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Estudo aponta influência de extração de salgema

Segundo pesquisador Abel Galindo, atividade de mineração teria reativado falhas geológicas no bairro do Pinheiro

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 07/03/2019 08h28
Estudo aponta influência de extração de salgema
Reprodução - Foto: Assessoria
Um estudo realizado pelo professor, pesquisador e engenheiro Abel Galindo aponta que as hipóteses levantadas em outubro do ano passado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) estão atuando em conjunto para o fenômeno das rachaduras no bairro do Pinheiro. Segundo o pesquisador, a exploração dos poços de salgema pela Braskem teria desencadeado uma ativação de falhas geológicas em camadas profundas do solo. A exploração do aquífero também é outro fator que contribui, segundo ele. “A causa principal que eu considero é a extração do salgema, é a suspeita principal, a minha. Aproximadamente há uns cinco meses a CPRM elencou três principais causas, elencou oito, mas destacou essas três que foi a extração do salgema, a água extraída dos lençóis freáticos, e a falha geológica. Essas falhas são coisas muito antigas, coisas de milhões de anos, elas estavam quietas, eu digo que elas estavam dormindo e foram acordadas. Essas falhas têm em todo o lugar, Tabuleiro, Farol, toda a cidade possui falhas, elas começam nas rochas e vão até 3 mil metros de profundidade. E tudo isso estava quietinho. Aí você chega num ambiente tirando milhares e milhares de materiais, há mais de 40 anos, começou em 1975. Isso começou a se movimentar. O que foi elencado, as três hipóteses estão juntas, trabalham simultaneamente”, defende. Após novas etapas de estudos realizadas desde o início de janeiro deste ano, o CPRM divulgou em fevereiro quatro linhas de investigação para os eventos no bairro: 1 - características geotécnicas dos solos da região e forma de ocupação do bairro; 2 - presença de vazios (cavidades, cavernas) no solo e subsolo da região decorrente de causas naturais ou de ações antrópicas; 3 - estruturas/feições tectônicas ativas na região (falhas, descontinuidades, por exemplo); 4 - extração de água subterrânea. Mas segundo os estudos do professor Abel Galindo, a exploração de salgema pela Braskem, as falhas geológicas e super exploração dos aquíferos geraram o fenômeno. “Fiz um cálculo de uns 30 metros de rebaixamento, mas um colega do CPRM esteve aqui e me passou que seria em média 50m de rebaixamento dos aquíferos. Sabe quanto a Braskem tira de água dos aquíferos? Se for bombeado 24 horas como a maioria das vezes, corresponde a 12 mil metros cúbicos (m³) por dia, são mais de mil caminhões pipa diariamente tirados do solo, é muita água”. Os estudos do professor Abel Galindo foram inclusive solicitados pelo Serviço Geológico do Brasil e inclusos nas pesquisas que estão sendo realizadas na região. “Tudo que eu falar aqui está em cima de hipóteses, de teses que eu estou defendendo. Quando a gente fala na questão de falhas geológicas estamos falando em questões estruturais, do maciço, a falha é um elemento tectônico. O salgema tem o peso específico de 2 toneladas por metro cúbico e a água é só 1 tonelada. Aí já tem uma diferença, como essa região é tectonicamente sensível, essas minas, a grande parte delas estão fissuradas devido aos movimentos tectônicos e as falhas que passam por lá. Essas águas não ficam lá dentro e mesmo que ficassem não têm para onde correr porque você tirou dois e botou um. É o mesmo que tirar o peso de um edifício de 200 andares e se a água ficar o edificou representa 120 andares. E são 35 minas. Isso provoca um desequilíbrio terrível, numa área já sensível, que tem falhas em todo canto. Mesmo que ficasse a água, você tirou milhares de toneladas e botou metade, se ficasse a água, em faixas de extensão muito grandes”, aponta. Professor começou pesquisa sobre geologia do bairro no ano de 2010   [caption id="attachment_284683" align="aligncenter" width="640"] Estudo oficial comandado pelo CPRM deve ser liberado até junho (Foto: Adailson Calheiros)[/caption] O especialista apresentou à reportagem a compilação da pesquisa realizada desde 2010 até agora. Ele reuniu informações da geologia da capital, evidências científicas e trabalhos de pesquisa e analisou com os dados atuais das ocorrências no Pinheiro. Conforme ia fazendo a análise, foi chegando a um posicionamento polêmico e que só poderá ser comprovado ou refutado ao fim dos estudos do CPRM. “O que me motivou a mergulhar nessa questão foi porque fiz reforço de fundação em três imóveis, dois prédios e uma casa. Eu fiz esse reforço e voltou a rachar. Eu já tinha projetado no Jardim das Acácias um projeto rigorosíssimo e o prédio voltou a rachar do mesmo jeito que antes. Quando estive lá em 2010, vi um terreno baldio com uma rachadura no chão e estranhei, atribuí a ser questão de retração do solo, porque ali juntava muita água, tinha uma drenagem muito precária. A fissura cortava um pedaço do prédio, estragou metade do bloco 15. Como precaução eu reforcei todo o prédio, a cada metro um par de estacas, com estacas de 12 metros. Eu estou acostumado a fazer projetos de prédios grandes em Salvador, Recife, e para minha surpresa o danado voltou a rachar. Como eu também sou professor da Ufal, tenho uma relação acadêmica de 41 anos por lá. Quando eu vi que não era uma coisa normal, percebi que estava descendo, que o maciço estava descendo. Aí fui buscar na geologia local e foi quando descobri as falhas”, enfatiza. Ainda de acordo com o engenheiro, diversos