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Embaixo de sol escaldante, camelôs ganham a vida no grito

Doenças de pele e da voz estão entre as queixas dos trabalhadores no Centro de Maceió

07/04/2017 11h00
Embaixo de sol escaldante, camelôs ganham a vida no grito
Reprodução - Foto: Assessoria

Imagine ficar horas e horas a fio embaixo do sol, usando a voz para atrair a atenção de clientes e ganhar o pão de cada dia. Pois é. Assim é a rotina dos camelôs pelas ruas das cidades, trabalhadores informais invisíveis para a sociedade que também carecem de um mínimo de dignidade para exercer sua atividade laboral.

No Centro da capital alagoana eles são muitos e centenas sequer têm espaço para vender seus produtos; e os que têm, reclamam da falta de estrutura e promessas antigas de projetos de padronização que nunca saíram do papel por parte da Prefeitura de Maceió, como é o caso dos camelôs da Praça dos Palmares e do estacionamento localizado na extensão do calçadão do comércio.

Rosineide de Amorim trabalha na atividade há quase 30 anos, já desistiu de chamar a clientela pela voz, porque não suporta mais falar tão alto. “Fiz muito, mas hoje não consigo mesmo que queira, minha garganta foi prejudicada, toda vez que chegava em casa era rouca devido ao tempo que passava gritando”, lamentou.

Ela disse também que adquiriu melasma (mancha escura) no rosto após altas exposições ao sol quente e sem proteção. “Não tenho dinheiro para fazer tratamento, acho feio meu rosto com essas manchas pretas, e até tenho medo que mais tarde, no futuro, se torne uma doença grave”, frisou se referindo ao câncer de pele.

Rosineide acredita que o uso do protetor solar não funciona em decorrência do vapor quente passado através da lona pela qual trabalha embaixo. “Tenho que me submeter até porque são três filhos e seis netos que dependem do que tiro daqui para sobreviver. Sou hipertensa e sofro muito por causa do calor excessivo, mas não tem outro jeito, é apelar para a Prefeitura e para Deus”, salientou.

Calor colaborou para óbito, diz associação 

O presidente da Associação dos Camelôs, Rosivaldo Moura, revelou que a temperatura excessiva foi fator colaborativo para a morte de dois trabalhadores do ramo há pouco tempo. “Uma senhora tinha pressão alta e diabetes, e o outro, era cardíaco", lembrou. "A gente sabe que o calor é demais, bem acima de 40 graus a sensação térmica, o que acaba contribuindo para que as doenças se agravem. E, o pior de tudo, é que na maioria das vezes, os camelôs não contribuem com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), então consequentemente ficam sem o direito ao auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Deste modo, se submetem mesmo doentes e vêm trabalhar para ganhar algum trocado”, mencionou.

Rosivaldo Moura conta que desde 2006 os camelôs que não conseguiram boxes no shopping popular, se encontram distribuídos no estacionamento próximo da Praça dos Palmares, no entanto, por conta do baixo movimento no local, eles voltaram para a extensão da Rua do Comércio.

“Todos saíram do estacionamento porque houve uma promessa da Prefeitura de padronização, mas nunca o projeto saiu do papel. A gente entende a dificuldade da gestão atual, já sentamos várias vezes com o prefeito Rui Palmeira, mas carecemos de um local maior e melhor para sobrevivermos”, explicou.

“O que os camelôs querem, é trabalhar num lugar melhor e acabar com essas lonas inadequadas para a atividade diária”, reforçou Moura.

O sol quente para eles é um dos principais problemas, entretanto, também destacam a questão da chuva. “Quando chove é um corre-corre danado por aqui, e de repente faz sol novamente, aí acontece o choque térmico que ocasiona resfriados, febre, vômito, entre outros danos à saúde dos trabalhadores”, emendou o presidente Rosivaldo.

A ambulante Maria de Fátima dos Santos, 70 anos, tem mais de 25 anos vendendo água no calçadão do comércio. Hipertensa, ela contou, que muitas vezes já passou mal em decorrência do calor e chegou em casa rouca. “A gente ganha a vida no grito, e tem que gritar mesmo, tem que ter muito jogo de cintura e criatividade para atrair a freguesia, mas só quem vive aqui diariamente neste ramo é quem sabe as dores no fim do dia”.

“Minha garganta fica irritada, praticamente perco a voz, sinto muitas dores de cabeça e as pernas ficam bem cansadas por ficar o dia inteiro em pé. O sol atrapalha e contribui para o cansaço ser ainda maior, mas fazer o quê, se tem que ganhar o pão”, contou. 

Seu José Edson da Silva, de 62 anos, é camelô há mais de 20 anos e, mesmo frágil, diz que precisa trabalhar para sustentar os dois filhos que ainda moram com ele. “Tenho um de 15 anos (estudante) e outro de 25, desempregado. O estacionamento hoje só serve como depósito de mercadoria porque não tem movimento algum, então fomos obrigados a voltar para a rua”, comentou.

