Cidades

Funcionários acusam Almaviva de irregularidades nas relações de trabalho

Segundo TRT, empresa é alvo de quase mil ações desde sua chegada a Maceió

Por Tribuna Independente 11/08/2017 08h39
Funcionários acusam Almaviva de irregularidades nas relações de trabalho
Reprodução - Foto: Assessoria

Funcionários e ex-funcionários da Almaviva do Brasil unidade Maceió acusam a empresa de irregularidades nas relações de trabalho. Entre as reclamações estão assédio moral, adoecimento e demissão por justa causa sem fundamento. Num dos casos, uma jovem alega ter perdido mais de 80% da audição por conta das condições às quais era submetida.

De acordo com informações do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Alagoas, constam 977 ações trabalhistas contra a Almaviva desde sua instalação em Maceió no ano de 2014 e, entre janeiro a agosto deste ano, ainda restam 274 ações a serem julgadas.

Nelas, os trabalhadores reivindicam pagamento de verbas rescisórias, horas extras, adicionais e indenizações por danos morais, aponta o levantamento.

De acordo com a assessoria de comunicação do órgão, a empresa está entre as dez com mais demandas na Justiça do Trabalho em Alagoas.

“A empresa Almaviva é um dos 10 maiores litigantes (mais demandadas) na Justiça do Trabalho em Alagoas, conforme parâmetros definidos nacionalmente, os quais se referem a processos pendentes de julgamento e desconsideram o passivo de processos em execução (já julgados, faltando apenas o pagamento à parte vencedora).”

Há pouco mais de um ano, o representante de atendimento Davi de Moraes trabalha na empresa Almaviva. Ele afirma que pediu demissão no início do mês após assédio moral. Segundo o funcionário, no último episódio, a supervisora imediata o ameaçou de demissão por justa causa.

“No dia anterior ao meu pedido de demissão a minha supervisora me deu uma advertência por ter ‘logado’ antes do horário, ou como costumamos chamar inaderente, só que esse era um acerto meu com a empresa desde que comecei a trabalhar lá. Naquele dia específico, eu tive que assinar a advertência e, quando devolvi, ela falou: ‘Pronto, agora se prepare porque eu vou fazer de tudo para você ser demitido por justa causa’. Aí eu já estava pensando em sair e resolvi pedir de uma vez”, conta.

Antes disso, Davi detalha que passou outros constrangimentos quando a mesma supervisora o agrediu verbalmente. O caso foi registrado em Boletim de Ocorrência.

“Deu um problema no sistema e ela me acusou de ter feito algo que eu não fiz, mas ela não só me acusou, ela gritou no meio da operação e me xingou na frente de todo mundo. Disse que eu era um palhaço e o que eu fiz era uma palhaçada, mas eu não tinha feito nada. Tenho as provas, tirei print da dela e encaminhei para a coordenação”, pontua.

Em aviso prévio, profissional reclama de tratamento dado a empregado

Ainda cumprindo o aviso prévio, Moraes reclama da forma como os funcionários são tratados pela empresa. Segundo ele, o ambiente propicia constante punição do funcionário para justificar possíveis demissões por justa causa.  

“Eles tratam o funcionário de uma maneira muito desumana. Todos os supervisores já recebem instruções da própria empresa para que tudo o que o funcionário faça seja punido. Com três advertências já há demissão por justa causa, mas a advertência é porque se atrasou um dia, até por passar muito tempo numa ligação com o cliente”.

Pressão por cumprir metas, punições excessivas, falta de suporte médico e até desrespeito dos superiores são problemas citados por ele.

“Se o cliente liga e não resolvemos o problema, somos cobrados. Se passamos muito tempo para resolver o problema dele, o supervisor chega do lado e começa a dizer ‘vai logo’, ‘termine’, ‘resolva’, quando nós não podemos prever o que o cliente precisa. E se desligarmos sem resolver a demanda, também não estamos cumprindo a meta. Nós sofremos pressão de todos os lados”, expõe Davi de Moraes.

Davi aguarda que a empresa protocole o pedido de demissão, mas acredita que ainda possa sofrer alguma retaliação.

