Cidades

Faixa salarial da mulher ainda é menor que a do homem

Segundo o IBGE, diferença é de 20%; socióloga diz que elas sofrem discriminação em vários aspectos na sociedade

Por Lucas França com Tribuna Independente 07/03/2020 10h55
Faixa salarial da mulher ainda é menor que a do homem
Reprodução - Foto: Assessoria
Oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, o chamado Dia Internacional da Mulher é comemorado desde o início do século 20. O 8 de março não é apenas uma data de homenagens às mulheres, diferente de outras datas comemorativas, ela não foi criada pelo comércio e tem raízes históricas sérias. A data é cada vez mais lembrada como um dia para reivindicar igualdade de gênero. Mas, atualmente, elas têm o que comemorar quando se trata de igualdade de gênero? Pelo menos no que se trata de salários não. Em Alagoas, segundo dados do estudo ‘’Diferença do Rendimento do Trabalho de Mulheres e Homens nos Grupos Ocupacionais’’ - Pnad  Contínua 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres recebem em média 20% a menos que os homens. Os dados do IBGE mostram que no 1º trimestre de 2019, os homens recebiam em média R$ 1.634 e as mulheres R$ 1.429. Infelizmente a diferença salarial entre os gêneros segue essa média em todo o país. O estudo divulgado pelo instituto em 2019, justamente no Dia Internacional da Mulher, com dados referentes a 2018 já apontava o salário menor no mercado de trabalho. De acordo com o estudo, mesmo com uma pequena queda na desigualdade salarial entre os anos de 2012 e 2018, mulheres ganhavam, em média, 20,5% menos que os homens. Para a socióloga Danúbia Barbosa, historicamente as mulheres têm sofrido diversas formas de discriminação. Ela afirma que uma delas é a diferença salarial. “A diferença entre os homens e mulheres não se restringem as questões físicas, vai além disso. Para entender melhor essa problemática levamos em consideração que vivemos em uma sociedade patriarcal e que subjuga a mulher como detentora de menos capacidade laboral. Como vemos um equívoco inaceitável, somos maioria dos cidadãos votantes, somos a maioria em chefiar famílias, somos maioria nas escolas e universidades, mas ainda somos minorias em ocupar os espaços de poder. Precisamos de mais mulheres nas tomadas de decisões, mais mulheres na política, principalmente’’. A socióloga ressalta que, para o capital, a mão de obra feminina por esses aspectos citados custa menos. “Precisamos mudar esse pensamento com políticas públicas que incentivem as mulheres a ocuparem os espaços de poder, os espaços políticos e os cargos de alto padrão. Em Alagoas, não pode ser diferente. Um dos estados que mais mata mulher por feminicídio, as estatísticas são sempre inferiores no que se refere ao mundo feminino, a questão salarial não seria diferente. Infelizmente’’. A presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Alagoas, Rilda Alves, segue com o mesmo entendimento da socióloga. “Sabemos que avançamos em algumas pautas, mas nem sempre o que conquistamos são colocados em práticas. O mundo do trabalho é muito machista e não respeita as leis que hoje trata da igualdade salarial entre homens e mulheres. Muitas vezes somos obrigadas a aceitar essa situação para garantir o emprego, principalmente quando somos chefe de família. Para isso ser mudado não basta só o nosso querer de denunciar, e sim uma forte fiscalização por parte do Ministério Público do Trabalho [MPT] para o cumprimento da lei’’. Rilda finaliza dizendo que a luta deve ser constante para que sejam respeitados os direitos. ‘’Hoje nossa luta se tornou mais difícil por conta de uma política machista, homofóbica e discriminatória do governo Bolsonaro contra as mulheres. Lutaremos sempre pelos nossos direitos de sermos respeitadas, valorizadas e compreendidas’’.

“Conciliar dupla jornada não é visto como eficiência nas empresas’’

