Cidades

Disque 100: Alagoas registra 30 casos de racismo em 4,5 anos

Na última terça-feira, professora foi vítima do preconceito na escola em que lecionava, no bairro do Trapiche da Barra

Por Lucas França com Tribuna Independente 06/02/2020 09h54
Disque 100: Alagoas registra 30 casos de racismo em 4,5 anos
Reprodução - Foto: Assessoria
Em quatro anos e meio Alagoas registra 30 casos de injúria racial segundo os dados sistematizados de denúncias do Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Em 2015, foram cinco registros. Em 2016, o número subiu para 11, o mesmo registrado em 2017. Já em 2018 reduziu para um único caso. E até junho de 2019 foram dois casos de acordo com o levantamento do Disque 100. Na última terça-feira (4), a professora de redação e gramática Taynara Cristina Silva, que lecionava no Colégio Agnes, localizado no bairro Trapiche da Barra, parte baixa de Maceió, sofreu episódio de injúria racial cometido pela diretora e proprietária da escola identificada como Suely Dias. De acordo com Taynara, que trabalha desde 2017 na unidade de ensino, a diretora chegou na sala de aula acusando-a de ter provocado o acidente do filho que trabalha no setor administrativo da escola. “No dia 3, o filho dela bateu o carro. Segundo ela, nesse momento eu estava falando com ele via aplicativo de mensagem e, por isso, teria colaborado com o acidente. Após a acusação, os alunos ficaram ao meu lado e disseram que eu não teria culpa, pois não se deve dirigir com celular. Mas ela continuou, desta vez com afirmações de cunho racista, ao dizer que ‘se alguns dos alunos que estavam presentes em sala fossem à Ouro Branco, trouxessem um chicote do bom para fazer a professora lembrar do tempo que ela tanto teme’. Muitos alunos ficaram questionando a diretora. Quando ela percebeu o que fez, disse que era uma brincadeira para saber se os alunos tinham absolvido os assuntos dados em sala de aula. Sai de sala de aula chorando e muitos alunos também, porque eles sabem da minha luta em relação a essa temática”, relata a professora. [caption id="attachment_353783" align="aligncenter" width="720"] Protesto de alunos contra racismo à professora no Colégio Agnes (Foto: Cortesia)[/caption] Ela é conhecida por seus trabalhos contra o racismo. “Na sala tinham cerca de 50 alunos, do terceiro ano do ensino médio com idade entre 16 e 18 anos. Eles se irritaram e afirmaram que sim, a fala dela tinha cunho racista. Eles sabem que é uma luta minha. Eu sempre sofri racismo, mas velado, e nesse caso foi hierárquico – eu senti cheiro de engenho, veio de alguém que pagava meu salário. Hoje [ontem, 5], houve um ato de colegas de trabalho de alunos e ex-alunos e até pessoas que não conhecia. Esse apoio é fundamental. Registrei o Boletim de Ocorrência (BO) acompanhada de um advogado. Vou abrir processo. Isso não pode ficar impune, não pode passar”, ressalta. A reportagem da Tribuna Independente tentou contato através do telefone da unidade para ouvir a versão da diretora, mas até o fechamento desta edição não obtive êxito. Ontem, o colégio havia emitido nota através de rede social da unidade, em que lamentava o caso e admitia o erro, mas em seguida a nota foi removida. Semudh: escola deve pedir desculpas formalmente e ser responsabilizada A Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos de Alagoas (Semudh) manifesta total apoio a Taynara Cristina. Em nota, o órgão diz que se não bastasse o racismo ser um crime inafiançável e imprescritível o ato ilegal e inaceitável foi cometido por quem deveria ser exemplo no enfrentamento aos diversos tipos de preconceito e na conduta de cidadania. Quem trabalha na área da Educação tem como princípio e dever, o respeito às diferenças raciais, culturais, de sexo, e de religião, o que agrava ainda mais o ato de racismo. “A Escola Agnes não só deve um pedido formal de desculpas à professora e todos os seus alunos, e à sociedade, como também precisa tomar providências cabíveis para que este ato não mais se repita, além de assumir todas as consequências jurídicas civis e criminais. A Semudh se solidariza e se coloca à disposição da vítima e de seus familiares para acompanhamento jurídico e demais providências que se façam necessárias para que não haja mais nenhum dano além dos que já sofreu a professora Taynara. Os contatos podem ser feitos por meio da Superintendência de Políticas