“Não me deram nenhum comprovante, estou indo trabalhar. Quando pergunto sobre a demissão eles dizem que é para esperar o sistema. Acho que eles podem me demitir ainda por justa causa, não sei o que vai acontecer. Quando vai chegando a hora de ir trabalhar, eu começo a me sentir mal. Precisei trabalhar lá porque passei por um período difícil, mas meu conselho é que não trabalhem lá. Os jovens estão adoecendo naquele lugar”, destaca.

Outra que também pediu demissão foi a atendente Clara Costa Souza, de 20 anos. Ela afirma ter perdido 83% da audição com a jornada excessiva de trabalho e acusa a empresa de negligenciar o atendimento médico.

“Quinta-feira dia 27/07 eu dei entrada na UPA do Benedito Bentes com o meu ouvido saindo secreção após um atendimento em que o cliente gritava na linha. Me mandaram ‘deslogar’ e fui a pé sozinha pra UPA. Ninguém me acompanhou e nem prestou o serviço que deveria ser dado, pois foi um acidente de trabalho. Até segunda tomando remédios paliativos, consegui um ‘otorrino’ pelo SUS que constatou que perdi 83% da audição deste ouvido [direito]”, diz a jovem.

Segundo ela, após o primeiro mês de trabalho, a empresa alterou sua carga horária para oito horas diárias, quando o acertado contratualmente seriam seis horas. Clara afirma ainda que não  recebia ticket alimentação e acesso ao plano de saúde, que seriam liberados apenas após seis meses de vínculo empregatício.

“Lá eu tinha que trabalhar seis horas e 20 minutos por dia. Três meses depois, mudaram minha carga horária para oito horas e 12 minutos, tendo em vista que segundo o Ministério da Saúde uma pessoa que trabalha no call center não pode trabalhar mais de 6 horas, pois isto causa danos à saúde. Eu trabalhava com fome porque nem o ticket estava liberado”, pontua.

Mas segundo ela, os problemas não se restringem aos que envolvem a saúde do trabalhador. Clara acusa a empresa de descumprir direitos trabalhistas.

“A empresa apresenta um enorme descaso em relação às leis trabalhistas brasileiras, desde a carga horária até a forma como as metas são cobradas e a péssima gestão, tudo isso influencia na rotatividade de desligamentos diários que a empresa tem. Eu trabalhei lá quatro meses, cinco com o período que a gente passa no Instituto Crescer, um projeto que alega dar um curso para atendente de Call Center. Porém, é apenas um treinamento não remunerado. Lá a gente faz um treinamento específico para a operação que iremos trabalhar e não um curso de Call Center”, reclama.

Após o ocorrido, Clara afirma que pediu demissão e espera que a empresa reconheça o dano após realizar o exame demissional, marcado para o próximo dia 16.

“Quarta-feira passada pedi demissão e pretendo pedir o reparo na Justiça ao dano que foi causado a mim por esta empresa que não tem o menor respeito pelo ser humano. Lá dentro somos só números”, diz.

MPT tem 244 casos envolvendo a Almaviva

Dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas apontam a existência de 244 procedimentos de investigação envolvendo a empresa Almaviva do Brasil no Estado. Destes, 93 foram abertos de janeiro a agosto deste ano.

De acordo com o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Alagoas, Rafael Gazzaneo, as investigações estão em andamento e ainda não existem ações judiciais envolvendo o MPT e a empresa.

“Tem uma série de denúncias em relação a esta empresa e os inquéritos estão abertos. Até onde eu sei, não existem ações ajuizadas. Por questões mais variadas, mas a principal é por assédio moral”, ressalta.

Irregularidades no pagamento de benefícios, assédio moral e sexual, condições inadequadas do ambiente de trabalho, descumprimentos de cláusulas de convecção coletiva, metas abusivas e adoecimento de funcionários são alguns dos temas das investigações.

Segundo Gazzaneo, não é possível precisar se a empresa é de fato problemática. O alto número de procedimentos pode estar relacionado a outros fatores. “É preciso lembrar que ela tem um número expressivo de empregados. Está na casa dos milhares. Talvez o número de denúncias seja proporcional ao número de empregados”, reforça.

Consultado pela reportagem, o advogado trabalhista Gustavo Ferreira explica que o procedimento de demissão por justa causa é previsto legalmente, mas que é preciso levar em consideração o quantitativo destes desligamentos e as motivações caso a caso.