A reivindicação de equiparação salarial é uma bandeira histórica em todo o mundo, inclusive nos países mais desenvolvidos. Nos países de economia dependente, como o Brasil, a disparidade salarial se agrava, como demonstram os dados do IBGE. Para a jornalista e uma das coordenadoras estadual do Movimento de Mulheres Olga Benário, Lenilda Luna, existe uma divisão de funções sociais desde a idade média, que coloca a mulher como responsável pela casa e pela família. “Com o avanço da industrialização, a força de trabalho feminina foi necessária no mercado. Com as oportunidades de educação para parte dessas mulheres, o avanço nas ocupações profissionais se deu, na maioria das vezes nas áreas de serviço e educação, onde os salários são mais baixos. A necessidade de conciliar a dupla jornada de trabalho é real e cotidiana para as mulheres. Por exemplo, muitas mulheres não podem ficar até mais tarde numa reunião de trabalho, porque precisam buscar os filhos na creche, ajudá-los com as tarefas escolares, organizar a casa para o dia seguinte. Isso não é visto nas empresas privadas como sinal de eficiência, mas como indisposição para a função’’, comenta a jornalista. A ativista comenta ainda que mulher que queira pleitear postos mais altos no comando das empresas, públicas e privadas, muitas vezes vai ter que sacrificar a vida familiar. “Existem mulheres que não querem ser mães, simplesmente porque a maternidade não é vista como uma responsabilidade social. A mãe tem que arcar sozinha com tudo. No máximo, os pais ‘ajudam’, mas a cobrança recai sempre sobre a mulher. Se o filho vai mal na escola, têm problemas emocionais, a sociedade não demora em acusar uma mãe que passa muito tempo fora de casa trabalhando. Mas não é só isso. Mesmo mulheres solteiras e sem filhos têm dificuldades de avançar na carreira ou conquistar salários iguais aos dos homens. Por que? Há uma muralha de assédio moral e sexual que não é muito discutida, mas pesa sobre a rotina dessas mulheres’’. Para Luna, na sociedade patriarcal, onde o homem é visto como chefe da família, líder social e capitalista, que visa apenas lucros e submete as mulheres a um papel subalterno, dificilmente elas terão condições de equiparação salarial. “As mulheres vão continuar se qualificando, disputando, demonstrando competências e habilidades. E algumas, a um preço alto, muitas vezes comprometendo a saúde e abandonando projetos pessoais, vão conseguir furar a bolha e acessar postos de comando. Mas mudar essa realidade só é possível transformando radicalmente a sociedade. Por isso dizemos abaixo o capitalismo e o patriarcado!’’. “Desigualdade no trabalho é um problema histórico” “A desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho é um problema estrutural e histórico”, avalia a economista Larissa Pinto. Para ela, apesar de apresentar algumas conquistas, fruto de muita luta, ainda tem um longo caminho a percorrer no sentido de extinguir essas desigualdades. A economista traz outros dados que mostram a “desvalorização’’ da mulher no meio laboral. “Nossa participação no mercado de trabalho vem crescendo, mas as condições impostas ainda são muito desiguais. Não somente pelos salários que são comprovadamente mais baixos que os dos homens, como também pela taxa de desocupação feminina, pelos diferentes níveis dos cargos ocupados e pela múltipla jornada de trabalho enfrentada”, destaca. Para a economista, embora a discrepância salarial em Alagoas não seja a maior entre os estados nordestinos, ela ainda preocupa. “De acordo com uma pesquisa do Dieese, baseada na Pnad contínua do IBGE, no 4º trimestre de 2019, enquanto o rendimento médio mensal dos homens foi de R$ 1.510, o das mulheres foi de R$ 1.424, implicando numa desigualdade salarial de quase 6%. No caso do Brasil, a diferença é muito maior. Nesse mesmo período, o rendimento médio mensal das mulheres no Brasil foi 22% menor do que o dos homens. Enquanto os homens receberam R$ 2.495, as mulheres receberam R$ 1.958”. DESEMPREGO A economista comenta ainda que segundo o estudo, também do 4º trimestre de 2019, aponta desemprego maior entre as mulheres. A taxa de desocupação total feminina foi de 13,1%, enquanto a masculina foi de 9,2%. “Outra questão relevante é que, quanto maior o cargo ocupado, maior a diferença salarial entre homens e mulheres. O rendimento médio mensal das mulheres com ensino superior foi 38% menor que o dos homens. Além disso, há o fato de que os cargos hierarquicamente mais elevados, seja de empresas ou de órgãos públicos, são ocupados, em sua maioria, por homens. A cada 10 diretores e gerentes, apenas quatro são mulheres e o salários destas ainda é 29% menor que o dos homens para o mesmo cargo”, lembra Larissa. A profissional diz que as mulheres ainda enfrentam múltiplas jornadas de trabalho. “Enquanto as mulheres dedicam, em média, 21h18min semanais para os afazeres domésticos, os homens dedicam apenas 10h54min”. Especialistas em RH ressaltam que situação vem mudando A especialista em Recursos Humanos, Jeane Barbosa relata que as políticas internas das organizações na grande maioria ainda encontram-se defasadas e por uma questão cultural as bases salariais ainda contam como critério o gênero para serem definidas. É correto dizer que o índice de empresas brasileiras que defendem a igualdade de gênero em suas políticas de representatividade e transparência subiu para 41%. O que sinaliza que caminhamos para uma mudança, e que olhar apenas para o ‘copo meio vazio’ não seja tão atraente’’. Jeane relembra a lei que determinava salários diferenciados. “Até 1943, existia uma lei regulamentando que mulheres deveriam ter salários 10% menores que homens, como uma estratégia de padronizar e massificar comportamentos capazes de absorver as novas demandas de produtos ‘domésticos’.” A profissional ressalta que a imposição coercitiva não resolve esse problema, mas sim um posicionamento, claro e coerente com a própria jornada e objetivos profissionais. “O caminho está no desenvolvimento constante, compreender o que significa igualdade de gênero dentro do mercado de trabalho e focar no potencial máximo de competências e habilidades. As mulheres que alcançaram grandes posições no mundo organizacional são frutos do uso de suas habilidades máximas. E com isso conseguiram transpor as barreiras de diversas naturezas. A gestão de pessoas atual é uma voz ativa dentro das organizações e trabalha como parceira do negócio. E com essa influência compreende maneiras de promover a diversidade como um requisito fundamental para resultados no mercado de trabalho”. Para outra especialista em Recursos Humanos, Shirley Protásio, os dados referentes ao espaço e valorização da mulher na sociedade de modo geral não estão bons. Porém, avalia que muita coisa melhorou. [caption id="attachment_359537" align="aligncenter" width="292"] Shirley Protásio diz que muita coisa já foi conquistadas (Foto: Acervo Pessoal)[/caption] “Se pensarmos que já foi pior, nos aflora o sentimento de que toda a luta está sendo válida, estamos no caminho certo. Quantas leis surgiram em proteção à mulher, quantos direitos foram adquiridos e quantas vitórias conquistadas!? Sabemos que não é fácil reconstruir uma cultura estabelecida durante um longo tempo, portanto a dica é: não devemos lutar para sermos iguais aos homens, e sim para sermos respeitadas como mulher, fortalecendo a auto aceitação e estima ao que somos. Como profissional de RH vejo o quanto que as mulheres estão ganhando espaço por demonstrarem competência e força. Sinto-me realizada e feliz por poder contribuir, através da minha profissão e cidadania, para que mais mulheres se desenvolvam e se realizem pessoal e profissionalmente”, conclui Shirley