Ele comentou que o Shopping Popular, inaugurado há cinco anos na Rua Barão de Penedo, no Centro de Maceió, trouxe esperança para os camelôs, porém com o passar dos anos vem apresentando problemas estruturais e o baixo movimento tem angustiado os trabalhadores de lá. 

Seu José Edson é um deles, ganhou o boxe no primeiro andar, mas afirmou não passar ninguém; imagine comprar alguma coisa no local. “Para não ver minha família passar fome tive que voltar para a rua, ninguém circula no Shopping Popular, como vamos vender? E os que foram contemplados na área de cima pior ainda”, reclamou.

O representante dos camelôs Rosivaldo Moura afirma que os climatizadores do Shopping Popular estão quebrados e mesmo que estivessem funcionando precisaria do dobro para compensar o calor dentro do espaço. A Prefeitura, segundo ele, já teria sido procurada para tratar do assunto e em resposta diz que está organizando uma licitação para contratar empresa que irá consertar e garantir a manutenção dos equipamentos.

Ele disse ainda que a Prefeitura pretende disponibilizar órgãos de cunho empreendedor no espaço, porém na prática não exista sinal desta inclusão no Shopping Popular. 

O sonho dos camelôs é comum e se resume num local digno para trabalhar. Para eles, uma lona apropriada como a montada na Praça da Cadeia, que fica em frente ao Quartel do Comando Geral, seria a solução para garantir o sustento diário, livre do calor, da chuva e da gritaria.   

Cobertura plástica não inibe doenças

Fonte de vitamina D, o sol é benéfico para a saúde, mas em excesso, pode causar sérios danos. O horário ideal para a exposição ao sol é antes das 10h e depois das 16h. A cada ano no Brasil, surgem cerca de 130 mil novos casos de câncer de pele, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Dermatologistas alertam para o uso diário e regular do protetor solar, principalmente, para aquelas pessoas que estão expostas diretamente ao sol, como é o caso dos camelôs e ambulantes que trabalham próximos à Praça dos Palmares, no Centro de Maceió.

Uma boa parte desses trabalhadores passa o dia em barracas improvisadas, cobertas com plásticos, numa tentativa de obter alguma proteção ou minimizar um pouco os efeitos do astro-rei, mas o calor é insuportável e a sensação térmica chega a 40 graus. Apesar da coberta de plástico, os raios do sol são uma ameaça à saúde.

Segundo o dermatologista Franklin Pedrosa de Carvalho, a exposição solar, mesmo embaixo de uma lona de plástico - o que impede a passagem do vento -, pode causar a incidência do mormaço na pele levando danos de fotossensibilidade. “Devido ao fotoenvelhecimento, a exposição excessiva pode levar ao envelhecimento precoce, melasmas faciais e o surgimento de carcinomas basocelulares (câncer de pele). A exposição constante ao sol, durante muitas horas por dia, todos os dias, acelera o surgimento do câncer de pele”, alertou.

Camelôs improvisam para encarar altas temperaturas no Centro de Maceió

No caso dos camelôs e de outros profissionais que trabalham expostos ao sol, o dermatologista recomenda o uso de protetor solar a cada três horas, roupas com proteção UVA e uma boa hidratação com líquidos (água, sucos, entre outros) para evitar a desidratação corporal. De acordo com Sociedade Brasileira de Dermatologia, 60% da população ainda não tem o hábito de se proteger diariamente e de forma adequada.                     

Franklin Pedrosa frisa também que o ideal para os camelôs e ambulantes que trabalham em condições precárias e arriscadas no Centro da Capital alagoana seria uma estrutura coberta com proteção aos efeitos da exposição ao sol e ao calor, “e com uma boa ventilação semelhante à estrutura da Feirinha de Artesanato da Pajuçara”, exemplificou o dermatologista.

A exposição ao sol requer proteção, mas, para os camelôs, o sol é tão quente que o uso do protetor solar não seria eficaz e, por isso, eles não fazem uso do produto. Em visita ao local, a reportagem do Tribuna Hoje não verificou o uso de nenhum Equipamento de Proteção Individual (EPI) por parte dos trabalhadores, o que agrava os problemas de saúde por eles apresentados.

DOENÇAS E SUAS CAUSAS

Envelhecimento precoce é causado pela exposição excessiva ao sol sem proteção e acarreta o aparecimento de rugas e manchas na pele.

Melasmas são manchas de cor marrom e aparecem geralmente nas mãos, braços e rosto.

Câncer de pele é a consequência mais terrível e perigosa da exposição ao sol. É uma neoplasia que atinge a derme e pode se dividir em carcinona basocelular, carcinoma epidermoide e melanoma, sendo esta última uma das doenças mais letais da humanidade.

