Cidades

Profissional de estatística está em extinção em Alagoas

Apesar de futuro promissor, profissão sofre com escassez de mão de obra e falta de cursos de graduação na área

Por Texto: Wellington Santos com Tribuna Independente 01/09/2018 10h28
Profissional de estatística está em extinção em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
Alagoas — como na maioria dos Estados do país — sofre com a escassez de profissionais especializados ou com formação em Estatística. Sua importância na sociedade atual está diretamente ligada à gigantesca quantidade de dados disponíveis, unida a ferramentas capazes de triturar tantos números e que oferta uma nova maneira de compreender o mundo. Por outro lado, em que pese a falta desse profissional com formação, uma pesquisa recente aponta que a função do estatístico está em alta. Nos últimos anos, houve uma corrida por estatísticos, sendo que muitas oportunidades surgiram no mercado financeiro.  Não é difícil entender o motivo. As empresas que se planejam e estudam cuidadosamente suas estratégias precisam de estatísticos. Em um mundo tão competitivo, esses profissionais passaram a ser mais requisitados do que nunca. E mais. Mesmo com o vácuo, o mercado para esta área nunca foi tão generoso para se ganhar dinheiro. Empresas que conseguem interpretar e comercializar dados estão crescendo a uma velocidade estrondosa. A Acxiom Corporation do Brasil, por exemplo, empresa de marketing de banco de dados, coleta, analisa e vende informações de clientes e negócios usadas para campanhas publicitárias direcionadas, é uma delas. Com 35 milhões de pesquisas por ano, ela sabe dizer se você é casado, que carro tem, que revistas lê, se tem cão, gato, passarinho ou para onde viajou nas férias. São mais 850 terabytes de dados, que categorizam as pessoas em códigos de Afora esse exemplo, dados mostram que esses profissionais podem ser preciosos para bancos, fábricas de iogurte, produtoras de filmes pornô ou qualquer empresa que queira decifrar a cabeça dos consumidores para lucrar o máximo possível com eles. Na era do petabyte o desafio não é mais armazenar dados, é dar sentido a eles. Para tentar responder um pouco dessa contradição entre a escassez de profissionais e, ao mesmo tempo, a ânsia do mercado por este tipo de profissional — especificamente em Alagoas — a Tribuna Independente foi saber a razão do desinteresse das pessoas por esta profissão dita como promissora e a falta de oferta de cursos de graduação nesta área em Alagoas. Para se ter uma ideia da escassez desse profissional com esse perfil no Estado, o site do Conselho Regional de Estatística da 5ª Região (Conre), sediado em Salvador, na Bahia, e no qual Alagoas consta como um dos integrantes, mostra que o Estado não registra nenhum profissional adimplente em 2018. Em 2015, apenas dois apareciam com registro na entidade. Mercado: profissão tem salários entre os mais atraentes do País Na contramão do desinteresse das instituições de ensino superior em ofertar o curso de Estatística, as pesquisas ratificam o uso dessa ciência com um vasto campo de atuação.  “Um estatístico pode trabalhar em qualquer ramo em que exista um banco de dados e que necessite de uma análise dessas informações para a tomada de decisão”, explica Eulina. “Toda vez que você precisa fazer previsões, você precisa de estatístico”, completa a presidente do Conre. Assim os estatísticos podem atuar na indústria, no comércio, no esporte, no setor financeiro, em institutos de pesquisa, na agricultura e em pesquisas e previsões eleitorais e por aí vai. Se para que o esporte e a política se tornem áreas promissoras para a profissão é preciso que o tempo confirme essa tendência, há outros setores que já começam a absorver mais profissionais. Em um mundo tão competitivo, esses profissionais passaram a ser mais requisitados do que nunca. Para se ter uma ideia de como o mercado sofre com a falta de estatísticos, recentemente, a coordenadora geral do Conre 3, Doris Fontes, postou mais de 1 mil vagas de emprego, mas apenas metade delas foi preenchida. “No Brasil, economistas não podem trabalhar como estatísticos, mas não estamos fiscalizando porque simplesmente não há estatísticos para satisfazer a demanda do mercado”, disse. Um exame de sangue, uma pesquisa eleitoral e o Censo, à primeira vista, não têm muito em comum. Mas, olhando melhor, são itens que envolvem resultados e pesquisas e que, potencialmente, tiveram o trabalho de um estatístico por trás. Esse profissional, pouco alardeado, está à frente de muitas informações importantes. E, seguindo a lei da oferta e procura, quanto menos holofotes, mais status. Resultado: segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 48 carreiras de nível superior, a estatística é a que apresenta a segunda melhor remuneração média no país: R$ 5.416 por mês. Só perde para os médicos, com ganho médio mensal de R$ 6.940. No ranking geral das melhores carreiras, em que também foram avaliadas taxa de ocupação, jornada e cobertura previdenciária, a estatística ocupa a sexta posição — o primeiro lugar também ficou com a medicina. Conselho confirma escassez no Estado A Tribuna conversou com a presidente do Conselho Regional de Estatística da 5ª Região (Conre), Eulina Santos, que congrega profissionais do Estado de Alagoas e mais os estados da