com rituais de paramentação e corridas incessantes de um local a outro) e em casa (com regras para evitar o contato com o marido, esposas e filhos). No relato abaixo, confirma o que eles contam sobre a rotina diante da pandemia nos hospitais em que trabalham em Alagoas. Medo de infectar Sua rotina profissional é o exercício da obstetrícia no Hospital Universitário de Alagoas. Seu nome é Luciano Pimentel. O obstetra relata à Tribuna Independente o que é estar na linha de frente com um inimigo perigoso e, pior, invisível.  “Como médico-obstetra, nesse momento tenho atendido as intercorrências obstétricas, como também, tenho atendido grávidas e puérperas aqui de Maceió e incentivado as ações de prevenção ao Covid-19”, diz Pimentel. “Diante do cenário de pandemia, o meu maior medo é o de ser infectado e também infectar meus entes próximos. Como também, tenho muito medo com o impacto nesse segmento de pacientes (gestantes) já que essas têm suas próprias demandas”, afirma. Sobre a rotina no lar, o médico também relata como tem sido. “Tenho tido uma preocupação muito grande acerca dessa nova rotina ao voltar para meu lar. Atualmente, mudei minha rotina totalmente. Chego em casa e tomo banho antes de entrar em casa. Tenho filhos jovens em quarentena e tenho que motivá-los a permanecerem em casa. Enfim, é um momento que exige muito de nós profissionais que estamos na linha de frente, mas vamos vencê-lo”, completa. “Meu maior receio é que existe grande número de profissionais infectados” Já a enfermeira Simone Barros vive uma jornada dupla entre Alagoas e Pernambuco. Ela trabalha no Hospital Universitário de Alagoas e Hospital Estadual Jesus de Nazareno, de Pernambuco. Também no front desta batalha, ela conta o que está vendo da missão. “Enquanto enfermeira de unidades hospitalares distintas atuando perante a linha do combate ao Covid-19, o meu maior receio acerca dessa pandemia é saber que há um grande número de profissionais sendo infectados a cada minuto. Embora as medidas de controle nos hospitais que trabalho estejam sendo tomadas, sabemos que nossos ambientes hospitalares podem se tornar também centros de disseminação da doença diante do número de casos que venham a surgir”, diz Simone. “Assim, a prorrogação das medidas preventivas, bem como as novas medidas adotadas por nossos gestores nos trazem um pouquinho mais de segurança, pois precisamos que as pessoas que não estão na linha de frente mantenham-se no isolamento social para que consigamos sair desse momento tão difícil”, completa a profissional. “É sabido que o medo pode nos impulsionar para o enfrentamento, ou nos paralisar, caso tome uma proporção de pânico. Assim, nós que estamos na linha de frente, vivenciamos essa dualidade. Venho acompanhando o processo de adoecimento dos servidores devido ao medo de serem infectados e vendo o quanto as demandas psicológicas estão aumentando nos serviços de saúde”, diz Simone. “É fato que o coronavírus é uma situação concreta que exige uma reação rápida como forma de preservação da vida, muitas vezes nossos medos são causados por coisas como uma dificuldade de encarar o novo e nesse momento o desconhecido, chamado Covid-19. Diante dessa situação de encarar o desconhecido, o meu maior medo é não ter a mínima ideia de onde a situação de pandemia pode nos levar”. “Por outro lado, nos deparamos com o altruísmo fora do comum. Enquanto profissionais da linha de frente, estamos nesse momento desligados de nossas famílias para ajudar quem não conhecemos. Enquanto enfermagem, estamos comprometidos com o cuidado e com o outro”, afirma Simone Barros. “Desinfetar o carimbo, a caneta, não entrar com a mochila dentro de casa e nem com sapatos, tirar a roupa, lavar a mão, tomar banho, passar álcool. É uma neurose fora do comum. O receio é que eu possa estar levando o vírus para uma pessoa que eu amo. Então essa rotina é bem comum para todos os profissionais da linha de frente”, completa a enfermeira. Sentimento é de insegurança diante da pandemia Insegurança. Esse também é um dos sentimentos que perpassam a cabeça dos profissionais que estão no front desta batalha. Foi isso que disse a nutricionista Rosângela Gonçalves, servidora da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e profissional do Hospital Universitário