Riscos e problemas pelo mau uso da voz

O fonoaudiólogo Leônidas Morais Netto explica que os riscos e os problemas ocasionados pelo uso abusivo da voz acarretam em distúrbios vocais e disfonia, além de outras lesões, como nódulo e pólipo. Sem nenhum tipo de orientação, os ambulantes e camelôs estão expostos a esses riscos.

Segundo ele, o sujeito que faz o uso da voz profissionalmente precisa ter um bom conhecimento da sua voz e ficar atento ao perceber que algo não vai bem. “A voz muda com o passar dos anos e o profissional fazendo o uso demasiado dela sofre um desgaste maior das estruturas relacionadas com a fonação”.

O especialista orienta sobre a necessidade de estar informado de como é a sua voz e o que é possível fazer para aprimorá-la. “Deve cuidar da estética vocal, prevenir problemas vocais, estar atento para o que faz mal e o que faz bem para voz e, principalmente, manter exercícios vocais, o que vai lhe propiciar um maior tempo de uso da voz profissional”.

Leônidas Netto faz uma analogia ao atleta que realiza uma atividade física e ressalta que o profissional da voz é um atleta vocal, precisando manter os cuidados com a voz e realizar exercícios vocais orientados.

“Quando o indivíduo não realiza sua higiene vocal, ou seja, cuida da sua voz, ocorrem as difonias: rouquidão, fadiga vocal e até a afonia. Didaticamente podemos dividir as causas de disfonia em duas principais: aquelas decorrentes do uso inadequado ou abusivo da voz e aquelas causadas por alguma doença na laringe que não tem relação com o uso da voz”, observou.

Ele alertou também que o uso incorreto da voz pode levar a comportamentos vocais alterados sem a presença de uma lesão orgânica identificável. Ou seja, o indivíduo apresenta um distúrbio vocal com uma laringe normal, sem nenhuma alteração na prega vocal, que é denominada de disfonia funcional.

 

Consequências do mau uso vocal

 Nódulo                                                                                                                  Pólipo

O especialista revela que o uso abusivo da voz pode levar ao desenvolvimento de lesões laríngeas, denominadas de lesões fonotraumáticas. São elas: as cordites inflamatórias, nódulos vocais, Edema de Reinke e pólipos vocais. Esse tipo de disfonia é chamada de disfonia orgânica secundária.

Outras causas de disfonia independem do uso da voz. São denominadas de disfonia orgânica primária, ou seja, o paciente apresenta uma alteração vocal decorrente de alguma lesão laríngea. Incluem-se as doenças inflamatórias, infecciosas, tumores, alterações ou malformações congênitas, doenças sistêmicas com comprometimento na laringe e disfunções do sistema nervoso central e periférico.

REABILITAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

O fonoaudiólogo Leônidas Morais Netto destaca ainda que no processo de reabilitação vocal se faz necessário o entendimento por parte do paciente da necessidade do acompanhamento sistemático do profissional fonoaudiólogo. Assim como do comprometimento quanto à frequência nos atendimentos e a realização em casa dos exercícios selecionados para o seu problema de voz.

Para ele, a motivação e o vínculo de confiança com o profissional são imprescindíveis para o bom desenvolvimento do processo de reabilitação. “Tudo isto se faz necessário porque algumas lesões laríngeas apenas serão sanadas com a intervenção fonoaudiológica”.

“Alguns pacientes perguntam se não há medicamentos que possam resolver o problema, mas não há. A solução é a terapia vocal com mudança do comportamento vocal”, concluiu.

Projeto prevê aumento do fluxo 

Em nota, a Secretaria Municipal do Trabalho, Abastecimento e Economia Solidária (Semtabes) informou que realiza a administração do Shopping Popular e do seu entorno, e que a equipe técnica já está realizando o levantamento para identificar os permissionários que não estão utilizando o espaço do Shopping Popular para realinhar a volta deles para o local.

A Semtabes disse ainda que está trabalhando com o projeto de levar para o Shopping Popular a Sala do Empreendedor, uma parceria com a Associação Comercial e com o Sebrae, bem como os serviços do Sine, entre outros órgãos da Prefeitura, para aumentar o fluxo de pessoas no primeiro andar do Shopping Popular. O projeto está previsto para ser implantando no início do segundo semestre deste ano.

Quanto à questão da manutenção dos climatizadores no Shopping Popular que deram lugar a ventiladores que não dão conta do ‘recado’, a secretaria declarou que a equipe técnica da Diretoria de Empreendedorismo informou que as manutenções dentro do Shopping Popular estão sendo verificadas para que sejam tomadas as providências cabíveis.

Enquanto a demanda não é atendida, os camelôs da extensão do calçadão do comércio e estacionamento da Praça dos Palmares, que precisam vender para sobreviver, seguem o seu dia a dia de trabalho em condições inadequadas embaixo de sol forte e chuva, apelando por misericórdia e cobrando aos gestores providências, na esperança de um futuro melhor para si e para a sua família.