Bahia, Sergipe, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande. Eulina confirmou a pouca adesão de profissionais de Alagoas vinculados ao conselho. “Realmente Alagoas tem um número pequeno de profissionais registrados aqui no conselho, com certeza um dos menores entre os filiados”, ressalta Eulina, ao explicar que o fato de não ter nenhum profissional registrado em 2018 é em razão da inadimplência, por isso não constarem na lista atual. “Temos poucos de Alagoas, mas temos, embora inadimplentes”, confirma a presidente. Questionada sobre o porquê de a profissão aparecer como uma das promissoras no mercado de trabalho no país, mas apresentar uma escassez de profissionais formados no mercado, Eulina aponta dois fatores principais. “Com certeza um é o medo das pessoas em relação à matemática e aos cálculos”, argumenta.  “Se você fizer uma pesquisa nos poucos cursos de graduação ofertados na área pelo país vai verificar que há uma evasão considerável por conta dessa cultura do medo da matemática”, completa Eulina. Em Alagoas, o curso de Estatística não existe nas faculdades registradas no Estado. A Tribuna fez uma busca na relação dessas instituições e nenhuma oferta o curso. Uma dessas instituições é a Universidade Federal de Alagoas (Ufal).  O professor efetivo do Curso de Matemática da Ufal José Carlos Almeida, 24 anos de profissão, argumenta sobre a ausência de um curso de graduação na instituição. “Não temos um curso de graduação em estatística, esse é um fato. No máximo tínhamos um professor que era estatístico, mas que já se aposentou, e outro que faleceu. O que sempre tivemos é uma disciplina de estatística ofertada aqui na Matemática e em cursos de área afins, como Economia e Geografia”, explica Almeida. “Aqui na Ufal como em outros órgãos e instituições, os cursos que necessitam das questões de estatísticas acabam absorvendo a estatística, que são Economia, Geografia ou Ciências da Computação”, ressalta.  “O que ocorre que na Ufal termina que quem necessita da estatística, por ser uma ferramenta indispensável para computar dados, aprende a trabalhar com os números”, completa Almeida. Ainda sobre a razão de a Ufal não investir na implantação de um curso de graduação, apesar de o mercado procurar este tipo de profissional, ele explica: “Temos dois grupos de professores. Uns estão alinhados com a matemática pura e outros com a matemática aplicada. É um dado interessante do ponto vista do mercado isso que você me traz, mas aqui na Ufal não temos professores com este perfil, porque o interesse aqui é pela matemática aplicada ou a matemática pura”. Entenda-se por matemática pura a conceitual com abstração, e a aplicada. Aquela para resolver situações em empresas, maximizar lucros ou projetos de pesquisas.  O outro fator é a pouca oferta do curso de Estatística país afora. IBGE e Seplag perdem profissionais Como se não bastasse a escassez “natural” de profissionais com formação em estatística, recentemente o Estado perdeu o único profissional graduado no órgão que mais contrata estatístico, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Trabalhei desde os 17 anos no IBGE lá no Rio de Janeiro e em 1998 fui transferido para Maceió. É um fato a falta de profissionais de Estatística  em Alagoas. Uma delas pela falta de cursos e outra porque o pessoal tem medo de cálculos  e acha complicado probabilidades”, destaca o carioca Sérgio Alves, 58 anos, recém-aposentado do IBGE/AL. Um dos órgãos que trabalham diretamente com dados estatísticos, mas que, assim como a Ufal e outros órgãos, não tem um profissional especializado, é a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau). Quem coordena é um biólogo, Herbert Charles, gerente de Informação e Análises de Situação de Saúde da Sesau.  “Aqui a estatística é voltada para a Bioestatística, ramo da biometria que computa e investiga dados e leis da natalidade,  enfermidades e mortalidade humana. Os elementos da estatística todo mundo aprende. Agora, claro, que se tivéssemos um profissional de estatística ele poderia aplicar métodos que não são de domínio da gente, um conhecimento mais aprofundado e uma bagagem maior, mas todo mundo aprende a trabalhar com a Bioestatística, sem problema”, explica Charles. “Mas um profissional específico da estatística robusteceria nossa análise”, admite Charles. Charles mostra trabalho de análises de dados da situação da saúde em Alagoas (Foto: Sandro Lima) A equipe de Charles produz análises da situação de saúde baseada em dados comparando Alagoas, Nordeste e Brasil, além de desdobrar todas as regiões de saúde no Estado. Outro órgão do Estado que tem uma relação íntima com números é a Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio (Seplag). É responsável por divulgar estimativas sobre o Produto Interno Bruto do Estado (PIB),  inflação e indicadores socioeconômicos.  Mas assim como a Sesau e agora o próprio IBGE, não existem mais profissionais com formação específica em Estatística. “Faz cinco anos que perdemos o único profissional estatístico que tínhamos por causa de aposentadoria. Nossa equipe é formada por cinco economistas, um de estudos sociais e um técnico em Tecnologia da Informação (TI)”, informa Alisson Nascimento da Silva, um dos economistas da equipe. “O bom é que não há restrição nesse tipo de trabalho”, completa.