“A justa causa é um meio legítimo e legal para afastar um funcionário que está gerando problemas no ambiente de trabalho. Existe de fato uma graduação de penalidade, de advertências. O que eu escuto, de alguns colegas que advogam para reclamantes, é que na verdade essas faltas não existiriam, os funcionários na verdade não teria cometido a falta ou que a legislação não prevê. E considerem para fins de aplicar advertência por justa causa. Infelizmente existem empresas, não estou dizendo que é essa, que se aproveitam do expediente da justa causa para não pagar direitos trabalhistas  para fazer o pagamento perante a Justiça do Trabalho. Se comprovado que essa prática é rotineira, cabe investigação do MPT”, afirma o advogado.

Gustavo Ferreira ressalta ainda que no tocante ao assédio moral é muito difícil para ao trabalhador conseguir provas, pois na maioria dos casos o assédio ocorre de forma velada, sendo a palavra do agressor contra a do agredido.

“Assédio moral é muito difícil de fazer prova. O assédio moral é constante. Não acontece uma vez. Acontece sempre e pode acontecer sem ofensas. A conduta proposital configura assédio, mas como provar isso? Fazer a prova é muito difícil. Eu sempre digo: quem pega um bom assediador moral pega o logradouro do inferno. Porque ele vai fazer isso constantemente sorrindo, dando bom dia, boa noite, mas transformando sua vida num inferno. É difícil provar e até para os outros colegas perceberem é complicado”, esclarece.

Jovem afirma ter sido demitido após afastamento médico

Edivaldo da Silva Neto foi demitido por justa causa. Ele afirma que teve uma crise de otite e precisou ser afastado por sete dias, comunicando o supervisor, e, ao retornar às atividades, foi comunicado do processo de demissão.  

“Estava sentindo muitas dores de ouvido. Até que tive uma otite muito séria e, assim que entrei de atestado, comuniquei ao meu supervisor. Ele disse: ‘Neto, melhoras. Se trate’. Quando eu fui para o trabalho no oitavo dia, acusou afastamento. Deixaram que eu entrasse até no RH [Recursos Humanos] e disseram que eu estava em processo de demissão por abandono. Eles falaram que eu tinha que ter levado o atestado até 48h, mas eu expliquei que no portal do colaborador não especifica horas. Como eu nunca tinha tido atestado, não sabia o procedimento. Achava que atestado só se levava depois porque alguém doente não tem como ir”, detalha.

Edivaldo afirma que foi surpreendido com a demissão. “Depois de quatro dias tentando falar com eles, disseram que iam resolver e que eu continuasse a trabalhar. Que não tinham conseguido tirar ainda o abandono, mas que eu fosse trabalhando para eles tentarem resolver. Trabalhei segunda, terça e na quarta eu voltaria para meu horário original. Aí me chamaram perguntando se eu podia continuar no horário da tarde e eu neguei de imediato, pois iria voltar às aulas. Depois de 20 minutos, me chamaram de novo para assinar minha demissão por justa causa.” 

O jovem acionou a Justiça contra a empresa e lamenta o ocorrido. Segundo ele, seu desempenho como funcionário não justifica a demissão.

“Tenho os prints do meu supervisor dizendo que o corpo humano é feito 70% (sic) de água, que não precisava beber água. Nunca me atrasei. Sempre que faltava justificava, tinha melhores notas. Tudo correto. Pediram para que eu mudasse meu horário durante um mês e eu aceitei, pedindo que eu retornasse assim que pudesse por conta das minhas aulas, mas fui demitido como preguiçoso”, destaca.

Por medo de perder o emprego, outro funcionário da empresa, que pediu para não ser identificado, questiona a atuação do sindicato da categoria. Segundo ele há omissão. “O sindicato ao que tudo indica corrobora com a mesma [empresa]. O sindicato fica muito distante de nós. Na última eleição sindical nós não estávamos sabendo que existia uma eleição. O sindicato não nos avisou e a Almaviva também não”, diz.

O funcionário também afirma que muitas demissões ocorrem sem motivos aparentes. “Está tendo uma grande quantidade de demissões por justa causa. Os motivos são os mais variados, por exemplo, faltar com a verdade ou ainda atestado médico com o carimbo muito claro.”