para os Direitos Humanos e a Igualdade Racial - (82) 3315-3792 ou (82) 988797571, ou na sede da Secretaria na Rua Cincinato Pinto, 503 – Centro. Maceió (AL)”, ressalta Maria Silva, Secretária de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos de Alagoas. De acordo com a secretária, toda pessoa que sofrer qualquer ato de racismo ou for vítima de outro crime deve procurar imediatamente a delegacia mais próxima para formalizar uma notícia crime, decorrendo daí os demais procedimentos jurídicos para a instauração de processo criminal. Diante disso, os registros são feitos pela Secretaria de Segurança de Pública. A secretária diz que o órgão é de articulação política de portas abertas para o atendimento das vítimas de quaisquer violações de direitos humanos, inclusive as de racismo e injúria racial e avalia que existe subnotificação. “Há ainda uma subnotificação dos casos em razão da interpretação dada pelos organismos policiais bem como pelo fato de a maioria das vítimas não formalizarem denúncia.  A Semudh faz acompanhamento jurídico das demandas que chegam espontaneamente. E sempre se coloca à disposição das vítimas para todo tipo de orientação’’. OAB A Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL) se pronunciou sobre o caso através da Comissão de Direitos Humanos, Comissão de Promoção da Igualdade Social e Comissão Especial da Mulher, manifestando apoio à professora Taynara Cristina. Os presidentes das comissões citadas entraram em contato com a professora e declararam apoio pessoalmente, além de acompanhá-la em depoimento na Delegacia de Polícia. “É inaceitável que atos discriminatórios e racistas continuem sendo praticados. Preconceito e segregação não podem mais ser tolerados. Entramos em contato com a vítima assim que soubemos do fato, momento em que prestamos solidariedade e informamos que a OAB por meio da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Promoção da Igualdade Social, acompanharemos o caso de perto e cobraremos das autoridades competentes celeridade nos desdobramentos em todas as searas, inclusive no âmbito criminal. É lamentável que situações como esta ainda aconteçam. Repudiamos qualquer tipo de preconceito, especialmente quando acontecem em ambientes cujo compromisso é a formação acadêmica e social”, explica Anne Caroline Fidelis, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AL. MPT: Sinpro diz que pode pedir investigação por assédio moral O Sindicato dos Professores de Alagoas (Sinpro/AL) entrou com pedido de inquérito policial contra injúria racial a favor da professora e disse que se ela quiser vai solicitar ao Ministério Público do Trabalho (MPT) abrir investigação para investigar assédio moral e discriminatório no ambiente de trabalho contra a direção da instituição. “Desde momento que aconteceu o fato estamos acompanhando e tomando todas as medidas possíveis. Há provas suficientes para que possam registrar o boletim de ocorrência e que outras medidas devem ser adotadas contra o colégio”, destaca Eduardo Vasconcelos, presidente do Sinpro/AL. Vasconcelos disse ainda que a equipe de psicologia também foi acionada para que possa prestar apoio à professora. “Não podemos engolir esse tipo de postura e vamos sim cobrar da Justiça e todos os outros meios para que as providências sejam tomadas”. O Coletivo União da Letras publicou em sua página em uma rede social uma nota de repúdio contra a diretora da escola. Parte da nota diz que o “Coletivo União da Letras repudia a ação racista e antiética cometida contra a professora Taynara Cristina”. Outro trecho da nota ressalta que a dona da escola, além de ter cometido um crime e humilhado a professora publicamente, agiu sem nenhuma ética, invadindo sua sala de aula, lugar onde isso jamais deveria acontecer. Taynara, além de uma grande profissional, é integrante do Coletivo União das Letras e luta todos os dias dentro e fora da sala de aula para que atitudes como essa não possam ser vistas como “normais”. Na página do Coletivo, alunos e ex-alunos da escola também expuseram apoio à professora e convocaram os colegas e demais professores para um ato que aconteceu ontem (5) em frente à escola. Alunos e ex-alunos, que não quiseram ser identificados, afirmaram que o comportamento da diretora não foi um caso isolado. E que ela já havia emitido falas de cunho racista, homofóbicos, classista, entre outras.