de Alagoas. [caption id="attachment_369490" align="aligncenter" width="640"] Nutricionista Rosângela Gonçalves: insegurança com o desconhecido (Foto: Arquivo pessoal)[/caption] “Diante da situação que ora nos cerca, sinto-me insegura, embora recebendo capacitações para o enfrentamento da pandemia”, revela Rosângela. “Um dos meus maiores medos enquanto profissional é o de faltar o equipamento de proteção individual”, relata. “Ao voltarmos para casa, procuramos ter o maior cuidado com a manipulação de jalecos e demais objetos de uso pessoal. Como também só permitimos o contato com membros da família após termos realizado higiene pessoal. Enfim, estamos convivendo um momento de muitas dúvidas sobre o certo e o errado e isso é muito ruim para todos que estão na linha de frente”, completa a nutricionista. Insegurança é o que também revela Suli Santana, técnica de Enfermagem do Hospital Universitário. “Nesse momento estou revestida de insegurança. Não sei exatamente o tipo de paciente que estou prestando assistência. Se suspeito ou infectado. Se estou adequadamente aparamentada.  Se o restante da minha equipe está preparada e comprometida com a prevenção”, relata Suli. “Meu maior medo é ser infectada e não ter a consciência disso e voltar para casa e infectar a minha família”, completa. “Minha rotina está sendo bem diferente, pois antes de chegar em casa entro em contato com minha filha avisando que estou chegando e solicito sacolas plásticas para ela deixar na porta para eu colocar objetos pessoais, possivelmente contaminados. Como também solicito que a minha família fique no quarto para não terem contato comigo antes que eu tome banho. Enfim, é uma rotina de insegurança, medo e aprendizado em termos de enfrentamento ao Covid-19. “Me sinto num campo de batalha”, diz psicóloga do Hospital Universitário Com milhões de casos já espalhados pelo mundo e com milhares no Brasil, a sensação é de realmente estar num campo de batalha. Esse foi o relato da psicóloga Nilda Queiroz, que trabalha também no Hospital Universitário de Alagoas. “Enquanto técnica de enfermagem e psicóloga e como profissional de saúde atuante na linha de frente, me sinto num campo de batalha, uma vez que o novo sempre assusta. Há um perigo real e estar por toda parte, impactando de uma forma assustadora para não dizer aterrorizante. Resumindo, sinto-me como um soldado convocado de surpresa para a guerra e com um agravante, o soldado corre risco sozinho enquanto nós profissionais de saúde podemos estar colocando nossas famílias também em risco”, ressalta Nilda. “Hoje o medo não é uma possibilidade e sim um fato comum aos profissionais da saúde. Medo de contaminação. Possibilidade de ficar doente e até morrer, uma vez que esse risco de estar na linha de frente já é maior. Medo por sermos ou termos na família idosos e doenças crônicas, o que acarreta uma preocupação maior. Como também, a vulnerabilidade ao surgimento das patologias de ordem psíquicas, pois é sabido que o fator emocional interfere na imunidade e essa pode ser considerada uma arma para o combate ao vírus”, diz a psicóloga. E completa: “Temos ainda o medo da contaminação acidental pela manipulação dos EPIs. Ainda temos a consciência que os EPIs não conferem total proteção.  Estamos enfrentando um inimigo invisível e, portanto, a tensão e o medo se fazem presentes o tempo todo. Temos que estar vigilantes em tempo e espaço integral num ângulo de 360 graus, pois o ataque pode vir de qualquer lado. Seja do contato direto com o paciente, seja do ambiente, utensílios, dentre outros meios.  Assim, esse estado emocional poderá acarretar em nós um desgaste psíquico muito significativo”, afirma Nilda Queiroz. “Apesar do medo devemos prestar assistência de excelência. Como ainda guardar nossos medos e passar otimismo e segurança aos nossos pacientes. Enquanto psicóloga, tenho a preocupação cabível de como essa situação pode atingir nossas estruturas emocionais e psíquicas. Ainda vale acrescentar que enquanto profissionais podemos necessitar de tratamento médico e assistência psicológica e o sistema pode não suportar essas demandas. "Hoje temos serviços de acolhimento on-line e gratuitos que são de grande importância e sugiro a todos que façamos o uso desse apoio”, completa Nilda.