Cidades

“Se for preciso, vou à ONU porque é um desrespeito”

Advogado Raimundo Palmeira, morador do Pinheiro, diz que acordo entre órgãos de controle e Braskem é “nulo” e vai resistir à saída do bairro

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 07/03/2020 10h45
“Se for preciso, vou à ONU porque é um desrespeito”
Reprodução - Foto: Assessoria
Dois anos depois do estopim do processo de afundamento nos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto, o advogado Raimundo Palmeira rompeu o silêncio. Ele, que é também morador do Pinheiro, utilizou as redes sociais na última semana para denunciar o que considera “um crime contra os direitos humanos”. Em entrevista à Tribuna Independente, Raimundo Palmeira garantiu que vai procurar instâncias superiores para anular os efeitos do acordo entre Braskem e órgãos de controle. O advogado fala ainda em resistir à saída do bairro. Tribuna Independente – Já são dois anos desde o início do problema de afundamento nos quatros bairros. Por que só agora a manifestação pública? Raimundo Palmeira - Eu não tenho acompanhado, não tenho participado. A postagem que eu fiz foi uma manifestação de revolta. E depois disso vários outros moradores me ligaram, mas eu não tenho objetivo nenhum de encabeçar nada, o objetivo é despertar as pessoas para os seus direitos e eu vou lutar pelos meus. Eu sou advogado mas também sou morador do Pinheiro. Minha casa está numa área conhecida como verde cítrico. Que são critérios meio nebulosos, porque duas casas depois da minha já não é mais área de risco. No primeiro mapa que aparecia, a zona mudava de cor para laranja no meio da minha casa, ou seja, se eu saltasse para o quintal eu estava fora da área de risco. Então, desde o começo, toda essa situação é nebulosa. Até hoje nós não sabemos o real perigo que os moradores do Pinheiro correm e até onde. Até hoje não temos o critério exato das pesquisas que foram feitas, se houver um desabamento, até onde isso se estende. Eu não saí de casa, me neguei a receber o aluguel social. Tenho uma casa alugada desde o ano passado na Gruta de Lourdes, que pago R$ 2.200. Está fechada para o caso de risco por aqui, por não termos noção da gravidade. Tribuna Independente – Em sua página numa rede social o senhor afirma que vai exigir seus direitos. Que direitos seriam esses? Raimundo Palmeira - Eu estou pretendendo entrar com uma declaração de posse e uma declaratória de nulidade em relação ao meu caso em específico. Ninguém pode pleitear e negociar direitos alheios em nome próprio, e foi o que o Ministério Público fez no caso do Pinheiro. É o que o Judiciário está aprovando e é isso que me dói. São 36 anos de advocacia confiando no Judiciário. Não sou especialista nessa área, sou na área criminal, mas falo como morador do bairro. Pretendo apurar a responsabilidade, nem que eu tenha que ir brigar sozinho. Vou bater no Supremo, vou à Comissão Internacional de Direitos Humanos, se for preciso vou a ONU, porque é um desrespeito aos direitos humanos de cada morador se arvorar da condição da propriedade de alguém para firmar um acordo e, o que é pior, um acordo que propõe a desocupação e entrega do imóvel para se receber depois. Tribuna Independente – Uma das principais reclamações de moradores do Pinheiro é o desconhecimento no valor da indenização. O que o senhor pensa disso? Raimundo Palmeira - Na realidade isso é uma compra. E o vendedor não pode nunca, jamais, ser obrigado a vender nas condições que o possível comprador lhe proponha. A Constituição diz que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. Não houve o devido processo legal. Não há processo onde nós proprietários somos partes. Ou seja, repete-se uma situação dos países comunistas e ditatoriais de direita. E o que é pior, beneficiando uma empresa privada, uma empresa que tem por trás outra empresa que é a Odebrecht, que não tem um passado muito justo, muito elogiado. Nós conhecemos o histórico. Vamos que nesses seis meses essa empresa abra recuperação judicial ou entre em concordata, onde os encargos trabalhistas vêm em primeiro, e aí, como vai pagar o acordo? Tribuna Independente - Falando agora como advogado, qual a sua avaliação em relação ao acordo, uma vez que está questionando os termos? Raimundo Palmeira - Esse acordo é nulo. Esse termo de ajuste deles é nulo. Ele passa a ter qualquer validade a partir do momento que o morador celebra, porque é o proprietário e pode negociar, até doar se quiser diretamente com a empresa infratora. E vejo mais, é um termo de ajuste nebuloso porque não conta com a participação dos interessados. Até nas audiências públicas que têm sido feitas, não estão admitindo nem a pergunta direta, oral, a pergunta do morador é feita no papel para que se possa descartar as que são inconvenientes. Isso é muito sério, isso é matéria para levar à ONU, ao Tribunal Internacional de Direitos Humanos. Isso é gravíssimo. Mas ante os olhos fechados do município, Estado, União... União é diretamente responsável por isso também porque é matéria de competência da União. Estão todos omissos. Havendo uma tragédia, são todos eles responsáveis, inclusive a empresa que provocou. Não havendo uma tragédia serão responsáveis por levar à miséria