estudos realizados desde a década de 1980 comprovam existência de falhas geológicas em toda a cidade. “A teoria das falhas não sou eu que estou criando. Isso existe há muito tempo, tudo que estou falando é baseado em evidências científicas de estudos já realizados. Eu comecei a estudar o livro do professor Ivan Fernandes Lima, um grande pesquisador, era da Petrobras e Ufal, e ele na década de 1980 sem os recursos que temos hoje já falava sobre as falhas. Ele verificou que num ponto a mesma rocha aparece a 150m e outra a 200m, mas não era para ser assim, era para ser igual. O que é isso? Uma falha. É um estudo sério e essas informações são fundamentais para entender o que acontece na região.” Na avaliação de Abel Galindo exploração de salgema e falhas geológicas isoladas não poderiam causar os efeitos vivenciados atualmente. “Maceió tem um show de falhas que começam nos níveis das rochas, elas estão dormindo. E porque só nessa região [Pinheiro] elas foram ativadas? Isso eu descobri na tese de Doutorado do Dr. Carlos Maurício Barroso feita em 2003. Ele fez esse trabalho baseado em poços profundos. O Dr. Ivan utilizou poços da Petrobras, já o Dr. Carlos usou poços da Petrobras e poços de água. O que o Abel Galindo fez? Pinçou a falha do Pinheiro. As falhas se cruzam, o meu trabalho foi pesquisar, buscar essas coisas. Eu já sabia a locação das minas. Eu só fiz localizar a falha e, para minha surpresa, atravessava as minas, passava pelo meio das minas”, comenta. Em termos técnicos, o engenheiro explica que a influência da força nas camadas de rocha tem gerado tensão. “As minas 30 e 31 são as principais causadoras porque cada uma dessas, eu já disse, quando tira dois e bota um a rocha é elástica, e tenta subir, fiz os cálculos e isso subiu 20mm, se subisse 1mm já seria suficiente para acordar a falha. Você fez um buraco de 90m de diâmetro, aquela força que saiu dali quer subir, mas não pode porque tem o restante da rocha do lado. Agora aquela carga vai se ancorar no entorno e vai gerar tensão. Se analisarmos essas minas e o raio de atuação de força delas, conseguimos localizar exatamente a área de risco”, detalha. O engenheiro afirma que aguarda a finalização dos estudos, prevista para junho deste ano para confirmar o estudo produzido por ele. “A minha tese é que o bairro está sofrendo as consequências dessa exploração, mas falta a CPRM provar. Eles têm 52 profissionais altamente competentes, com formação profunda, equipamentos. Eu não acredito que eles vão sair diante de tudo isso que está sendo discutido. Com certeza eles vão chegar ao que está acontecendo exatamente lá embaixo, parecido com isso aqui eles vão chegar.” Abel Galindo diz que fenômeno é grave, mas descarta uma catástrofe     Abel Galindo descarta a possibilidade de uma catástrofe no bairro. Segundo ele a natureza deve buscar o equilíbrio. “Ele vem afundando, numa parte um milímetro, em outra centenas de milímetros. Mas dizer que vai afundar tudo? Isso não vai acontecer. Sempre defendi que não vai haver catástrofe. É uma coisa grave? É, porque está descendo milimetricamente. Há lugares que estão com deformação zero. Mas está se movimentando. Nós temos muitas camadas de rochas. Então catástrofe não vai acontecer... A minha desconfiança é que o fenômeno está diminuindo e a tendência é essa. Está se buscando o reequilíbrio lá embaixo. Colocar concreto pode agravar a situação, deixar mais instável. Por enquanto, até que os estudos provem o contrário, é melhor deixar quieto”, avalia. “PINHEIRO VAI SOBREVIVER” Questionado se é possível vislumbrar uma solução diante de tantos problemas decorrentes das rachaduras o especialista afirma que alguns caminhos podem ser pensados e avaliados como solução. “A minha opinião é que vai parando aos poucos, afundar tudo não vai. As partes que foram muito atingidas, que têm mais concentração de pressões, essas partes vão precisar ser áreas verdes, talvez, porque estão muito estragadas, mesmo no Jardim Acácia, eu acredito que três ou quatro prédios podem ser recuperados, serem transformados em uma gaiola de concreto armado. Vai ter muitas coisas deste tipo, uma parte boa e outra não. É muito provável que pare logo. Não é tudo que está rachando. É possível uma solução. Isso é um grande laboratório. A coisa é muito mais complexa. A responsabilidade do poder público é muito grande. Acho que até antes de junho eles já tenham muita coisa boa para a gente. Minha opinião é essa: que o Pinheiro vai sobreviver.” Para o especialista, ações mais invasivas e drásticas dependem da resposta dos estudos desenvolvidos pelo CPRM. “O que eu posso dizer é que para tudo tem jeito. Inicialmente se tirou dois e colocou um ou zero, mesmo que o sal se recomponha que acho pouco provável, não tem para onde correr, tirou dois e colocou um. É um desequilíbrio de forças. De imediato não há solução de engenharia que eu tenha conhecimento. Nas camadas de solo podemos tirar uns 500 metros de rochas muito boas, esses 500 metros garantem a não catástrofe. Agora o que tem de ruim nessas camadas são de 700 a 800 folhelhos, arenitos e calcários muito fraturados, pouco resistentes. E antes de chegar no salgema puro, tem a mistura de salgema com solo que não tem muita resistência. Antes de chegar no salgema, tem tudo para desabar o teto. Já fiz cálculos, já mandei para o CPRM, em muitas dessas minas o teto não suportou por conta do vão e por ser frágil. Por isso é muito complicado encher de concreto lá embaixo. Só depois dos estudos, de todos esses estudos mostrarão a dimensão do que está ocorrendo lá embaixo”, diz.