Escritos

Vítima desabafa: "Tem muita gente que mora em Maceió, e não tem noção do que está acontecendo"

Neirevane morava no Bebedouro perto das casas dos parentes e o afundamento separou a família

Por Rívison Batista 10/09/2022 01h00 - Atualizado em 10/09/2022 09h22
Vítima desabafa: 'Tem muita gente que mora em Maceió, e não tem noção do que está acontecendo'
O repórter Rívison Batista e Neirevane Nunes. Ela conta que sua casa foi avaliada em R$ 206 mil, mas o máximo que foi oferecido como indenização foi R$ 115 mil. - Foto: Reprodução

Quando o tremor de terra do dia 3 de março de 2018 aconteceu em Maceió (provocado pela mineração da Braskem), Neirevane Nunes e todos os seus vizinhos saíram das suas casas assustados, no bairro de Bebedouro. Perguntavam-se o tempo todo “o que é isso?” e ficaram com medo de que o pior pudesse acontecer, como um desabamento, por exemplo. Porém, antes do terremoto, a casa de Neirevane já apresentava rachaduras em vários cômodos. Ela e sua família chamaram pedreiros, que não tinham ideia do que estava acontecendo, mas Neirevane afirma que também “nunca imaginava que aquilo pudesse ter alguma ligação com mineração”.

Neirevane residia na Rua Camaragibe e tinha a família quase toda por perto, no mesmo bairro, antes de ter que desocupar a sua própria casa. De fato, ela afirma hoje que o transtorno causado pela mineração foi além da perda da casa própria: “Separou a família”. Teve parente que foi morar em Marechal Deodoro (cidade da região metropolitana de Maceió), para se ter uma ideia do afastamento familiar que o afundamento causou. Neirevane é professora da rede municipal de Maceió e, além dos parentes que residiam em casas próximas no Bebedouro, ela mora com o marido, a mãe e a filha pequena.

Dos quatro, a professora conta que a mãe foi quem mais sentiu o fato de deixar a casa após a condenação do bairro. A mãe de Neirevane passou a vida toda no Bebedouro e a desocupação da residência agravou uma depressão que ela já tinha. Ao tocar no assunto, Neirevane também complementou afirmando que existe uma crise de saúde mental que atinge várias vítimas do afundamento em Maceió. Há ex-moradores com depressão, síndrome do pânico e alguns que não resistiram à pressão emocional que estavam sofrendo: são 11 casos de suicídios registrados.

Depois da descoberta que o tremor e as rachaduras em casas tinham relação direta com a mineração da Braskem, Neirevane uniu-se ao Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB). O MUVB foi um dos muitos movimentos criados por moradores afetados pela tragédia urbana para se conquistar direitos. A Tribuna sempre acompanhou o movimento de perto, assim como outros, como a Associação dos Empreendedores no Pinheiro e Região Afetada e o SOS Pinheiro, por exemplo. De acordo com Neirevane, o MUVB nasceu com o objetivo de unificar todos os moradores de todos os bairros atingidos e, dessa forma, vem conseguindo enfrentar o problema.

Sem indenização justa

Atualmente, Neirevane e sua família (marido, filha e mãe) residem em uma casa no bairro do Trapiche da Barra, em Maceió. Ela vive de aluguel social e ainda não recebeu uma indenização justa pela sua casa no Bebedouro. A residência dela foi avaliada em R$ 206 mil. Na primeira negociação, Neirevane conta que a Braskem ofereceu R$ 90 mil. Na segunda negociação, ela diz que foi oferecido o valor de R$ 115 mil. A professora afirma que centenas de pessoas do Bebedouro passam pela mesma situação: “É uma dor de cabeça”.

Neirevane clama à população alagoana que não está envolvida diretamente com o caso do afundamento que procure saber mais sobre o assunto. “Tem muita gente que mora em Maceió, e não tem noção do que está acontecendo. Que passem a procurar, conhecer e apoiar essas vítimas, para ampliar, cada vez mais, esse debate na sociedade, para que isso nunca mais volte a acontecer. Para que esse crime, aqui em Maceió, não seja esquecido e não se repita”, afirmou.