aqueles que estão perdendo sonhos, patrimônios para esperar receber e se receber de seis meses a dois anos, caso recebam, ou brigarem 15, 20 anos na Justiça. Tribuna Independente – Por que então o senhor é contrário à entrega da chave de seu imóvel? Raimundo Palmeira - O que nos choca é que chega a notícia de que os Ministérios Públicos (Federal e Estadual), Defensorias, com a interveniência da Justiça e a empresa suspeita de ser a responsável teriam feito um grande termo acordo. Onde a empresa se responsabilizaria na retirada, realocação dos moradores do Pinheiro. Mas o que nos constrange é que nenhum morador participou desse acordo. Foi feito um acordo sobre os nossos patrimônios. Sabe-se que até o poder público, em caso de utilidade pública para desapropriar um imóvel, deve depositar o valor da avaliação. O morador desapropriado senão concordar vai lutar pela diferença, até o poder público, no caso de questão de utilidade pública, tomar uma decisão. Mas nesse caso o acordo não ouviu os principais interessados. Consta no termo que nos darão um aluguel por seis meses, de R$ 1.000, o que para mim não interessa, eu não alugo uma casa no padrão da minha por R$ 1.000. Coitado do grosso dos moradores que precisam. Após esses seis meses, poderá ser pago o valor da indenização, mas não se fala em reajuste, não se fala em correção, e o pior, esses seis meses podem ser renovados até dois anos. Não estou querendo vender meu imóvel, mas já que querem comprar que me paguem à vista e eu dou até um abatimento no preço real e vendo e não faço questão. Caso contrário, não quero o dinheiro sujo de empresa suja de asfalto, cimento mal licitado e de vidas e de sonhos destruídos. Não quero esmolas delas. Não aceito. Eu não quero qualquer indenização que não seja de direito. Tribuna Independente - O senhor foi procurado por moradores, pretende mover ação coletiva? Raimundo Palmeira - A partir da publicação no Instagram algumas pessoas se interessaram em tomar a mesma atitude e aí é esperar o absurdo extremo de mandar em a polícia invadir nossas casas e nos expropriar, nos expulsar de nosso patrimônio. Eu estou disposto a resistir. Porque é um patrimônio que eu construí ao longo de 36 anos de advocacia, minha esposa com mais de 30 de exercício duro na arquitetura. Para chegar um promotor, um ministro, seja quem for, e se arvorar na decisão de vender meu patrimônio sem que eu tenha cometido crime, sem ter cometido qualquer ilícito... Nós somos as vítimas. No meu caso não há sequela nenhuma, as casas estão perfeitas, mas há casos em que pessoas morreram, sofreram ataque cardíaco e eles querem indenizar com R$ 20 mil os sobreviventes. Isso é uma situação que eu acredito que não tenha sido passada durante a negociação desse acordo, porque qualquer promotor, qualquer juiz que concordasse com o pagamento de R$ 20 mil por uma vida, seria um criminoso. Então eu não acredito que tenha juiz e promotor criminoso, que concordasse com uma situação aviltante dessa. Tribuna Independente - Então o senhor estaria propondo uma mudança no acordo? Raimundo Palmeira - Esse acordo deveria ter ouvido aqueles que terão seus bens expropriados. Ouvindo a condição de cada um, o que cada um passou. Eu não vou dizer que o meu sofrimento moral merece ser indenizado igual aquele rapaz que só tinha condições de morar ali. Estou dizendo que se houvesse um problema mais sério, eu teria saído pra outro imóvel. E aquele que não tem para onde ir? E aquele que teve ataque cardíaco por conta dessa situação de penúria? A gente até hoje não sabe o nível do risco, a intensidade e até onde vai esse risco. É criminoso esse segredo. Se for provado que qualquer autoridade sabia do risco, essa pessoa tem que responder criminalmente, inclusive por homicídio não intencional. Tribuna Independente - O senhor fala em omissão dos poderes. De que forma? Raimundo Palmeira - Várias formas de omissão e não só de um poder. De vários poderes. O município, por cuidar da questão urbana, teria que se manifestar. Eu sou procurador aposentado do município, não estaria na atividade para ver uma situação dessas sem eu próprio, como procurador, entrar contra um acordo desse tipo. O Estado é responsável pelo licenciamento da empresa. E a União, que é responsável por tudo que acontece no subsolo. Cadê a Presidência da República? O Ministério da Justiça? Sumiram. Lavaram as mãos. Mandaram a CPRM e desapareceram. Acredito que bem intencionados, os ministérios e defensorias concordaram que um patrimônio seja expropriado do seu proprietário, sem ele receber e sem ter a certeza de que iria receber. O Ministério Público não existe para cuidar dos interesses da Braskem ou do governo do Estado, ele existe para cuidar dos interesses coletivos. Então, acredito que eles vão reavaliar. Se não o acordo, mas os termos de ajuste e a imposição de retirada do morador. Que é isso que choca mais. Então eu pretendo reagir, resistir, eu pretendo denunciar essa situação de se querer que saíamos dos nossos imóveis sem a certeza de receber ou sem a previsão de reajuste. É preciso que a Braskem assuma a responsabilidade do pagamento de quanto e quando. Não existe você vender seu imóvel e se pagar em seis meses, podendo ser em um ano a dois anos.