Cidades
Alagoas é 11º pior estado para ser mulher; quadro se agrava entre as negras
Taxa de feminicídios é de 5,4, ultrapassando média nacional; risco é maior para mulheres negras
Alagoas ocupa a 11ª colocação no ranking dos estados mais violentos para mulheres no Brasil, com uma taxa de 5,4 feminicídios a cada 100 mil habitantes. O estado mais violento é Roraima com taxa de 11,4 mortes. Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) levam em conta informações de 2015.
A taxa estadual está acima da média brasileira que é de 4,5 feminícidios a cada 100 mil habitantes. Em cinco anos, a variação foi de 17% a mais deste tipo de crime em Alagoas.
Mesmo com um número relativamente baixo, o Brasil figura na quinta colocação num ranking que inclui 83 nações. São 13 mortes violentas de mulheres a cada 24 horas no país.
Ainda de acordo com o Atlas, os dados são ainda mais graves se considerado o universo das mulheres negras que representa 65,3% das mortes. Neste público, a taxa de feminícidios sobe para 7,2%. De acordo com o documento, “a combinação entre desigualdade de gênero e racismo é extremamente perversa”.
De acordo com Anne Caroline Fidelis de Lima, superintendente de Políticas para Mulheres da Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), o índice pode ser considerado um avanço, uma vez que o estado já figurou na 4ª posição do mesmo ranking em levantamentos anteriores.
“Momentos como esse são justamente para repensar ações e humanizar o acolhimento. É necessário ampliar a rede de atendimento às mulheres, promover campanhas de conscientização com a sociedade como um todo, em especial em espaços de formação como fazemos no nosso projeto “Maria da Penha vai à Escola”; fortalecer as mulheres pra que elas denunciem, como fazemos no nosso “Exército da Penha”; etc.”, diz a superintendente.
Fidelis afirma que a violência contra a mulher deve ser exposta, principalmente em se tratando da violência contra negras.
“Isso de fato é um retrato da nossa sociedade racista, que vitima duplamente mulheres negras. Trata-se de uma dupla vulnerabilidade que tem que ser considerada pelo estado. Temos de dar visibilidade”, aponta.
Frequência da violência é considerada inaceitável por movimento
A representante do Movimento Feminista Olga Benário, jornalista Lenilda Luna, lamenta o índice. Para ela o problema vai além de números ou colocação em ranking.
“Em todo o país a frequência de estupros, agressões, feminicidio, violência física e psicológica é simplesmente inaceitável. E a questão mais grave é que a rede de proteção prevista na Lei Maria da Penha não está funcionando”, aponta.
Em relação ao agravamento da situação de violência vivenciada por mulheres negras, Lenilda é enfática ao dizer que a discriminação racial está presente no cotidiano. Segundo ela é necessário falar sobre o assunto.
“Todos os índices comprovam que a população negra ainda é marcada pela pobreza e exclusão social. Ainda não superamos as marcas deixadas pela escravidão. As mulheres negras e pobres são as que mais sofrem com o isolamento e a falta de apoio. Ainda está presente na nossa cultura o estereótipo da mulata que servia aos desejos dos senhores de engenho. Essa imagem deplorável da mulher negra subserviente alimenta a violência que essas estatísticas revelam”, ressalta.
Para Luna, é necessário que políticas públicas sejam adotadas no sentido de acolhimento das mulheres vítimas. Segundo ela, as mortes muitas vezes são resultado de um histórico de violência.
“Se uma mulher foge da violência, ela precisa ser acolhida. Por falta de opção, muitas mulheres voltam para lares onde eram agredidas e acabam mortas. Isso não pode acontecer. A reação tem que ser de toda a sociedade, para vivermos com dignidade e sem violência.”
O documento destaca também a necessidade de aperfeiçoamento da rede de atendimento à mulher vítima de violência para que além de coibir, previna o crime.
“Um ponto importante a ser enfatizado é a necessidade de que essa rede possa ser acessada pelo sistema de saúde e não apenas pelo sistema de justiça criminal. Muitas mulheres passam várias vezes pelo sistema de saúde antes de chegarem a uma delegacia ou a um juizado. E muitas nunca nem chegam”, dizem os pesquisadores.
De acordo com a pesquisa “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, encomendada ao Datafolha pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no ano passado, 29% das mulheres brasileiras afirmam ter sofrido algum tipo de violência, seja psicológica, sexual, física ou verbal. Destas, 11% não levaram o caso adiante.
Para Lenilda Luna, a mulher precisa encontrar suporte para que tenha coragem de denunciar e sair da situação de risco.
“Para uma mulher romper a barreira do silêncio e denunciar o agressor, que em grande parte dos casos é uma pessoa próxima a ela, é preciso que ela sinta que estará protegida. Não só por medidas protetivas que nem sempre são respeitadas, mas por uma casa-abrigo, se ela não tiver para onde ir, além de apoio psicológico e assistência jurídica”, ressalta.
O incentivo ao acolhimento é reforçado pela representante. Ontem (20) em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, o movimento Olga Benário recebeu uma premiação pelas ações empreendidas.
“Em Belo Horizonte, o movimento ganhou hoje [ontem] um prêmio da Defensoria Pública Estadual pela criação da Casa-abrigo Tina Martins, que surgiu de uma ocupação de uma casa sem uso, onde no início houve resistência, mas depois a iniciativa conquistou o apoio da sociedade”, explica.
Vanessa Sátiro, uma outra integrante do movimento Olga Benário, destaca a importância da discussão. “Numa sociedade machista como a nossa, a reprodução da violência contra a mulher, do assédio moral e da cultura do estupro, colocam as mulheres em uma situação de constante vulnerabilidade. Inconscientemente o patriarcado se perpetua e é fundamental a discussão e a mobilização da sociedade para quebrar esses costumes.”
Assim como Sátiro, a militante da Marcha das Mulheres em Alagoas, Emanuelle Vanderlei, também destaca a presença do machismo e do racimo no Estado. “A mulher negra convive o tempo todo com várias formas de violência.”
Para ela, é preciso investir em políticas públicas preventivas, que incluem desde uma educação para a igualdade de gênero, até uma rede de acolhimento à vítima da violência. “Para que ela se sinta em condições de denunciar e mudar a sua realidade.”
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